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"A competitividade é uma 'dama de companhia' muito exigente"

O presidente da Frezite, José Manuel Fernandes, diz que os bens de equipamento e as máquinas-ferramentas deviam ser considerados estratégicos pela capacidade de gerar emprego, de exportações e de inovação.

02 de Julho de 2014 às 09:44
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José Manuel Fernandes presidente da Frezite

 


José Manuel Fernandes, engenheiro, 68 anos, é dono de uma das empresas estrela do sector da metalomecânica fina, que é a Frezite, chama a atenção para este mega-sector que representa 12,6 mil milhões de euros das nossas exportações, cerca de 18,5% do total exportado em 2013. Por exemplo, o turismo representou 9,2 mil milhões de euros. Diz ainda que o sector tem empresas que estão entre as melhores do mundo, "quer pelo seu valor acrescentado sectorial como capacidade de resposta, pela competitividade em que a Inovação nestas empresas não é palavra vã". E exemplifica com a Autoeuropa, Adira, Metalogalva, Lisnave, etc.


Como explica o sucesso do sector da metalomecânica e a sua importância para as exportações?
O mega-sector da metalomecânica tem uma importância estratégica na criação de riqueza das sociedades ditas modernas e em particular nas exportações. É um sector infra-estruturante da maioria dos outros sectores e é o grande responsável em fornecê-los, por equipamentos e tecnologias. Também é responsável maioritariamente pela produção dos bens e serviços transaccionáveis. Infelizmente, a desindustrialização fez Portugal perder muitas empresas neste sector. No período da euforia da relevância dos serviços, empresas de base industrial desapareceram ou foram muito afectadas. Hoje, este mega-sector, sendo pouco invocado nos media, o que se compreende pela sua densidade sectorial, é um dos principais motores do crescimento económico, e foi responsável por 12.600 milhões de euros das nossas exportações em 2013.
Por exemplo, os bens de equipamento e, dentro deste, as máquinas-ferramentas são considerados sectores estratégicos para os Governos dos países mais desenvolvidos, mas em Portugal ainda não é considerado como tal. Como resultado disso, novas gerações de excelentes engenheiros, empreendedores que se vêem com dificuldades acrescidas para iniciar projectos, num país que não incentiva e não lhes dá apoio e a atenção diferenciada e devida nesta área.
Michael Porter identificou estas áreas como áreas diamante dos sectores tradicionais, que sendo tradicionais não quer dizer antiquados, mas antes com elevado potencial de alavancar continuadamente crescimento e emprego pelo crescente potencial que representam em desafios à recriatividade e inovação.


Que empresas deste sector escolheria se tivesse de eleger 3 a 5 casos de sucesso exemplar?
É difícil avaliar com justiça, mas o sector tem empresas notáveis que podem configurar entre as melhores do mundo, quer pelo seu valor acrescentado sectorial como capacidade de resposta, pela competitividade em que a Inovação nestas empresas não é palavra vã. Autoeuropa, Adira, Metalogalva, Lisnave, etc., são empresas excelentes exemplos. Em muitos sectores Portugal tem empresas exemplares, mas esses sectores têm poucas empresas. Esta é a correcta interpretação.


Quais são, no seu entender, as principais características comuns às melhores empresas portuguesas?
É a sua capacidade de reacção aos comportamentos da concorrência e dos mercados e à dinâmica que associam no modelo de resposta entre gestão e atitude pela reacção.
 

Como avalia a qualidade da gestão das empresas portuguesas?
Actualmente temos sob a qualidade da gestão das empresas três níveis que consigo distinguir. Aqueles que têm níveis de gestão elevados, isto pelos resultados e pelos procedimentos que adoptam com líderes focados na gestão e no autocontrolo e com uma visão estratégica bem definida e acautelada.
Depois surgem empresas com gestão de nível médio, em que o foco está mais na decisão e menos no controlo. Finalmente outras ainda, a grande maioria, sem uma cultura de gestão desenvolvida actuam em gestão em "conta corrente" do dia-a-dia e que estão sempre sujeitas a sobressaltos cujos resultados por vezes são os negativos que sobram além dos accionistas, para todos os "stakeholders". Estas vivem praticamente sem gestão estratégica. Normalmente este tipo de gestão vive sob a insensibilidade pelos pequenos resultados positivos que a aprisionam, sobrevalorizam e criam falsa informação. Este tipo de empresas, através da sua administração e gerência são um mercado excepcional para serviços de consultadoria e apoio à gestão. O problema está no facto de estes líderes terem a humildade de os aceitarem.


Quais são os principais obstáculos à competitividade?
A competitividade vem muitas vezes pela produtividade, associada a estratégia e esta à visão. A competitividade é uma "dama de companhia" muito exigente, que para os impreparados é um estorvo, um sacrifício e para os preparados é um gozo em desafio permanente.
Os obstáculos começam quando se tem à frente das empresas pessoas sem vocação e impreparadas, que muitas vezes se valorizam pelas dificuldades que criam, mas que prejudicam as empresas pelos maus resultados. A competitividade deve ser o resultado de uma acção multidisciplinar e constante na vida dos gestores.
O gestor bem preparado e vocacionado tem a sua "derme" sensibilizada como um radar para que percebam tudo o que se passa à sua volta, em particular, o que se passa fora da empresa e se possa transformar em elementos comparativos para criar ganhos de produtividade na organização da(s) empresa(s).


Esta crise também fez desaparecer boas empresas?
Quer a crise iniciada em finais de 2008 assim como a aplicação do Programa de Ajustamento foram um grande golpe, no tecido empresarial. O teatro de operações, onde mais se materializou este cenário, foi bem identificado, pelas empresas que estavam sobretudo estabelecidas no mercado nacional, que sofreram de um modo directo e indirecto o efeito da "purga", assim como o tsunami do crédito malparado, que vinha de trás e se amplificou. Não é difícil identificarmos empresas bem organizadas que entraram em incumprimento de causas exógenas e não tiveram tempo de recuperação na procura de novos mercados com novas estratégias. 

 

 

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Perfil


José Manuel Fernandes, 68 anos, fez a sua carreira a pulso pois foi serralheiro, desenhador industrial enquanto fazia o bacharelato em Engenharia Electromecânica pelo Instituto Industrial do Porto e, mais tarde, a licenciatura em Engenharia Mecânica pela Faculdade de Engenharia do Porto. Foi director de produção de várias fábricas como a Cerlei ou a Metalúrgica Costa Nery, e, em 1978, como Portugal tinha um grande défice no sector das ferramentas de corte fundou a Frezite. O Grupo Frezite tem como áreas de negócio as ferramentas de madeira, de metal, soluções para a construção, fornecimentos industriais e energia e ambiente. As suas fábricas e presença vão da Trofa em Portugal, a Valência (Espanha), a Santa Catarina (Brasil), Swansea (Reino Unido), Estugarda (Alemanha) até França, Roménia, República Checa e Finlândia. Pertence e liderou várias associações empresariais e foi presidente da AIMMAP - Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal. Em Setembro de 2012 cedeu o testemunho de principal executivo do grupo ao filho, Tiago Fernandes.

 

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