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Saúde Pública está "sem roteiro para o futuro"

Mais de três anos depois do primeiro caso de infeção por Covid-19 em Portugal, poucas lições se tiraram da pandemia. A começar pelo Governo, que de acordo com Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, “tem deixado a saúde pública à espera”.

11 de Maio de 2023 às 11:33
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A especialidade de Saúde Pública voltou ao esquecimento de muitos, inclusive dos decisores políticos. "Pouco mudou" desde a pandemia e "até mesmo o Governo tem deixado a Saúde Pública à espera, enquanto resolve os problemas das urgências hospitalares, implementa as Unidades Locais de Saúde e olha para os incentivos para fixar médicos, sem apresentar um roteiro para o futuro dos serviços e dos profissionais de Saúde Pública, que, como sabemos, também tem repercussões no estado de saúde dos Portugueses", lamenta Gustavo Tato Borges, Presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), em entrevista concedida no âmbito do Portugal Health Summit, uma iniciativa desenvolvida pelo Jornal de Negócios e a Sábado, em parceria com a Lusíadas Saúde. 

 

Concordando com aqueles que dizem que "a saúde pública é o parente pobre da medicina", o dirigente considera que "o poder político tem tendência a valorizar investimentos que se traduzam em realidades concretas a curto e médio prazo (ou seja, nas especialidades com atendimento clínico, para reduzir tempos de espera, utentes sem médico de família e aumentar a prestação de cuidados), e a esquecer áreas como a Saúde Pública, que produz resultados a médio ou longo prazo".

 

Exemplo disso é a introdução, em 2009, da vacina contra a infeção por HPV, com o intuito de reduzir, indiretamente, a incidência e a mortalidade por cancro do colo do útero, "e que ainda não é possível observar o seu impacto (mas será) devido ao facto de não ter passado tempo suficiente", refere.

 

Por outro lado, como observa o médico, "se tivermos em conta a carga de doença da população portuguesa e a necessidade urgente em intervir ao nível da promoção da saúde e prevenção da doença, com uma abordagem de saúde populacional, cuja resposta pode e deve ser dada pela Saúde Pública, verificamos igualmente que esta necessidade tem sido preterida pela não evidência dos seus resultados a curto prazo".

 

Falta de investimento

Esta falta de atenção estende-se aos profissionais da especialidade que, segundo o presidente da ANMSP, "também têm sido desvalorizados nas últimas décadas". "Só nos dão importância em situações de crise, quando surge a necessidade de recorrer aos nossos conhecimentos",  critica.

 

"Estamos há sete anos a trabalhar numa reforma para a Saúde Pública, trabalho esse que não tem tido resultados práticos porque os sucessivos governos e equipas ministeriais continuam a protelar a implementação das medidas sugeridas pelas diferentes comissões de reforma".

O que faz com que muitos dos meus colegas "tenham perdido a esperança que efetivamente se implemente alguma medida ou se altere a realidade dos serviços de saúde pública".

 

Na verdade, alerta Gustavo Tato Borges, "sentimo-nos ameaçados pela falta de investimento na nossa especialidade e nos nossos serviços e penso que essa realidade irá ter consequências negativas para o Serviço Nacional de Saúde e para a população portuguesa".

 

O retrato da especialidade não é, pois, muito favorável. Pela frente há muitos desafios. O principal é "o desenvolvimento e construção da Saúde Pública para 2030, ou seja, a implementação de medidas que permitam à especialidade desempenhar as suas funções de forma completa, integrada e efetiva". E, como explica Gustavo Tato Borges, isso passa pela "implementação do caminho que a Comissão da Reforma desenhar, tendo em conta as alterações que têm sido implementadas no Serviço Nacional de Saúde (SNS)", nomeadamente através do "reforço das competências da Direção-Geral da Saúde, da alocação dos recursos humanos e financeiros necessários, da capacitação dos Serviços de Saúde Pública regionais e locais, da regulamentação adequada do seu papel e contributo nos diferentes níveis e da valorização dos seus conhecimentos técnicos no planeamento institucional das diferentes entidades e estruturas do SNS".

"Só nos dão importância em situações de crise, quando surge a necessidade de recorrer aos nossos conhecimentos" Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública

 

Outro grande desafio apontado é "a captação e retenção de jovens especialistas", pois como conta, "com a falta de investimento e de importância que os governos têm atribuído à nossa especialidade (com exceção, claro, do tempo de combate à pandemia), estes têm procurado projetos mais aliciantes".

 

As novas tecnologias e os sistemas de informação são igualmente "uma prioridade", revelando o responsável que "a saúde pública ainda não tem um sistema de informação específico, que permita retirar dados relevantes da população que serve,

 

Segundo Gustavo Tato Borges, a tutela já criou uma equipa de trabalho nesse sentido, "mas a mesma está centrada em atividades burocráticas e pouco relevantes para a prática da Saúde Pública, como são as Juntas Médicas de Avaliação da Incapacidade ou outras atividades burocráticas".

 

O dirigente apela ao Ministério da Saúde para que "oiça o que dizem os profissionais do terreno e as conclusões dos trabalhos da Comissão da Reforma". Aos jovens médicos de saúde pública apela a que "demonstrem as mais-valias do seu trabalho, aumentando as suas competências e trazendo a sua energia, os seus conhecimentos e a sua vontade de inovar".

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