Outros sites Medialivre
Notícia

Maria João Valente Rosa: A promoção da literacia digital é uma missão vital

A literacia digital compreende várias dimensões e não se limita a lidar com as tecnologias. É preciso desenvolver competências de produção de informação credível e de avaliação da qualidade da informação e de saber o que fazer com a informação que surge, defende Maria João Valente Rosa.

21 de Julho de 2016 às 09:56
Miguel Baltazar
  • Partilhar artigo
  • ...
Maria João Valente Rosa é a directora da Pordata, a base de dados do Portugal Contemporâneo financiada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Doutorou-se em Sociologia, e é professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova. Esta especialista em demografia é champion do tema Estilos de Vida no beyond-Portugal Digital Acceleration, organizado pela EY e Jornal de Negócios.

Estamos todos a convergir para o mesmo estilo de vida? Menos diferenciados mais estandardizados?
Penso que estamos exactamente a caminhar no sentido inverso à convergência e à indiferenciação do ser humano. Com efeito, os estilos de vida ou maneiras de viver são função de múltiplos factores, a começar pelo meio e pelas oportunidades que esse meio oferece. Ora, nesta era digital, de acesso sem fronteiras à informação e de comunicação alargada, as maneiras de viver de cada um de nós tornam-se ilimitadas, pela diversidade de experiências pessoais, comunitárias ou outras que conseguimos alcançar e participar. Um exemplo é a gestão do tempo. Não há regra na forma como cada um ocupa o seu tempo diário. Cada pessoa faz o preenchimento do seu dia de forma sempre única e, por isso, diferente de outro. As soluções estandardizadas de gestão do tempo, dominantes no passado, cedem lugar a um infinito de possibilidades e de opções de viver.
Por outro lado, este mundo digital, móvel e sem fios, não está a conduzir a uma menor diversificação das estruturas sociais. A ilustrar esta ideia está a diversificação dos percursos familiares e a sua menor linearidade por comparação ao passado. Hoje continuamos a chamar família ou famílias, por facilidade, a uma realidade com um número infinito de matizes de agregados domésticos, onde se incluem: casais (de direito ou de facto), com ou sem filhos (comuns ou não); pais ou mães que vivem com filhos; pessoas que vivem sós; casais que vivem em casas separadas; pessoas que residem no mesmo alojamento partilhando despesas sem terem qualquer laço de parentesco, etc.

A maior comunicação com máquinas e cada vez menos com pessoas. Então e o desenvolvimento da sociedade e as competências sociais?
A maior comunicação através das máquinas não é sinónimo de maior isolamento social. O isolamento social e territorial tende, portanto, a diminuir com a comunicação em rede. Também quanto ao desinteresse pela presença física dos outros, tenho dúvidas que esteja em vias de extinção. A este propósito, lembremo-nos da quantidade de congressos, conferências, grandes eventos que diariamente se organizam ou, ainda, dos inúmeros festivais de verão que acontecem nos dias de hoje, muito participados pelos jovens. É claro que estas mudanças que estão a acontecer não deixam imunes os laços e as relações sociais e podem representar riscos individuais ou colectivos como a inibição das capacidades de enfrentar as circunstâncias reais mais adversas, pois no mundo virtual muito do que nos incomoda pode ser apagado com um simples "clique"; construção de universos ilusórios de relacionamento; intrusão não consentida na privacidade, etc. Mas esses riscos não são necessariamente consequência do digital. Dependem muito da pessoa e do uso que cada um faz do que o mundo digital coloca ao seu alcance.

O que preferimos? Mais comodidade, mais informação ou mais facilidade?
Considero que preferimos tudo isso: comodidade, facilidade e informação, ou melhor, preferimos que a informação nos chegue de uma forma fácil e cómoda. E isso já está a acontecer, nesta era digital. Contudo, não nos podemos dar por satisfeitos ou descansar. Nesta sociedade em "rede" e que vive na "rede", a promoção da literacia digital torna-se, agora, uma missão vital.
A literacia digital compreende várias dimensões e não se limita às competências para lidar com as TIC, capacidades que se tornaram quase naturais nas gerações mais novas, os "nativos digitais". É preciso também desenvolver competências de produção de informação credível e de avaliação da qualidade da informação que nos chega como um "tsunami". A literacia digital tem ainda uma outra dimensão mais ambiciosa, que é a de saber o que fazer com a informação que nos chega. Embora a informação seja a base do conhecimento, o facto de a termos em maior escala e mais próxima, não nos torna necessariamente mais sabedores e conhecedores. É necessário, assim, saber converter a informação, que é um "repositório", numa mais-valia social que é o conhecimento. Tornámo-nos mais exigentes, pois podemos saber muito mais, até sobre os nossos direitos. A escola tem um papel essencial em todo este processo.


Mais notícias