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Notícia

Empresas têm mais cultura de inovação

A inovação como vital para a sobrevivência e o crescimento das empresas está a fazer o caminho com maior colaboração das universidades e centros tecnológicos e com mais políticas públicas de apoio e incentivo.

17 de Março de 2015 às 09:47
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O Observatório constata a existência de um défice de cooperação entre empresas.

 


A inovação é fundamental para uma agenda de crescimento da economia e das empresas em Portugal e esta tem de se basear na inovação e em factores de competitividade que sejam mais prolongáveis no tempo e que permitam às empresas vantagens sobre os seus concorrentes. São os pressupostos para o diálogo sobre inovação da primeira reunião do think-tank no âmbito do Observatório EY-Negócios.


A questão inicial sobre a cultura da inovação e a existência de um qualquer atavismo que inibisse a inovação em Portugal mostrou um diagnóstico claro e unânime: não há limitações culturais. Existe uma certa tendência para facilitar as coisas, não assumir o destino e o futuro, e registam-se dificuldades quando se exigem esforços mais continuados, organização e necessidade de cooperação. Como resumiu um participante: "temos muitas iniciativas mas somos pouco acabativos".


Questões concretas e estruturais funcionam como obstáculos para uma cultura alargada de inovação e explicam comportamentos e "décalages". Por exemplo, Portugal passou a ter mais licenciados do que pessoas sem quaisquer qualificações no fim do século XX enquanto a maior parte dos países europeus fizeram com a diferença de um século, na passagem do século XIX para o XX. Portanto as questões estruturais mantêm-se como as qualificações, tipo de sectores em que estamos especializados, que têm a ver também com estas qualificações, a dimensão das empresas, o capital por trabalhador.


A reflexão centrou-se mais em torno das mudanças que se estão a verificar e dos problemas que se tem de resolver. Assinalaram-se mudanças como a do empreendedorismo. Há 10 ou 15 anos, quem fazia uma licenciatura arranjava emprego. Quem não tirava é que tinha de se desenrascar e fazer uma empresa. Por isso temos hoje uma classe empresarial com menos qualificação do que a população. Esta cultura mudou muito e hoje em dia já se sente que os jovens não só querem ser empreendedores mas querem viver de uma maneira diferente com muito mais iniciativa. Havia também uma cultura de gestão em algumas empresas mais tradicionais em que era uma gestão muito hierarquizada que não é mais favorável à iniciativa e à inovação.


Relação empresas e universidades
Considera-se que a colaboração das universidades e do Sistema Científico e Tecnológico com as empresas é já um adquirido e é uma constante de há uns anos a esta parte. A crise poderá ter sido um incentivo para esta abertura pois as universidades apostaram na prestação de serviços às empresas, que não é propriamente inovação, para rentabilizar os equipamentos e sobreviver.

 

 
As grandes empresas portuguesas e o crescimento inteligente
Há muitas empresas que se preocupam com o crescimento inteligente (smart growth) mas são ainda em número muito pequeno. Mas se a inovação e o crescimento inteligente tem significado ao nível das pequenas empresas, mais expressão tem ao nível das grandes empresas. E neste caso há dados inquietantes. De facto nas 2500 empresas que mais investem em inovação em todo o mundo há apenas quatro empresas portuguesas (CGD, EDP, PT e Bial) segundo o Ranking world top 2500 companies feito pelo Economics of Industrial Research & Innovation (IRI). A pergunta que surge é: onde estão os grandes grupos portugueses? "Não estão porque não interiorizam o crescimento inteligente e não perceberam que para se manterem precisam de ser mais agressivos e de apostarem mais em soluções inovadores que sejam competitivas à escala global" respondeu um dos intervenientes.


Assinalou-se uma grande transformação neste relacionamento nos últimos dez anos. Até esta altura, a generalidade das instituições universitárias estavam de costas voltadas para as empresas. As empresas queixavam-se que a academia lhe estava vedada e a academia dizia que as empresas não lhes batiam à porta. Nos últimos cinco anos percebe-se que, em determinados sectores como a saúde, a agro-indústria, as novas tecnologias, as empresas têm recorrido às universidades e com resultados muito interessantes que estão a começar a aparecer.


Os grandes números mostram esta realidade em mudança. O número de investigadores que trabalham nas empresas é muito baixo comparado com a média europeia e, nomeadamente, com a Europa do Norte mas tem evoluído com significado. Há cerca de 3 a 4 anos havia 22% dos investigadores na trabalhar em empresas e agora são 29%; em termos de doutorados eram 2,7% e agora são 4,2%. Ainda são muito poucos mas é um percurso que está a ser feito.


Outro aspecto tem a ver com a liderança da investigação em que há uma corrente forte que refere que deve ser determinado pelo mercado e pelas empresas. Como dizia um dos participantes: "quero que o dinheiro chegue às universidades mas com base em encomendas das empresas, com as empresas 'ab initio' para ser uma investigação mais virada para o mercado". As empresas devem liderar os processos de inovação, mas nem sempre a universidade está disponível. Até porque, por vezes, a universidade não reconhece nas empresas gente com competência para poder liderar estes projectos de investigação e de inovação. E de facto às vezes não há. Nestes casos, os empresários não devem ter medo de perder o controlo da situação, e devem colaborar com gente com capacidade para dar uma outra dimensão ao negócio. Mas há quem defenda mais uma espécie de dialéctica em que as empresas vão às universidades procurar soluções e em que a investigação quando inova e tem uma aplicação deve procurar as empresas. Para que isto tem de haver maior intercâmbio e diálogo entre universidades e empresas com interfaces mais preparados e profissionais.


Cooperação e rede de empresas
Em relação à cooperação entre empresas há um défice grande porque há uma certa desconfiança dos empresários. Revela-se, por exemplo, na atitude perante o controlo da empresa e a disposição para aceitar accionistas externos é sempre muito reduzida. Esta desconfiança alastra aos esquemas de consórcios, as fusões não são muito comuns e as aquisições nem sempre são fáceis.


São obstáculos significativos numa economia e num tecido económico empresarial com uma concentração em empresas de mais pequena dimensão em que há um problema relacionado com o crescimento que só pode ser superado pelo espírito de cooperação entre empresas e do recurso a redes colaborativas. Este tipo de mecanismo permite criar massa crítica e na capacidade de crescimento das empresas e portanto acaba por ter algum impacto na capacidade competitiva. Dota as empresas com maior capacidade de implementação de ideias inovadoras e diferenciadoras, que por vezes têm um "time to market" muito limitado.


Os últimos anos mostram alguns sinais encorajadores. As empresas têm demonstrado capacidade inovadora, diversificaram e abordaram novos mercados internacionais, mostraram atitude e resistência muito superiores ao que se anteciparia. É muito importante para a nossa economia conseguir aumentar o número de empresas que conseguem abordar mercado internacionais, pois o número de empresas exportadoras ainda é reduzido. Por isso é preciso que as empresas se consigam articular entre si e abordar mercados internacionais, porque em muitos casos não há capacidade para se internacionalizarem sozinhas. Há muito para fazer até porque a inovação como sabemos não é radical, é por imitação, de natureza incremental e a capacidade de fortalecer estas redes colaborativas é importante.


O erro e o financiamento
Há novos empreendedores que já não têm tanto medo de falhar, mas ainda existe uma limitação em instituições, empresas e pessoas que têm medo de falhar. Receiam que pelo facto de falharem uma vez possam vir a não ter nova oportunidade enquanto que noutras culturas favorecem que erra porque quando voltar novamente a possibilidade de errar nesse ponto é menor. Aduz-se ainda que em Portugal para se ter crédito, muitas vezes e no caso de empreendedores inovadores, se tem de dar avais pessoais coloca-se em risco a inovação e pune-se o erro. O que também está relacionado com a cultura das instituições financeiras que estão muito habituadas a financiar projectos desde que haja colaterais, nomeadamente imobiliários.


Outro dado de reflexão é que em matéria de inovação o país piora de montante para jusante. Não temos muitos recursos nem condições mas neste aspecto comparamos bem com o resto dos nossos parceiros europeus. O busílis está nos resultados, nomeadamente nos económicos. O que revela um problema de processos que reduz a produtividade e a eficiência da nossa inovação.

 

 

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A crise foi um factor de inovação em Portugal


A crise foi e é um factor indutor de inovação porque as empresas perceberam que, para sobreviver, tinham de inovar, internacionalizar-se, encontrar outros mercados.

 

O facto de a crise financeira e das dívidas soberanas, que se iniciou em 2008, ter sido um factor indutor da inovação e da abertura das universidades à colaboração com as empresas em Portugal, tem várias leituras. Há quem assinale que esta situação teve efeitos positivos e negativos. No caso das universidades, em alguns casos por necessidades de mais receitas estas viraram-se mais para fora e tornaram-se mais receptivas às empresas. Mas noutros casos limitou muito a capacidade de as universidades crescerem numa área que é importante e que é a da transferência de tecnologia, e que necessitava de mais recursos para ser mais ampla e eficiente.


Os impactos nas empresas também foram duais. A crise foi e é um factor indutor de inovação porque as empresas perceberam que, para sobreviver, tinham de inovar, internacionalizar-se, encontrar outros mercados. Mudou mentalidades, mas também teve efeitos perversos. Quem tinha iniciado projectos inovadores ficou sem grandes recursos financeiros para os desenvolver. Houve empresas que, por estarem numa situação financeira mais apertada, tiveram que cortar no pior sítio que foi na inovação.


Noutra perspectiva, a crise criou oportunidades e mudou comportamentos, visibilidade, capacidades do ponto de vista produtivo, posicionamentos de mercado. Criou-se uma forma de funcionar dentro da organização e nas relações entre organizações que se tornou diferente. A crise fez a redução drástica do mercado interno e um dos seus efeitos mais prolongados foi esvaziar a expectativa de que o mercado interno poderia recuperar ou até crescer. Este cenário levou as empresas a virarem-se para fora e teve consequências nas exportações, que passaram de 28% do PIB para os 40%. E este fenómeno é estrutural. Para se vender para fora tem de se ser mais inovador do que para vender dentro e o aumento de 12% nas exportações são 20 mil milhões de euros que começámos a exportar. "Isto é novo, veio para ficar e é bom" resume um dos participantes.


Há também um olhar mais céptico sobre o efeito de clique da crise nas exportações. Além de muitas serem feitas a preços esmagados e que portanto não se podem prolongar pois colocam em causa a sobrevivência das empresas, em muitos sectores e empresas já se tinha iniciado a reestruturação, caso dos calçado, dos moldes, da agro-indústria, como resposta à globalização competitiva tendo as exportações aumentado, entre 2005 e 2008, 6% do PIB, tendo depois caído e recuperado a partir de 2012.


Que há uma onda de inovação a impregnar as empresas portuguesas é um facto, não são ainda tão numerosas como seria o desejável, mas o movimento existe e ganha consistência. Por isso destaca-se a questão da formalização adequada dos processos de inovação das empresas. Há empresas que estão a fazer inovação no domínio da engenharia, nos processos de produção, que estão a responder bem às necessidades mas que depois se esquecem de pormenores como a protecção jurídica das patentes e dos processos. Recentemente uma empresa de calçado lamentava-se que estava a ser copiada pela indústria italiana.

 

 

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Think tank


E a regra Chatham House


O objectivo deste think tank é fazer o diagnóstico da situação actual em matéria de inovação em Portugal e de perceber como é que as empresas e as políticas públicas podem contribuir para que, através da inovação, se consiga chegar mais depressa ao aumento significativo e sustentado do crescimento em Portugal.


Para que a discussão fosse mais livre e aberta adoptou-se a regra conhecida de Chatham House, em que os participantes são livres de expressar as suas opiniões e de usar a informação recebida, mas não podem atribuir nem citar. Tudo pode ser escrito, nada pode ser atribuído para uma maior liberdade de cada um dizer o que pensa. Neste reunião do think-tank estiveram presentes:


António Neto da Silva, presidente da Deimos - Engenharia


Daniel Bessa, director-geral da COTEC


Helena Garrido, directora do Negócios


João Carlos Mateus, director-geral do Parque de Ciência e Tecnologia do Alentejo


Luís Florindo, executive director da EY


Luís Portela, chairman da Bial


Manuel Caldeira Cabral, professor da Universidade do Minho


Miguel Cruz, presidente do IAPMEI

 

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