Outros sites Medialivre
Notícia

Visita de João Lourenço aperta laços mas Lisboa não pode perder posição privilegiada

O desanuviar nas relações bilaterais entre Angola e Portugal é o momento indicado para estreitar os laços económicos. Lisboa deve tirar partido da relação e proximidade histórica apoiando Luanda, por exemplo, a suprir défice de qualificações.

23 de Novembro de 2018 às 17:00
O debate promovido pela PLMJ e o Negócios teve como pano de fundo a visita do Presidente de Angola, João Lourenço, a Portugal. Inês Gomes Lourenço
  • Partilhar artigo
  • ...
Dois meses depois da visita de António Costa a Angola, foi agora a vez de João Lourenço vir a Portugal. Superado o irritante nas relações diplomáticas entre os dois países, Lisboa e Luanda reatam uma relação privilegiada com olhos postos na economia.

Portugal pode e deve tirar partido desta proximidade histórica mas, para tal, não pode deixar-se ultrapassar pelos concorrentes cada vez mais atentos - foi uma das conclusões saídas da iniciativa conjunta entre o Negócios e a sociedade de advogados PLMJ que consistiu numa mesa-redonda em que especialistas em questões angolanas debateram as relações actuais e futuras dos dois países.

É fundamental pôr um ponto final no processo das dívidas do Estado angolano às construtoras. júlio oliveira
Country manager da Zagpope em Angola

"Por vezes senti alguma animosidade por sermos investidores portugueses, mas agora espero uma normalização", diz Duarte Pinto, presidente executivo da Sumol+Compal Marcas. A visita do Presidente angolano "vem apaziguar a celeuma relacionada com o processo de Manuel Vicente", acrescenta Carlos Neves, administrador do Grupo Azinor e da Sana Hotels.

Mas esperam-se também resultados práticos desta viagem. Para Júlio Oliveira é "fundamental" avançar em dois pontos: pôr um "ponto final no processo das dívidas do Estado angolano às construtoras" e garantir "acesso a crédito institucional e apoio ao exportador, a famosa linha da Cosec, para apoiar as empresas portuguesas", sustenta o country manager da Zagope em Angola.

As mudanças empreendidas por João Lourenço desde que chegou à Cidade Alta reflectem-se também na percepção relativamente ao investimento e empresários portugueses. Para Filipa Salazar Leite, coordenadora do departamento jurídico da Sumol+Compal Marcas, esta evolução política "favorece muitíssimo o ânimo dos angolanos em relação aos investimentos portugueses". Rute Jesus, administradora de recursos humanos do Grupo Arena, nota ainda que as autoridades angolanas, não a população, "eram muito arrogantes", como mostra lei do investimento privado, contudo "Angola mudou de posição radicalmente e tem agora uma atitude diferente".

Aproveitar mais-valia

Portugal deve tirar partido desta mudança, "mantendo e acompanhando a posição em Angola com outros e novos investimentos", refere Filipa Salazar para quem "a língua e a questão geracional histórica daquilo que é a vivência em África são, para já, uma enorme mais-valia".

Sempre achei que os investidores portugueses em Angola querem realmente investir e criar mais-valias. Não pensam em saquear e sair. Rute jesus
Administrador de recursos humanos do Grupo Arena 

Contudo, Carlos Neves avisa que "o discurso e as políticas de João Lourenço destinam-se a outros países que não Portugal", pelo que a vantagem lusa é de "curto prazo", havendo países como a Alemanha e os Estados Unidos dispostos a aproveitar oportunidades. "Temos de estar atentos a outros países que, seguramente, entrarão em Angola e que serão concorrentes directos das nossas empresas", defende. Sem tempo a perder, Duarte Pinto avisa que "há países que olham hoje para Angola de forma diferente".

Admitindo o interesse de outros países, Filipa Salazar frisa, porém, que "nacionalidades como a alemã ou a suíça não toleram tão facilmente os problemas com que as empresas se deparam em África, e Angola em particular". Além de que os portugueses olham de forma diferente para o mercado angolano, sem uma visão meramente utilitarista: "Sempre achei que os investidores portugueses em Angola querem realmente investir e criar mais-valia, não pensam apenas em chegar lá, saquear e sair como fizeram algumas empresas estrangeiras", explica a luso-angolana Rute Jesus.

"Portugal deve capitalizar o facto de a relação entre os povos português e angolano ser muito forte", prossegue Bruno Pina, sócio coordenador da PLMJ Angola. Este advogado identifica o ensino como área fundamental e que deve ser aproveitada.

Uma das formas de reforço das relações passa precisamente por ajudar Angola a superar a falta de qualificações dos recursos humanos. No entender de Duarte Pinto, "Portugal poderia ajudar a colmatar o défice muito grande nas qualificações dos trabalhadores, uma transição que é fundamental para acelerar o crescimento económico e a competitividade das empresas presentes no país."

"Temos de capacitar o capital humano para dotarmos as empresas de ferramentas para serem eficientes", sinaliza Rute Jesus que vê Angola "preocupada com a valorização e capacitação dos recursos humanos".

Não repetir erros do passado

Os sinais de reaproximação dos dois países deve ser acompanhado da noção da importância de não repetir erros cometidos no passado. Luís Pais Antunes, managing partner da PLMJ, considera que um dos erros cometido em Lisboa no relacionamento com Angola é "colocar todas as questões no plano político, o que é prejudicial".

Com as autoridades angolanas a apostarem na abertura económica, as empresas portuguesas têm também de evitar ir para Angola enquanto tábua de salvação como sucedeu na sequência da recessão decorrente da crise das dívidas soberanas. O painel de especialistas é unânime ao afirmar que isso "penalizou a imagem das empresas portuguesas".

Outro grande problema foi Portugal ter olhado para Angola "somente do ponto de vista comercial". "Nunca houve um olhar direccionado para o investimento produtivo", critica Carlos Neves. João Lourenço já anunciou que vem a Portugal à procura de "investidores e não de comerciantes".