Outros sites Medialivre
Notícia

Diversificar a economia é oportunidade única

As reformas políticas e económicas surgem em paralelo à vontade de diversificar a economia, oportunidade que as empresas lusas devem aproveitar. As autoridades portuguesas devem tentar afirmar Portugal como hub para o mercado angolano.

24 de Novembro de 2018 às 09:00
Inês Gomes Lourenço
  • Partilhar artigo
  • ...

Com uma economia altamente dependente das receitas petrolíferas, Angola parece ter iniciado uma fase de transição rumo à diversificação do seu tecido económico.

"Angola beneficiou muito da economia do petróleo e esqueceu-se de iniciar o processo de diversificação mais cedo. Esta é a grande oportunidade para avançar com esse processo", garante Duarte Pinto (Sumol+Compal) que alerta para o risco de precipitações já que será sempre uma mudança "longa e lenta".

É necessário que o Governo português dê sinais de disponibilidade para apoiar Angola num momento que é de viragem. duarte pinto
Presidente da comissão executiva da Sumol+Compal


Para que esta alteração de perfil se concretize, Angola tem de abrir a economia ao investimento estrangeiro. Acreditando que o Presidente angolano João Lourenço será o "catalisador dessa mudança", Carlos Neves (Azinor e Sana Hotels) identifica como grande desafio "criar um mercado privado em Angola".

Todavia, há outros sinais a dar, concretamente no que diz respeito a uma maior transparência na gestão da coisa pública. "Estão a ser dados no dia-a-dia, mas é preciso ver se esses sinais se concretizam", alerta Júlio Oliveira (Zagope) que vê este ponto como fulcral: "Não há outro jeito, porque sem isso Angola não vai conseguir virar a página e atrair investimento estrangeiro."

Se tivermos uma visão de médio e longo prazo, Angola continuará a ser um destino natural de investimento dos portugueses. Carlos neves
Administrador do Grupo Azinor e da Sana Hotels


Há vários anos em Angola, este gestor da Zagope refere ainda que é fundamental "resolver o problema da falta de divisas para abrir a economia". Curiosamente, esta fragilidade até teve um efeito positivo na diversificação da estrutura económica angolana. Como diz Carlos Neves, "a ausência de divisas fomentou a aposta na diversificação porque levou à compra de bens produzidos localmente e isso obrigou as empresas angolanas a melhorar, criando um ciclo virtuoso".

Só que apesar desta virtualidade resultante da escassez de moedas estrangeiras, a ausência de divisas "paralisa fábricas". "Sofremos bastante. Produzíamos em função das divisas que tínhamos e não em função da procura do mercado. Hoje não temos um problema de divisas na gestão corrente, mas de responsabilidades passadas para as quais ainda não temos divisas", conta Duarte Pinto.

Para que Angola se constitua como receptora de investimento directo estrangeiro, Júlio Oliveira sugere um reforço da aposta em concessões e PPP, o que mostraria ao que vêm os actuais dirigentes angolanos. Contudo, avisa que para se desenvolver, "o sector não petrolífero vai precisar de infra-estruturas" como estradas, pontes, canalizações ou melhor cobertura eléctrica.

Portugal como hub de negócios para Angola

Portugal deve acompanhar aqueles esforços e implementar medidas no sentido de se afirmar como uma espécie de plataforma para os negócios feitos no mercado angolano.

Filipa Vilhena (TechnipFMC) considera que o conceito de hub em Portugal para os negócios em Angola é "excelente", contudo teme que "transpor esta ideia e colocá-la em prática pode não ser fácil". Também céptico está Carlos Neves pois acredita que, ao contrário do que sucedia no passado, agora Angola "olha para outros países e o próprio Presidente João Lourenço já disse que não quer uma parceria única".

Mais optimista, Júlio Oliveira defende que Portugal continue a "apostar no hub português" e acredita que "as autoridades angolanas querem que esse hub seja fortalecido". Mas para que isso aconteça, é preciso haver "capacidade para financiar a economia angolana", pelo que destaca a importância de criar "linhas de crédito e apoio ao exportador". Em sintonia, Duarte Pinto alerta para a necessidade de o Governo português dar "sinais de disponibilidade para apoiar Angola num momento que é de viragem". "Não sei se temos feito tudo o que é possível", diz Duarte Pinto recordando que os alemães estão a fazê-lo com a criação de "linhas de financiamento específico para as suas indústrias".

Um dos erros cometidos no relacionamento com Angola é colocar todas as questões no plano político, o que é prejudicial. Luís pais antunes
Managing partner da PLMJ 


Júlio Oliveira acrescenta que Portugal "não pode ter medo de ser esse hub" e deve assumir-se inclusivamente como "elemento agregador e de ligação" entre Angola e outros países, nomeadamente europeus - "a Siemens e a maior parte das empresas alemãs olham para Angola através de Portugal".

Uma vez mais, a língua e os laços culturais comuns são uma vantagem para os investidores e empresas portuguesas que queiram apostar no mercado angolano. Mas a obtenção de vistos, mesmo para cidadãos portugueses, é um factor que continua a prejudicar o ambiente de negócios em Angola.

Por outro lado, as empresas nacionais não podem olhar para Angola apenas focadas na rentabilidade imediata. "Se tivermos uma visão de médio e longo prazo, Angola continuará a ser um destino natural de investimento dos portugueses", garante Carlos Neves. Mesmo não estando muito convicto da possibilidade de Portugal se poder afirmar como plataforma para negócios e investimentos na economia angolana, este gestor antevê que Angola pretenda e consiga afirmar-se como "hub para África". "Angola quer ser um 'player' relevante no continente africano", afiança.

Seja qual for a circunstância, Portugal e Angola terão a ganhar com uma relação bilateral mais coesa.

Angola dá muito, mas também exige muito

Investir e ir para Angola é uma decisão que uma empresa ou investidor não pode pesar unicamente com base em critérios de rentabilidade. Para os especialistas em questões angolanas que participaram na iniciativa do Negócios e da PLMJ, há que começar por distinguir entre estar em Luanda ou numa região do interior, onde infra-estruturas básicas nem sempre estão garantidas. Há ainda o aspecto burocrático, a idiossincrasia ou o mercado informal, aspectos que dificultam a vida de quem quer investir no país. Júlio Oliveira (Zagope) lembra que é preciso estar preparado para dificuldades como falta de água ou electricidade. Porém, sentir que se está a ajudar uma comunidade é muito compensador, assegura.