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O círculo virtuoso da prestação dos cuidados de saúde

O estudo "Novo Modelo de Acesso à Inovação em Saúde Baseado em Resultados", feito pela BCG com o apoio da Janssen, aponta a via para um modelo mais baseado na qualidade e na criação de valor em saúde.

07 de Dezembro de 2016 às 11:56
Paulo Gonçalves, "partner" da BCG, coordenou o estudo que aponta caminhos para um sistema baseado em ganhos de saúde. Inês Gomes Lourenço
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A equação do valor em Saúde de Michael Porter foi o mote escolhido por Paulo Gonçalves, "partner" da BCG na apresentação do estudo "Novo modelo de acesso à inovação em saúde baseado em resultados" preparado pela BCG com o apoio da Janssen, farmacêutica da Johnson&Johnson.

"Quando o enfoque está desde o início nos resultados, muitas vezes, consegue-se melhores resultados com os mesmos custos ou até com redução para o sistema e aumenta-se o valor" referiu Paulo Gonçalves. Além deste primeiro pressuposto há um segundo para se conseguir resultados em saúde e que é a inovação. "Os poucos estudos que há referem que inovação tecnológica é responsável por cerca de 50 a 60% dos ganhos em saúde nas últimas duas décadas" acentuou Paulo Gonçalves. Foi a partir destes dois pressupostos que o estudo desenvolveu "um modelo numa espécie de círculo virtuoso dentro da prestação dos cuidados de saúde" explicou Paulo Gonçalves.

O estudo estrutura-se com base em quatro recomendações concretas para o sistema que depois se desdobram em medidas mais detalhadas e é ilustrado com vários "case-studies". O modelo de financiamento dos prestadores com base nos resultados obtidos implica a medição, a análise e a criação de incentivos. Neste quadro os prestadores têm um maior incentivo para atingir resultados, para adoptar a inovação que acrescenta valor e leva a menores custos de redes hospitalares, menor número de cirurgias (segundas e terceiras cirurgias), e irá contribuir para um maior sustentabilidade do sistema.

Neste estudo refere-se que Portugal tem vindo a dar passos no sentido de um modelo de saúde mais baseado em resultados. Dá como exemplos a compensação dos médicos, enfermeiros e administrativos nas Unidades de Saúde Familiar de tipo B, um sistema de avaliação dos hospitais com base em indicadores de processo e de resultados (SINAS) e o novo sistema de avaliação de tecnologias de saúde (SiNATS) e a realização dos primeiros acordos de partilha de risco.

Financiamento com base em resultados

A primeira recomendação é o financiamento do sistema com base nos resultados obtidos. Neste aspecto Paulo Gonçalves salientou a necessidade de adopção do modelo de contratação plurianual. "Um problema que existe e dificulta a adopção de medidas de prevenção é a visão de curto prazo, por isso é importante ter uma visão de médio e longo prazo tanto nos objectivos como no financiamento" referiu.

"Temos um modelo muito baseado em consumo de cuidados de saúde e por isso anda-se a competir para ver quem produz mais, o que acaba por ser um factor indutor da própria procura. Talvez nos tenhamos de preocupar mais com a qualidade dos actos e menos com a quantidade" comentou Víctor Herdeiro, presidente da Unidade Local de Saúde de Matosinhos.

Paulo Gonçalves deu como exemplo a análise às cirurgias dos EUA sobre as complicações pós-cirúrgicas feito pela BCG e que concluiu que os prestadores de cuidados cirúrgicos privados recebiam cerca de três vezes mais pelos doentes operados que tinham complicações pós-cirúrgicas do que pelos doentes sem complicações.

Como financiar a inovação

"Em quanto se devia aumentar a despesa para financiar a inovação?" perguntava-se Paulo Gonçalves. É difícil de referir um valor, mas a inovação precisa de mais dinheiro do que tem actualmente. Nas contas do "partner" da BCG, a despesa per capita por medicamento está a 50% da média europeia. Se aumentasse 25% implicaria mais 2,6 mil milhões de euros para o orçamento das despesas em medicamentos, seria mais 0,5% do OE e 4% do orçamento da Saúde. "Não resolvia todas as necessidades que existem no sistema, mas certamente seria positivo e iria contribuir para reduzir algumas dificuldades" concluiu Paulo Gonçalves.


O financiamento per capita

O modelo de financiamento em Portugal é um modelo baseado em Grupos de Diagnósticos Homogéneos e em financiamento per capita, o que já é uma evolução em relação ao modelo "fee-for-service" que vigora em diversos países europeus. Além disso existe o modelo de pagamento por preço compreensivo aplicado a algumas doenças crónicas.
Víctor Herdeiro lidera a Unidade Local de Saúde de Matosinhos, um exemplo do financiamento per capita, em que "o prestador tem todo o incentivo em investir na promoção de saúde e na prevenção da doença para que o doente utilize menos os meios diferenciados do hospital. Foi uma experiência muito inovadora na Europa".
Segundo este gestor é um modelo que precisa de actualizações. Por exemplo, "está por provar que as populações com mais literacia usem menos os serviços de saúde, pelo contrário, as pessoas com mais literacia vivem mais tempo e podem consumir mais cuidados. A carga da doença também deve ser avaliada porque os territórios são diferentes e as cargas de doença são diferentes nas zonas urbanas e nas zonas rurais".


A segunda recomendação tem a ver com o financiamento da inovação. O futuro anuncia um reforço da inovação terapêutica e de diagnóstico. Paulo Gonçalves defende um reforço e uma optimização do financiamento dos medicamentos com mais dinheiro. Sugere a criação um fundo para o financiamento da inovação, dos medicamentos mais inovadores, apoiada por um aumento da partilha de risco.

"Estamos na cauda da Europa em termos despesa em medicamentos per capita e quanto à penetração das inovações sejam químicas ou biológicas" referiu Paulo Gonçalves. Por sua vez Eurico Castro Alves, director do Centro Hospitalar do Porto e antigo presidente do Infarmed, contestou: "nos medicamentos que são disruptivos está ao nível do que melhor se faz em toda a Europa e no Mundo civilizado. Os nossos doentes têm tido acesso às melhores terapêuticas". Deu como exemplo o caso da hepatite C, em que "Portugal foi dos primeiros não só a fazer um dos melhores negócios que ainda hoje existem no mundo como a dar o acesso terapêutico universal aos seus doentes pois não foi sequer a um grupo estratificado".

Acesso às tecnologias

A terceira recomendação prende-se com o modelo de acesso às tecnologias da saúde. Os prazos estão definidos limitando tempos de espera para os doentes e melhorando a transparência na avaliação das tecnologias. Por outro lado, garantir um acesso condicional, temporário enquanto se fazem todas as avaliações e também se capturam dados e provas reais desse produto. A Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica (CNFT) estabeleceu a obrigatoriedade da utilização do Formulário Nacional de Medicamentos para reduzir a complexidade dos processos pós-decisão de comparticipação.

A quarta recomendação promove a necessidade de monitorizar os resultados em saúde. "Temos de medir porque sem conhecer os resultados não podemos fazer o financiamento por resultados. Sem esta é difícil que cada uma das outras recomendações se sustente. É necessário que os sistemas sejam evoluídos, se capturem esses dados" analisa Paulo Gonçalves. Em termos de registos nacionais existem bons exemplos como a reumatologia e a oncologia, que podem evoluir. "É muito importante que esses dados se tornem públicos, sejam transparentes e qualquer um os possa analisar".

A ordem de trabalhos

A conferência "Investir em Saúde - Obter Resultados", organizada pela Janssen e pelo Jornal de Negócios, realizou-se a 22 de Novembro no Teatro Thalia em Lisboa tendo sido aberta por Raul Vaz, director do Jornal de Negócios e Nídia Afonso, directora de acesso ao mercado e Assuntos Externos da Janssen. O encerramento foi feito por Adalberto Campos Fernandes, ministro da Saúde. Os trabalhos tiveram início com a apresentação de Diane Bell, consultora e perita em cuidados de saúde no serviço público e privado inglês, intitulada "Outcomes-based health and care: making it a reality", seguindo-se uma mesa redonda sobre "Resultados em Saúde- Desafios Nacionais" com Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Elsa Frazão Mateus, coordenadora da EUPATI Portugal, Luís Costa, director do Departamento de Oncologia do Hospital de Santa Maria.
Foi apresentado o Estudo Aramis, "Um novo modelo de acesso à inovação em Saúde baseado em resultados" apresentado por Paulo Gonçalves, partner da Boston Consulting Group e comentado por Eurico Castro Alves, director do Centro Hospitalar do Porto e Víctor Herdeiro, presidente da Unidade Local de Saúde de Matosinhos. Para finalizar teve lugar uma mesa-redonda sobre "Financiar Resultados - da Teoria à Prática" com Ana Paula Martins, Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Luís Matos, membro da Comissão Executiva do Hospital da Prelada da Santa Casa da Misericórdia do Porto e Ricardo Baptista Leite, deputado do PSD à Assembleia da República. Os debates foram moderados por André Veríssimo, director-adjunto do Jornal de Negócios.