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Resultados em saúde exigem participação dos cidadãos

Nos últimos 20 anos, o conceito de hospital tem sido afunilado numa visão de uma eficiência interna e em que deixamos de ter parcerias com a comunidade. É precisar mudar a arquitectura do sistema com mais prevenção, diagnóstico precoce e participação dos doentes e das comunidades.

07 de Dezembro de 2016 às 11:41
O primeiro painel discutiu os desafios da implementação em Portugal de um sistema baseado em resultados em saúde. Inês Gomes Lourenço
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"O cidadão tem cada vez mais um papel de intervenção activa e responsável" declarou Elza Frazão Mateus, presidente da Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas. Mas na sua opinião "há muito a fazer no campo da educação e da literacia em saúde, em investigação clínica, inclusivamente, das tecnologias digitais". Assinalou ainda que "muitos dos nossos cidadãos não sabem utilizar estas tecnologias, desde as plataformas digitais até às novas aplicações".

Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, referiu que "existe um grande constrangimento para a gestão para os resultados que é falta de participação do doente nas organizações". Apesar da tradição histórica como as ligas dos amigos dos hospitais e da participação dos doentes em alguns casos, há um défice de participação. "Se queremos uma participação mais acentuada dos doentes e das comunidades na gestão para prestar melhores cuidados aos doentes, precisamos da sua opinião e da sua participação nas organizações" concluiu.

Elsa Frazão Mateus salienta que "o investimento em prevenção, que até agora não tem sido feito, e a perspectiva do que o cidadão ou o doente valorizam em termos de ganhos para a saúde, poderiam contribuir para a sustentabilidade do sistema e para qualidade de vida".

O financiamento é uma alavanca

"O financiamento é uma alavanca para mudar as organizações não pode ser um constrangimento" sublinhou Alexandre Lourenço. "Seja qual for o modelo de financiamento do Serviço Nacional de Saúde se as organizações não tiverem autonomia para gerir o financiamento dificilmente se consegue alterar o 'status quo'. Hoje as administrações dos hospitais não têm capacidade nem autonomia para tomar decisões". Os estrangulamentos económico-financeiros limitam a capacidade de acção e de maximizar os resultados. Além disso, confessa que "nem todas as dificuldades que temos são de natureza económico-financeira mas há questões de natureza cultural". "Existem questões estruturais que têm a ver com as profissões de saúde, mas felizmente as ordens profissionais começaram a ter um diálogo mais profícuo sobre as funções de cada profissional". Por outro lado, "existe uma dificuldade enorme em encontrar pontos de contacto entre os vários prestadores (cuidados de saúde primários, continuados, hospitais)".

Os dados existem, falta o "data mining"

O "data mining" é importante, pois não se pode falar em gestão pelos resultados em saúde sem a medição e a monitorização dos dados e dos indicadores. "O registo daquilo que se faz é importante para depois se fazer uma avaliação e o planeamento" disse Luís Costa, director do Departamento de Oncologia do Hospital de Santa Maria. "O registo não pode ser um 'waste of time'" sublinhou. "É muito importante que os registos sejam eficazes, 'friendly', e que não perturbem muito o acto clínico e que dêem tempo para explicar aquilo que o médico quer fazer com o doente. Quando o doente tem oportunidade de perguntar ao médico e este tem a possibilidade de ouvir o doente o resultado é muito melhor e a terapêutica é muito mais personalizada".
"Temos dados e dados de tudo sobre tudo. Temos de arranjar pessoas que saibam ler dados, interpretar e extrair conclusões. Os dados existem, vamos começar a criar coisas a partir deles". Para Luís Costa estes dados devem ter consequências no planeamento a médio prazo nos hospitais e nos centros de saúde tanto nas estratégias como nos objectivos e nos recursos. "O sistema de saúde tem de estar dotado de recursos humanos que permitam fazer este trabalho de recolha de dados pois não se pode pedir a pessoal qualificado como os médicos ou os enfermeiros para fazer o 'data entry'".


A Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares tem tentado, diz, sensibilizar para uma reorganização e redefinição do conceito de hospital. "Nos últimos 20 anos, o conceito de hospital tem sido afunilado numa visão de uma eficiência interna e em que deixamos de ter parcerias com a comunidade". Acentuou que os hospitais nunca vão resolver os seus problemas sem trabalho com a comunidade.

Segundo Alexandre Lourenço estão ser dados passos na medição de resultados em saúde e dá como a exemplo da criação dos centros de referência em que a avaliação foi feita com base neste critério. A Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares vai realizar cursos para o desenvolvimento de competências dos administradores hospitalares na medição e gestão com base em resultados em saúde.

Prevenção é fundamental

Para Luís Costa, director do Departamento de Oncologia do Hospital de Santa Maria, "a prevenção é fundamental para os hábitos de vida, os rastreios para o diagnóstico precoce". Falou da sua experiência referindo que "nós precisamos de captar recursos, por exemplo, na oncologia para quem tem cancro avançado mas este doente custa muito mais dinheiro do que um doente que consigamos tratar precocemente. Fizemos uma análise sobre os diferentes tipos de cancro do colón, e o detectado mais precocemente custava cerca de 4 mil euros e os mais avançados cerca de 6 mil euros e o financiamento por doente da ACSS é igual, o que está errado. O que mostra a necessidade de procurar prevenir e detectar precocemente patologias que são curáveis".

Alexandre Lourenço coloca a tónica na credibilidade da informação. "É um tema recorrente a falta de financiamento da prevenção, mas hoje já existem meios diferentes com a utilização das redes sociais. Mas neste clima de pós-verdade, as entidades responsáveis têm, em colaboração com as associações de doentes, de transmitir informação credível. Mas há também medidas de teor fiscal que têm demonstrado resultados em termos de prevenção como a taxa dos refrigerantes que é uma medida positiva no combate à obesidade".

Os movimentos de cidadãos

"Existe ainda um défice na participação dos cidadãos, mas existem também movimentações por parte de associações de doentes e organizações de cidadãos para ultrapassar essa situação" sublinhou Elza Frazão Mateus, coordenadora da EUPATI Portugal. No entanto, há sinais de mudança e deu o exemplo do movimento "Mais participação, melhor saúde", que apresentou a Carta para uma participação pública. Salientou que é preciso fazer formação aos representantes dos cidadãos e dos doentes porque, apesar de sua importância, a experiência da doença não é suficiente, são precisas acções de capacitação dos representantes dos doentes para terem um maior envolvimento e uma participação activa nos diversos níveis de decisão. Elza Frazão Mateus salientou ainda o trabalho da associação EUPATI Portugal, para um melhor conhecimento que permita uma melhor adesão terapêutica.