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Francisco Ferreira: "O PRR poderia ter investido na aquisição pelo Estado de espaços naturais"

Sem estes meios “vamos assistir a mais umas décadas de destruição de valores naturais por não possuirmos qualquer estratégia de gestão do território não artificializado (cerca de 95%)”, garante Francisco Ferreira, presidente do júri da categoria Preservação do Capital Natural.

20 de Julho de 2021 às 16:00
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Segundo Francisco Ferreira, existe em Portugal uma "capacidade estrutural para a implementação de boas políticas públicas", mas "a ambição e vontade políticas não têm abundado, assim como o zelo no cumprir e fazer cumprir de metas, regulamentos e leis fundamentais".

Quais os grandes desafios que se colocam em termos de sustentabilidade, nomeadamente na preservação do capital natural?
O desafio de fundo continua a ser a própria estruturação das relações socioeconómicas que estabelecemos com o meio – ainda permanecemos num quadro operativo que separa a sociedade da natureza quando precisamos de transitar para uma visão sistémica do planeta em que somos parte e não um elemento externo, concretizando no fundo o que já é a conceção predominante da maior parte dos cidadãos.

Neste sentido, o aparecimento de conceitos como o "one health", a economia do bem-estar e a agroecologia nos documentos orientadores de políticas públicas são passos positivos, ainda que com os riscos de esvaziamento do seu carácter holístico. Também o termo sustentabilidade, já amplamente difundido, tem sido enfraquecido através da minoração dos aspetos externos às dinâmicas da corrente configuração de mercado. A própria designação de capital natural já tem esta conotação de instrumentalização, na qual nós seríamos elementos externos que usufruem e gerem, ao invés de elementos integrantes que interagem em relações complexas que transcendem os intercâmbios materiais e comerciais. Seria importante iniciar efetivamente uma transição do paradigma da bioeconomia para o da ecoeconomia.

O que está a ser feito a nível nacional no âmbito da preservação do capital natural?
Portugal tem, na sua configuração jurídica, todo um conjunto de meios para uma salvaguarda e gestão racional dos recursos naturais, bem como caminhos claros para a concretização de uma organização socioeconómica conceptualmente integrada na natureza. Em Portugal, pese embora se encontrem em curso alguns investimentos pontuais nas áreas classificadas com vista à recuperação de habitats, a política pública tem sido marcada pela inoperância na fiscalização e regulação das atividades económicas suscetíveis de degradarem ou destruírem os ecossistemas por parte dos serviços do Estado.

Exemplos desta voragem são uma agricultura industrial que não é compatível com a manutenção da biodiversidade, o recrudescimento de projetos imobiliário-turísticos junto à faixa costeira ou a instalação de vastas áreas de equipamento de produção de energia renovável, sendo que nos dois primeiros exemplos, nem a Rede Natura 2000 parece estar a salvo. Perante este cenário preocupante, a Zero propõe que se implemente/institua à escala nacional um mecanismo de compensação que resulte na obrigatoriedade de dar previamente início ao processo de recuperação de uma área degradada sempre que seja licenciada ou ampliada uma atividade económica suscetível de alterar o uso do solo no sentido da sua artificialização.

Na prática, advoga-se a criação de uma regra de gestão territorial que torne obrigatória a recuperação de uma área degradada sem uso económico com pelo menos o dobro da área que irá ser artificializada, estabelecendo-se uma área igual a recuperar sempre que o restauro ocorra em área classificada. De salientar que esta penalização adicional de impactos ambientais já é aplicável desde 2010 à indústria extrativa situada no interior do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, com resultados muito positivos.

Os três programas comunitários para esta década – o PRR, o PT2030 e o INvestEU 21-27 – estão marcados pelas agendas digitais e de sustentabilidade. Qual pode ser o impacto destes instrumentos na economia, nas empresas, na sociedade, em termos de preservação do capital natural?
Para a agricultura, os fundos europeus continuam a incidir em grandes obras públicas de regadio e no apoio à intensificação e industrialização agrícolas, assentes numa visão de regadio pouco inclusiva e geradora, por um lado, de oligopólios e oligopsónios, por outro, precariedade laboral e impactos ambientais muito negativos. Exemplo disso é a construção da barragem do Crato, no Alto Alentejo, uma obra que não tem qualquer justificação, até do ponto de vista económico.

Para a área da floresta, uma parte significativa dos fundos são alçados a gestão recorrente, nomeadamente à implementação de faixas de gestão de combustível e ainda não é claro o funcionamento das Áreas Integradas de Gestão da Paisagem, em particular num aspeto central: como é que a gestão vai criar valor para o proprietário, ao mesmo tempo que se promovem espécies autóctones de crescimento lento.

O PRR teria também sido uma oportunidade única para efetuar investimentos importantes na aquisição pelo Estado de milhares de hectares de espaços naturais de interesse para a conservação situados em áreas classificadas e também para restaurar vastas áreas de ecossistemas degradados. 


Sustentabilidade Ambiental
Categoria Preservação do Capital Natural
Nesta nova categoria serão aceites nesta categoria projetos, iniciativas, produtos e/ou serviços que promovam a biodiversidade e a integração do capital natural (e.g. água, solo, ar, oceanos, florestas, etc.) como fator no processo de decisão das organizações. Serão valorizadas as iniciativas que tenham como princípio a preservação do capital natural e que promovam benefícios e impactos positivos para a sociedade em geral (e.g. preservação do Lince Ibérico, criação de passadiços que permitam maior fruição da natureza, etc). Serão valorizadas as candidaturas que promovam e estimulem a conservação e restauro do Capital Natural.

Quem é?
Francisco Ferreira é presidente do júri da categoria Preservação do Capital Natural. O presidente da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável é professor na área de ambiente na NOVA School of Science and Technology | FCT NOVA.