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"A Grande Recessão (2008-2012), ainda presente na memória coletiva, teve origem no sistema financeiro, dando azo a uma crise de dívida soberana e a uma recessão profunda. Desta vez ‘a culpa’ não é dos bancos e as regras e modelos de supervisão instituídos parecem estar a funcionar, ou seja, a maior exigência de capital e liquidez aos bancos e a maior capacidade de supervisão tornaram o setor mais resiliente e menos propenso a estar na origem de crises", referiu Gonçalo Quintino, partner da Deloitte. "A resposta à pandemia tem sido mais ágil, articulada e ‘musculada’ na UE, assumindo o setor financeiro um papel importante, como por exemplo as moratórias de crédito".
Também Diptes Bhimjee, professor auxiliar convidado do ISCTE, distingue a atual crise provocada pela covid-19 das duas crises sistémicas anteriores registadas no século XXI. As crises dotcom e a Grande Recessão de 2008 foram essencialmente crises de natureza financeira com impacto no lado real da economia e levaram ao significativo reforço das atividades de regulação de risco, quer a nível interno quer a nível externo, culminando, no caso dos bancos, na implementação de BASEL III.
Lado real da economia
Na crise económica gerada pela crise pandémica, "existe uma crise do lado real da economia (‘1st round effects’), que poderá subsequentemente conduzir a potenciais perdas financeiras generalizadas (por exemplo, aumento dramático das Non-Performing Loans) nos bancos (‘2nd round effects’), em função do nível de severidade de incumprimento dos mutuários nas operações de crédito (algo cuja gravidade presentemente desconhecemos)", diz Diptes Bhimjee que se doutorou em 2014 com uma tese sobre a crise financeira global de 2007-2008.
Gonçalo Quintino adverte que a crise atual ainda está em fase de desenvolvimento. Entende que não é possível ainda vislumbrar "verdadeiramente o seu efeito nos vários setores até que a recuperação se torne efetiva e sustentável. Ou seja, só mais tarde saberemos se as instituições financeiras mantêm a resiliência anunciada e se a regulação e a supervisão foram de facto suficientes. O contributo inicial positivo do sistema financeiro na resposta à crise poderá ser colocado em causa se vier a ser necessário socorrer o setor, minando a confiança e a recuperação económica".
O professor auxiliar convidado no departamento de Economia no ISCTE-IUL assinala que a regulação e a supervisão bancárias são fundamentais tanto para a estabilidade financeira e bancária, como para que os bancos europeus estejam preparados no longo processo de recuperação económica que se avizinha. "Os bancos europeus são e serão uma parte inestimável para uma eficaz solução de recuperação económica desde que devidamente apoiados por uma regulação e supervisão prudenciais sustentáveis", salienta Diptes Bhimjee.
Os efeitos da dimensão
A dimensão traz vantagens comparativas aos grandes ‘players’ bancários. Diptes Bhimjee considera que num contexto pós-pandémico, é expectável que haja pressões para que existam mais fusões bancárias nacionais e à escala europeia, no sentido de criar grandes grupos bancários pan-europeus que beneficiem de escala e compitam à escala global à semelhança dos seus congéneres asiáticos e norte-americanos. Acrescenta que "no muito longo prazo, não será inverosímil supor que estes grandes gigantes bancários pan-europeus possam fazer parte integrante de uma estratégia europeia de criação de valor acrescentado para a banca europeia, em que esta última passe a atuar à escala planetária".
Defende também que "este objetivo é perfeitamente compaginável com a implementação da futura União Bancária, cujos objetivos de longo prazo certamente contemplam permitir que o consumidor financeiro possa beneficiar de preços mais harmonizados e mais competitivos na provisão de produtos financeiros, desde que tal não impacte os níveis de concentração no mercado bancário europeu".
"A tendência de consolidação tem sido clara nos últimos anos. Paralelamente a este processo, observamos uma redução significativa do número de bancos universais e a uma transferência de alguns dos serviços bancários para entidades terceiras altamente especializadas, como é o caso dos serviços de pagamento, custódia de fundos de investimento ou crédito ao consumo", refere Paulo Costa Martins, sócio da Cuatrecasas, área de Bancário, Financeiro e Mercado de Capitais.
Desde a crise financeira que a construção do modelo de supervisão e regulação incentiva, segundo Gonçalo Quintino, "a criação de grandes instituições com escala para serem competitivas e rentáveis. Adicionalmente a harmonização e a liberalização do acesso aos mercados nacionais e o foco na defesa dos consumidores e investidores geram cada vez mais competição por parte de instituições estrangeiras e de concorrentes não tradicionais (vulgo fintechs), o que também incentiva a busca de escala. Não sendo um objetivo declarado, parece ser uma das estratégias de sobrevivência mais óbvias".