A pandemia está a ter forte impacto em todas as áreas de atividade e com a reabilitação e a construção não foi diferente. As empresas do setor foram obrigadas a adaptar-se e com o grande esforço de organização conseguiram "responder ao repto lançado pelo país e assegurar tanto a continuidade de obras essenciais e que não podem parar, como, também, disponibilizar toda a sua capacidade operacional para que se possam manter os edifícios seguros e saudáveis", explica Reis Campos, presidente da AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas.
Por outro lado, mesmo com a pandemia, tem-se verificado uma "manutenção dos níveis de investimento público e privado, a que se junta um trabalho persistente por parte dos agentes do setor para manter a trajetória de crescimento que se vinha a consolidar antes da eclosão do surto pandémico".
Portanto, apesar desta crise sem precedentes e da imposição das medidas deste novo confinamento que implicam, inevitavelmente, consequências adversas, "a verdade é que, a exemplo do resto do setor, a reabilitação tem-se caracterizado por uma forte resiliência, a qual tem permitido minimizar os impactos negativos da atual conjuntura e assegurar a estabilização da atividade".
Indústria e construção civil não pararam
Questionado sobre que consequência trouxe a pandemia à reabilitação em Portugal, Carlos Mineiro Aires, bastonário da Ordem dos Engenheiros (OE), responde que "felizmente, após o espoletar da pandemia, a atividade da indústria da construção civil nunca parou, o que teria sido fatal para a economia do país, pois trata-se de uma atividade que contribui para cerca de 15% do PIB e alimenta uma fileira de mais de 600 mil portugueses, o que permitiu superar os iniciais receios que os empresários e os trabalhadores temiam".
O bastonário da OE também regista que a procura não sofreu uma redução, tendo-se mantido nos níveis a que tinha chegado. "Saliente-se a aposta que continua a ser feita em novos investimentos, sobretudo no setor da hotelaria, num contexto aparentemente adverso, o que traduz a esperança e a resiliência dos investidores."
Alerta: o fosso vai aumentar
Por sua vez, Alice Tavares, presidente APRUPP – Associação Portuguesa para a Reabilitação Urbana e Proteção do Património, diz que o impacto da pandemia na reabilitação não vai ser para já visível, pois a reabilitação de edifícios quase não parou até ao momento. Porém, perspetiva-se que "o fosso aumente entre a capacidade financeira das famílias e os valores de mercado praticados na oferta para habitação própria".
Alice Tavares, arquiteta e investigadora da Universidade de Aveiro, explica que a reabilitação, "usada como veículo de especulação imobiliária", depende da capacidade de retoma do país para manter o modus operandi: "Transformação radical dos edifícios com a preservação apenas das fachadas para uma classe média-alta." O que, perspetiva, não irá acontecer nos próximos dois anos. "Por isso, estamos a perder a identidade dos locais, nomeadamente de centros históricos, em processos que não serão para responder ao mercado nacional, nem são reversíveis, repetindo o mesmo mote de deixar os locais e edifícios mais emblemáticos em mãos de estrangeiros, o que terá repercussões na gestão urbana futura."
A responsável da APRUPP acrescenta que, como o edificado anterior a 1919 representava menos de 6% do edificado nacional, os censos de 2021 irão demonstrar "a sua quase extinção". Lamentavelmente, continua, a "gaiola pombalina", reconhecida na comunidade científica internacional e apesar de todos os alertas de investigadores, está "praticamente extinta, sem nenhuma ponderação pública para estancar esta perda pela Câmara de Lisboa".