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Imobiliário e Reabilitação Urbana Janeiro 2019
Notícia

É indispensável uma Lei de Bases da Habitação

Romão Lavadinho, presidente da Associação de Inquilinos Lisbonenses (AIL), critica o poder político e a administração pública.

22 de Janeiro de 2019 às 15:21
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Há muitos anos que a política de habitação tem sido maltratada pelo poder político e pela administração pública. Entregou-se à iniciativa privada a resolução dos problemas, quando se sabe que em geral esta apenas está interessada em agir segundo os seus próprios interesses de lucro rápido. Seja privado ou público, ao longo de décadas não se cuidou do edificado, como era devido e obrigatório, deixando-o degradar-se. Construiu-se novo acima das necessidades, ocupando novos territórios cada vez mais afastados dos locais de trabalho, obrigando a deslocações diárias morosas e custosas. Incentivou-se desmedidamente a aquisição de habitação através de vultosos benefícios fiscais, endividando as famílias, os bancos e o país. Descurou-se o investimento em habitação pública para acorrer às necessidades da população mais carenciada, representando cerca de 2% da habitação existente.

 

 

A legislação do arrendamento não dinamizou o mercado de arrendamento, apenas trouxe angústias crescentes aos inquilinos, estilhaçou os poucos direitos, promoveu despejos, encareceu desmedidamente as rendas, afastou os cidadãos desta opção habitacional, expulsou-os da cidade para as periferias. As recentes alterações aprovadas à legislação pouco vão adiantar nas necessárias soluções de fundo.

 

 

Reabilitação urbana

 

 

Quanto à reabilitação urbana, é facto que nos anos recentes se verificou algum impulso. No caso de Lisboa, a reabilitação tem tido algum incremento, resultado da maior procura por nacionais e estrangeiros com maior poder de compra, muito devido a uma legislação benéfica e aos benefícios fiscais concedidos, bem como resultante do crescimento do turismo e da atividade hoteleira. Isso não obsta a que Lisboa tenha ainda uma parte dos seus edifícios antigos com grandes carências de condições de habitabilidade, fruto do laxismo dos proprietários e do município. E, em muitos casos, a degradação não é maior porque os inquilinos fizeram obras a suas expensas substituindo-se aos proprietários, para tentarem manter um mínimo de qualidade de vida.

 

 

De notar que a parte da cidade mais recente já padece de grandes problemas porque foi construída com a utilização de materiais de menor qualidade, descuidando o ambiente, o ruído, o isolamento. Apoiou-se a quantidade em detrimento da qualidade. Assim, muitos edifícios construídos recentemente – 10/15 anos – já apresentam deficiências e anomalias estruturais profundas.

 

 

Mercado imobiliário

 

 

Relativamente ao mercado imobiliário em Lisboa, como em geral no país, está assente na especulação, rendas e preços de venda, atingindo valores incomportáveis para a maioria das famílias portuguesas que não conseguem arrendar ou adquirir uma habitação. O mercado de arrendamento não tem a dinâmica necessária, tem uma oferta escassa e cara, agravada pelo aumento do turismo em habitações e pela procura de casas por cidadãos estrangeiros.

 

 

A alteração verificada no regime do arrendamento urbano feita pelo anterior governo PSD/CDS, através da Lei Cristas, transformou os contratos de arrendamento, passados e atuais, em precários ao instituir como regra a prazo certo. A situação de precariedade do contrato, a falta de oferta, a alteração da finalidade habitacional para que foi licenciado o edifício para fins não habitacionais como hostels, hotéis, alojamentos locais, a facilidade conferida ao senhorio de denunciar o contrato ou de não renovar o contrato, o facilitismo no despejo, fizeram crescer quer a precariedade dos contratos quer as rendas para valores incomportáveis.

 

 

A AIL tem vindo a apresentar propostas concretas e efetivas aos sucessivos governos e Assembleia da República (AR). Defendemos que todas as famílias portuguesas, que não só os mais idosos ou com deficiência, tenham uma habitação digna e de acordo com os seus rendimentos. As soluções apresentadas, a terem sido aceites pela AR, poderiam resolver boa parte do problema da habitação. De entre outras, destacamos as soluções para a resolução de conflitos entre inquilinos e senhorios; a alteração do funcionamento e âmbito do BNA (Balcão Nacional do Arrendamento/"Despejos"), deixando de ser só uma "arma" do senhorio; para a estabilidade contratual do arrendamento urbano habitacional e não habitacional; garantias de fixação mínima inicial e de renovação dos contratos de arrendamento para dar estabilidade a famílias e empresas; despenalizar em sede de IRS e IRC as indemnizações recebidas pelos inquilinos quando o senhorio obtém por força da lei o direito de denúncia do contrato; eliminação da obrigatoriedade de exigência dos fiadores, substituindo-os por seguros de renda e de multirriscos; benefícios fiscais para os proprietários que coloquem no mercado de arrendamento os fogos a rendas acessíveis e com duração alargada; atuação concreta dos serviços camarários na prevenção do edificado; e não só.

 

 

Estas entidades e outras, como serviços e institutos públicos, devem disponibilizar ao mercado mais habitação para arrendamento com duração alargada e a preços compatíveis com os rendimentos do agregado familiar, como forma de dinamizar o mercado e concorrer com os proprietários privados e assim combater a especulação.

 

 

Fazer mais

 

 

Tem de se ir mais longe: disponibilizar habitação pública a preços acessíveis; obrigar os senhorios a colocar no mercado as casas disponíveis ou devolutas; intervir na recuperação do património estatal ou privado que se encontre degradado; proibir a afetação do edifício a fim diverso para o que foi licenciado e construído; dar garantia de apoio à recuperação do edifício com redução de taxas e benefícios fiscais ao investimento comprovado.

 

 

De modo algum se defende o confisco da propriedade, mas antes a colocação do edifício para o fim para que foi construído e ao serviço da população, dado o caráter social da habitação. Como já tive a oportunidade de dizer, já devia ter sido aprovada há muito tempo, e é indispensável, uma Lei de Bases da Habitação. Tem de ser dado cumprimento ao que consta no art.º 65° da Constituição, no qual todos têm direito a uma habitação condigna de acordo com os seus rendimentos e que na prática seja aplicado.

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