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Um tecido com muitas realidades

No que diz respeito à sustentabilidade, as empresas portuguesas têm ainda grandes discrepâncias, consoante o setor, dimensão e modelo de negócio.

24 de Março de 2021 às 10:37
João Wengorovius Meneses, secretário-geral da BCSD Portugal
João Wengorovius Meneses, secretário-geral da BCSD Portugal
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As empresas portuguesas estão no caminho da sustentabilidade ou, no setor empresarial e industrial, ainda estamos longe de ser um país "verde"? Colocámos esta questão a João Wengorovius Meneses, secretário-geral do Business Council for Sustainable Development (BCSD) Portugal, que começou por nos responder fazendo uma viagem à História, mais concretamente à adesão portuguesa à então designada CEE, em 1986, altura a partir da qual as empresas nacionais passaram a ter de lidar com vários desafios para se manterem competitivas.

 

Portanto, de uma economia assente numa indústria pouco qualificada e com baixos índices de produtividade até à economia moderna e aberta que hoje somos, o nosso tecido empresarial teve de lidar com várias exigências, nomeadamente: a de incorporar tecnologia para aumentar a sua produtividade; a de melhorar a qualidade e fiabilidade da sua oferta; a de ser capaz de criar marcas robustas, estratégias de marketing mais sofisticadas e iniciar um processo de internacionalização para mercados mais exigentes; a de inovar, diferenciar-se e incorporar mais conhecimento na sua proposta de valor; e a de acelerar a transformação digital dos seus modelos de negócio e cadeias de valor. É neste contexto que surge o desafio da sustentabilidade.

 

Hoje, para serem competitivas, as empresas portuguesas são também chamadas a "tornar as suas cadeias de valor e modelos de negócio sustentáveis", afirma João Wengorovius Meneses. Pela exigência do planeta, das futuras gerações, dos clientes, investidores, reguladores, trabalhadores e comunidades impactadas pelos seus negócios. Quer isto dizer que a sua licença para operar e a sua competitividade dependerão, cada vez mais, "da capacidade para integrarem as três dimensões ESG no seu modelo de negócio, isto é, as dimensões ambientais, sociais e de governance".

 

Uma realidade poliforme

 

É verdade que existe uma tendência sustentada e transversal a todas as empresas portuguesas, mas "a sua realidade é ainda muito poliforme, no que toca ao tema da sustentabilidade". "Há, ainda, grandes discrepâncias consoante o tipo de setor, dimensão e modelo de negócio da empresa, bem como relativamente aos diversos aspetos e indicadores que compõem as três dimensões ESG da sustentabilidade", explica o secretário-geral da BCSD Portugal. Avança com um exemplo, para ilustrar melhor o que afirma. Recentemente, o CDP – Disclosure Insight Action atribuiu uma classificação de A- (nível de liderança) no campo das "Alterações Climáticas" a seis empresas portuguesas. E o mais recente relatório da consultora norte-americana S&P Global, elaborado em parceria com a Robeco SAM, o "The Sustainability Yearbook 2020", distinguiu quatro empresas portuguesas. Em ambos os casos, empresas de grande dimensão. Porém, há cada vez mais start-ups que são bons casos de estudo ao nível da sustentabilidade, nomeadamente, nos setores da moda, da mobilidade e agroalimentar, ou nos domínios da economia circular e da bioeconomia.

 

É-nos recordado ainda que há cada vez mais empresas portuguesas com certificações de sustentabilidade, que reportam informação de caráter não financeiro, que adotam os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas, e que ganham reconhecimento e prémios internacionais neste domínio.

 

"Será também um bom indicador o facto de a BCSD Portugal ter uma Carta de Princípios e dois projetos recentes – o act4nature Portugal e o Pacto de Mobilidade Empresarial de Lisboa, este em parceria com a autarquia da capital e o WBCSD – que têm mais de 200 signatários, comprometidos com iniciativas concretas de transição para a sustentabilidade", sublinha João Wengorovius Meneses.

 

Diversos problemas, mas vão-se avançando soluções

 

Na realidade, existem diversos alertas em relação à realidade das nossas empresas que não devem ser ignorados, como é relembrado pelo responsável da BCSD Portugal. Está a falar-se da desigualdade de género nos lugares de topo das empresas portuguesas ou o recente relatório dos ativistas do Climáximo e da Greve Climática Estudantil, que analisou as emissões de gases com efeito estufa de 249 infraestruturas portuguesas e publicaram uma lista negra dos principais emissores, associados, sobretudo, aos setores da eletricidade, refinação, papel e cimento. Ainda assim, a verdade é que muitas destas empresas "já acordaram para a importância do tema da sustentabilidade". "Temos, agora, de acordar as que ainda não acordaram e de acelerar o ritmo da transição para a sustentabilidade das que já acordaram", diz.

 

A realidade empresarial portuguesa ainda é pouco conhecida

 

João Wengorovius Meneses não termina sem deixar de mencionar dois aspetos importantes. Por um lado, há ainda "um grande desconhecimento da realidade empresarial portuguesa ao nível do seu desempenho em muitos dos aspetos e indicadores ESG, dado que não há estatísticas e compilação sistemática de informação". Por outro, continua, "há setores em que o papel das associações empresariais setoriais ainda é demasiado discreto no que respeita ao tema da sustentabilidade." "Por exemplo, já todas adotaram o imperativo da transição digital e da internacionalização das empresas portuguesas, mas nem todas assumiram com determinação o imperativo da sustentabilidade para a competitividade e resiliência dos seus membros."

 

Portugal e a Europa revelam ambição

 

"Portugal e, sobretudo, a Europa têm mostrado ambição tanto nas metas assumidas, como no ritmo proposto para a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável." Quem o afirma é João Wengorovius Meneses.

 

À questão se Portugal e a Europa estão a caminhar para se cumprir as metas impostas pelo European Green Deal, o secretário-geral da BCSD Portugal relembra que o nosso país foi, inclusive, dos primeiros do mundo a comprometer-se com a neutralidade carbónica até 2050. "Para o efeito, temos um Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e um Plano Nacional de Energia e Clima 2030. Adicionalmente, temos outros planos, em vigor ou em construção, seja para a promoção da economia circular, da bioeconomia, da biodiversidade, entre outros", informa.

 

Acrescenta ainda que a Estratégia Portugal 2030 materializa a visão para esta década e serve de referencial para instrumentos como o Plano de Recuperação e Resiliência e o próximo Quadro Comunitário de Apoio 2021-2027, sendo clara quanto à prioridade dos temas da sustentabilidade (social e ambiental) e da transformação digital para o futuro do país.

 

Mais: o tema da sustentabilidade também tem estado em destaque na agenda da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia.

 

São precisos compromissos adicionais

 

Não obstante o trabalho que tem sido feito, é importante ter-se em conta dois aspetos relevantes, alerta: "Por um lado, no que toca à neutralidade carbónica, ainda são necessários compromissos adicionais para que o Acordo de Paris possa ser alcançado; por outro, a parte mais difícil só começa agora, ou seja, é sobretudo na fase de implementação das diversas estratégias e compromissos que se decide o seu sucesso ou insucesso."

 

Segundo o responsável da BCSD Portugal, há ainda muito a fazer em Portugal ao nível da diminuição das desigualdades sociais, do ordenamento do território, ou da economia do mar, para dar apenas alguns exemplos.

 

Sem uma resposta fácil para dar, João Wengorovius Meneses aponta dois dados: "Apesar de haver pouca informação do desempenho do país em dimensões importantes dos ESG, Portugal ocupa o 16º lugar na Earth.org, um ranking que combina os índices internacionais mais conceituados sobre política pública, poluição, alterações climáticas, oceanos, biodiversidade e energia. Por outro lado, em 2020, Portugal atingiu o Overshoot Day a 25 de maio. Ou seja, já seriam necessários mais de dois planetas Terra para que o nosso modelo de desenvolvimento e estilos de vida fossem sustentáveis."

 

Os benefícios para as empresas

 

São muitas as vantagens que têm as empresas que optaram ou estão a optar pelo caminho da sustentabilidade. João Wengorovius Meneses aponta esses benefícios.

 

Redução de custos: ao diminuir a intensidade de uso de matérias-primas, energia, água e outros recursos, as empresas economizam, enquanto contribuem para a sustentabilidade do planeta, dada a escassez e finitude dos recursos naturais, e para as metas internacionais de diminuição das emissões de gases com efeito de estufa, da poluição e da produção de resíduos.

 

Melhor gestão de risco: num contexto em que a regulação é cada vez maior, ao integrar melhor os fatores ESG, as empresas mitigam o risco de falhas no cumprimento de normas de compliance legal, cada vez mais exigentes. Adicionalmente, mitigam o risco de rutura ou aumento de preço de matérias-primas essenciais e o risco de campanhas lesivas da reputação por práticas lesivas das pessoas ou do planeta.

 

Diferenciação face à concorrência e fidelização de clientes: os novos consumidores esperam, através das suas opções de consumo quotidianas, poder contribuir para um mundo melhor. Ao conferir uma identidade diferente aos produtos, a sustentabilidade ou o propósito são excelentes formas de atração e fidelização de clientes.

 

Atração e retenção de talento: a sustentabilidade, como propósito maior do que o lucro, é um argumento cada vez mais relevante para a atração e retenção de colaboradores com talento. As gerações Millennial e Z até estão disponíveis para um trade-off entre propósito e salário.

 

Capital mais barato e fortalecimento das relações com os stakeholders: as empresas mais sustentáveis já são percecionadas pelos investidores como tendo menos risco. As menos sustentáveis pagarão um prémio de risco cada vez maior. Se se analisar o comportamento das principais bolsas internacionais durante a pandemia, constata-se que os cabazes e índices de ações de empresas que integram melhor os fatores ESG tiveram muito melhor performance do que os tradicionais.

 

Oportunidade de investimento e negócio: os mecanismos de financiamento da sustentabilidade são cada vez mais variados e têm uma escala cada vez mais interessante. Vejamos:

 

. Subsídios – O envelope de subsídios europeus e nacionais para financiar a transição para a sustentabilidade é cada vez maior. Só o Pacto Ecológico Europeu vai investir 1,8 mil milhões de euros, até 2027. E o Pacto de Recuperação e Resiliência 750 mil milhões de euros, até 2026. Portugal terá mais de 60 mil milhões de euros de fundos europeus ao seu dispor ao longo desta década. Segundo o ministro do Ambiente e Transição Energética, só a neutralidade carbónica de Portugal obrigará a um investimento superior a mil milhões de euros, até 2050;

 

. Fundos de investimento – Nunca houve tanta liquidez no mundo para investir. Em 2019, havia 89 mil milhões de dólares de ativos geridos por instituições financeiras, estando a crescer a dois dígitos ao ano a percentagem de ativos sustentáveis;

 

. Dívida – Segundo a Moody’s, a emissão de obrigações sustentáveis deverá atingir os 850 mil milhões de dólares em 2021. As linhas de crédito para a sustentabilidade também têm cada vez maior volume;

 

. Vendas – Dado que o comportamento do consumidor está a mudar, as empresas já conseguem financiar a transição para a sustentabilidade através da venda dos seus produtos. Por exemplo, os ténis da Adidas feitos de plástico recolhido no mar venderam 1 milhão de pares, em 2017, 11 milhões, em 2019, e 15 milhões, em 2020.

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