A propósito das comemorações do Dia Mundial do Ambiente, é importante reflectir e perceber o que pode ser alterado em matéria ambiental em Portugal e que papel pode ter o Estado, e cada um de nós, nessa mudança, afirma João Branco, presidente da direcção nacional da associação ambientalista Quercus.
De acordo com o Relatório do Estado do Ambiente (REA) de 2016, verifica-se que ainda existe muito trabalho a ser realizado na área do ambiente a nível nacional, de modo a ser possível melhorar a situação global, e que os próximos anos serão fundamentais para a tomada de decisões que possam ajudar a debelar as deficiências detectadas.
No que diz respeito à energia e ao clima, as importaçõesde energia em 2015 aumentaram quase 20% face a 2014, enquanto a produção doméstica de energia diminuiu cerca de 10%, traduzindo-se estes dados na prática em mais dependência externa, mais custos financeiros, assim como impactos ambientais, decorrentes do transporte da energia. Os valores médios anuais da temperatura do ar em 2015 foram superiores aos valores médios entre 1971-2000 e o valor médio anual da quantidade de precipitação foi muito inferior ao da quantidade de precipitação entre 1971-2000, o que demonstra as tendências que já se estão a verificar no nosso país, fruto das alterações climáticas (temperaturas mais altas, menor precipitação, menor humidade, entre outras).
Ao nível da qualidade do ar, existiu em 2015, um aumento dos dias com a classificação de "Fraco" e "Mau", passando estes dias de 2,2%, em 2014, para 2,7% em 2015. Apesar de o aumento ser ligeiro, contraria aquilo que deveria ser a melhoria a existir neste campo, não esquecendo que com muita probabilidade este aumento de dias com má qualidade se refere a locais com grandes concentrações populacionais, pelo que qualquer aumento (mesmo que pequeno) tem repercussões graves no ambiente e na saúde pública.
Em relação à água, o REA confirma que o estado das massas de água superficiais nacionais é medíocre. Com efeito, apenas 53% destas massas de água tem qualidade boa ou superior, o que significa que 47% não apresentam uma qualidade boa, podendo aqui intervir vários factores para esta situação, tais como o deficiente tratamento de efluentes domésticos e industriais que ainda existe em algumas regiões do país, as actividades agrícolas intensivas, o desordenamento florestal e os cortes ilegais de vegetação junto às linhas de água.
Pouco investimento na conservação da natureza
Quando falamos de biodiversidade, o estado de conservação de espécies e habitats naturais protegidos é preocupante, pois segundo o REA, os estados de conservação "desfavoráveis" prevalecem sobre os "favoráveis". Depois do falhanço de metas como o Countdown 2010 e do constante adiamento de marcos como a elaboração dos Planos de Gestão dos Sítios de Importância Comunitária (Rede Natura 2000), a pouca vontade política nesta área tem levado a uma falta de investimento na conservação da natureza e das áreas protegidas, de uma forma geral.
Ao nível dos resíduos urbanos em Portugal, o REA identifica que 34% destes foram depositados em aterro e 21% valorizados energeticamente, ou seja, cerca de 55% dos resíduos urbanos em Portugal não são devidamente valorizados, acabando em aterro ou incinerados, situação que leva a que Portugal vá ter muitas dificuldades em cumprir com as Metas de Reciclagem a que está obrigado. Por outro lado, reflecte erros políticos em termos de investimentos na área dos resíduos e nos incentivos aos sistemas de tratamento.
Relativamente à erosão costeira, o REA indica que a extensão da costa portuguesa em situação crítica de erosão é de 180 km, um valor que a Quercus considera muito elevado e que se deve sobretudo às más políticas de ordenamento do território implementadas junto às zonas costeiras, que, associadas às consequências das alterações climáticas que já se fazem sentir, poderão ter efeitos devastadores na nossa costa. Segundo o REA, os incêndios florestais foram responsáveis em 2015 por cerca de 64.000 hectares de área ardida, um valor muito elevado e com sérias consequências ambientais para o território nacional, tais como a perda de biodiversidade, a pioria da qualidade do ar, a erosão dos solos, a degradação da qualidade da água, assim como enormes prejuízos económicos e sociais.
Pontos positivos
Apesar de todos estes dados serem preocupantes e merecerem principal relevo, foram destacados também pontos positivos, como, o excelente nível de qualidade da água para consumo humano (99% de água segura); a excelente qualidade das águas balneares, com níveis muito próximos de 100%; o aumento em 2015, de cerca de 38% de visitantes nas áreas protegidas; o aumento, entre 2010 e 2015, da área agrícola em Modo de Produção Biológico em cerca de 40% e ainda o fluxo de resíduos de embalagens com taxas de reciclagem de 60%, superior ao valor estabelecido (55%).
Certamente, sem deixar de destacar positivamente estes últimos pontos, que revelam a melhoria do país a nível ambiental, fruto das políticas desenvolvidas mas também do maior grau de consciencialização da sociedade portuguesa para as temáticas ambientais, importa pois agora, celebrando este dia emblemático, criar mais e melhores medidas que, com os consensos possíveis, possam fazer com que Portugal daqui a um ano esteja bem melhor do que actualmente.