Os marinheiros sabem bem que, quando uma violenta tempestade se aproxima sem possibilidade de ser contornada, a solução passa por corajosamente posicionar a proa do navio contra as grandes ondas e contra o vento, aguentando estoicamente os sucessivos embates de frente. A capacidade de resistência da proa e da estrutura do navio e a coragem e a calma do comandante na manutenção da posição da proa chegada ao vento e ao mar são fatores vitais para superar a adversidade.
Em Portugal, há várias décadas que os líderes das indústrias do mar têm aplicado, de forma bem-sucedida, esta ancestral técnica de navegação. Só isso é que pode explicar que, ao contrário do que seria de esperar, na última década, caracterizada pela instabilidade financeira, a economia do mar tenha superado a crise e se tenha afirmado como um relevante ativo gerador de valor acrescentado para a economia nacional, com um contributo anual de cerca de 4 mil milhões de euros (de acordo com os relatórios da União Europeia).
O projeto LEME – Barómetro PwC da Economia do Mar que, em janeiro deste ano, apresentou a sua 10.ª edição, reportou elevadas taxas de crescimento médio anual, no período de 2012 a 2017: carga contentorizada 10,6%; movimento de mercadorias, 6,9%; hóspedes nos destinos de praia e de mar Algarve, Madeira e Açores 7,2%; cruzeiristas no rio Douro 22,9%; e valor das exportações da fileira alimentar do mar 5,3%. No entanto, o mesmo relatório alertou para o facto de que o atraso nos investimentos no setor portuário, a instabilidade social nos portos, a volatilidade internacional, e as demoras no alinhamento de estratégias multissetoriais – de que é exemplo a ausência de reuniões da Comissão Interministerial dos Assuntos do Mar – são reiterados alertas efetuados pelos líderes das indústrias do mar que explicam a desaceleração da economia azul no período 2018 a 2019.
A comparação da evolução verificada no ano de 2018 com a evolução anual média do período 2012-2017 é esclarecedora: o movimento de mercadorias decresceu 3 milhões de toneladas, quando vinha a crescer em média mais 5 milhões por ano e o número de hóspedes nos destinos de praia e de mar Algarve, Madeira e Açores baixaram 56 mil hóspedes, quando estavam a crescer 300 mil hóspedes por ano. A fileira alimentar do mar foi uma das poucas indústrias do mar que conseguiram manter positivo o seu crescimento das exportações.
Aparentemente, nos últimos dois anos, a proa e a estrutura do navio economia azul começam a dar perigosos sinais de desgaste. Infelizmente, como toda a economia nacional e internacional, a economia do mar portuguesa enfrenta agora uma tempestade adicional, a tempestade provocada pela pandemia, que traz uma característica diferente de todas as outras tempestades económico-financeiras, que é a invisibilidade das ondas, tornando difícil posicionar a proa do navio.
Sem aviso prévio, a pandemia criou múltiplas disrupções. A hotelaria, a restauração, os cruzeiros e os desportos náuticos foram interditos durante semanas. A ausência da restauração nas compras em lota fez descer dramaticamente o valor da primeira venda de pescado. O frágil equilíbrio financeiro das empresas foi desafiado. O encerrar de fronteiras fez decrescer o comércio internacional reduzindo a necessidade de transporte marítimo.
Apesar de ainda estarmos no início desta crise pandémica, tornando difícil prever o seu desfecho, alguns pontos de reflexão começam a ganhar forma. Nomeadamente, a necessidade do indispensável reforço do investimento em setores críticos do mar, o apoio a soluções de financiamento que garantam liquidez no curto prazo, a redução da burocracia e a adoção de medidas fiscais favoráveis ao investimento e à manutenção dos postos de trabalho.
A invisibilidade e a imprevisibilidade da atuação do vírus tornam ainda mais difícil a navegação nesta tempestade, fazendo com que seja vital reforçar o espírito de cooperação e de solidariedade entre todas as entidades do mar, por forma a ser possível mitigar os impactos negativos associados à atual crise sanitária.