Os setores e respetivos ativos estão identificados. As oportunidades de interesse comum e as propostas que lhes podem acrescentar valor são conhecidas. A vontade de articulação entre stakeholders foi manifestada. Falta a governação: eis o que dista a região europeia AAA de abraçar a economia azul em conjunto e em definitivo. Esta foi a mensagem forte que ecoou no auditório do Museu de Portimão, a 18 de abril, no final da III Jornada de Trabalho do projeto Atlazul – Impulso da Aliança Litoral Atlântica para o Crescimento Azul, com apoio de fundos europeus e gestão no quadro do Programa de Cooperação INTERREG – Espanha e Portugal.
"Ao longo deste dia cobrimos quase todas as áreas da economia do mar em que podemos cooperar. Tal acontecerá através do Atlazul, ou noutras iniciativas, mas há muito trabalho a aprofundar nesta linha de especialização inteligente e de cooperação", declarou José Apolinário, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, no painel de encerramento.
Também presente na sessão de despedida enquanto coordenadora geral do projeto, Rocío Reinoso Cuevas advertiu que "a aliança AAA precisa de um impulso por parte da Comissão Europeia de forma a materializar o trabalho de base". Além de um testemunho do vice-presidente da autarquia de Portimão, Álvaro Bila, a Jornada encerrou com palavras da secretária de Estado das Pescas, Teresa Coelho, que abordou o Atlazul como o trigger para o desenvolvimento desta Eurorregião. "Este projeto pode conferir às empresas e às comunidades as ferramentas necessárias para se tornarem mais competitivas e inovadoras."
Aquacultura: segurança alimentar e impacto reduzido
A Jornada começou a 17 de abril, com uma visita ao estaleiro de construção e reparação naval da Sopromar, em Lagos. Mas o ponto alto aconteceu no dia seguinte, em Portimão, com o balanço desta iniciativa e a projeção do seu futuro. Presente na sessão de abertura, António Ceia da Silva, presidente da CCDR Alentejo e líder do Conselho da Eurorregião AAA, partilhou a expectativa da "criação de uma aliança em que os objetivos sejam alcançados em prol de todos os parceiros".
Orador na mesa de boas-vindas e no segundo painel (cooperação marítima portuária), o presidente do Cluster Marítimo Marinho da Andaluzia, Javier Noriega, destacou a capacidade de os clusters "articularem empresas, portos e autoridades locais, estabelecendo normas objetivas e iguais para todos, o que permitirá gerar alianças e projetos inovadores".
Sem esquecer a descarbonização dos portos, o aproveitamento da centralidade marítima do Algarve foi o foco do painel. Neste ponto, Fernando Perna, docente na Universidade do Algarve (UAlg) e ex-diretor nacional do CiTUR, alertou: "Algarve, Alentejo e Andaluzia devem trabalhar juntos para que o turismo esteja ligado aos outros setores de atividade."
A pesca sustentável ocupou a sessão seguinte. Um dos projetos apresentados foi o do ParticiPESCA – sistema de cogestão da captura do polvo no Algarve cuja implementação está iminente. Mafalda Rangel, investigadora do CCMAR, antecipou "uma mudança de paradigma na gestão das pescas em Portugal". A última mesa da manhã juntou players associados à inovação e ciência no âmbito azul. Uma das intervenções foi da representante da AGAPA, Susana Naranjo, que partilhou a mais-valia associada às contas-satélite, neste caso a do setor pesqueiro andaluz, na valoração dos serviços dos ecossistemas e dos produtos.
Diversas indústrias têm investido cada vez mais no potencial biotecnológico das algas: foi esse o mote para a primeira sessão da tarde, na qual participou Daniel Silva, porta-voz da Necton e da GreenCoLab, laboratório colaborativo dedicado à investigação de macro e microalgas e que reúne parceiros e empresas, entre elas a Necton. Um trabalho de valorização da biomassa de algas invasoras e os aspetos biotecnológicos do cultivo de macroalgas também estiveram sob os holofotes.
Ativo passível de ser valorizado em cooperação e que foi abordado em sessão própria, a aquacultura representava um peso no consumo total de pescado em Portugal de apenas 2% em 2020. Uma das preletoras nesta mesa, em representação do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e da S2AQUAcoLAB, Florbela Soares ressalvou o facto de a aquacultura dar resposta ao aumento da procura por proteína resultante do "aumento da população mundial" e da "crise emergente no setor da alimentação", sendo "garantia de segurança alimentar, com impacto ambiental reduzido".
O programa vespertino prosseguiu com um retrato ao setor dos estaleiros de construção e reparação naval. Rui Roque (Nautiber) indicou a falta de mão de obra e os problemas na formação como os principais desafios do setor, e aproveitou para lançar o desafio da "criação de plataformas de utilização conjunta" entre Algarve e Andaluzia. Esta sessão terminou com a intervenção de João Bastos, diretor-geral da SunConcept, que passou em revista o conceito e a atividade desta empresa que desenvolve e produz embarcações sustentáveis, com propulsão eletrossolar.
Vontade e substância
A III Jornada de Trabalho teve continuidade com a sessão "Estratégia Regional de Crescimento Azul/Estratégia de Cooperação para o Crescimento Azul na Eurorregião AAA". Porta-voz do projeto Atlazul, Eva Herrera esmiuçou a estruturação deste projeto, bem como o objetivo, alcance e metodologias aplicadas, e comunicou os avanços conseguidos, antecipando os resultados esperados – a elaboração de "um documento de caráter estratégico, que estabeleça as bases para gerar um crescimento ancorado no aproveitamento sustentável dos recursos marinho-costeiros".
Foi uma jornada técnica, com várias propostas a serem sugeridas no sentido de alimentarem o plano de ação do Atlazul; outras já foram submetidas ou estão sistematizadas. Numa súmula dos trabalhos, Rui Azevedo, consultor estratégico do Fórum Oceano, entidade que gere o cluster do mar português e tem dado apoio técnico à CCDR Algarve e à CCDR Alentejo neste projeto, falou de "uma sessão de trabalho rica, que permitiu avançar com este processo".
Para Rui Azevedo, duas grandes bandeiras destacaram-se: "A vontade política de cooperação destas regiões em torno do mar, valorizando a sua posição geoestratégica através de um sistema de governação operativo; e um conjunto de ideias para alimentar essa vontade de cooperação que devem ser orientadas para projetos e ações entre empresas, instituições de investigação e desenvolvimento tecnológico e instituições da administração central e local". E rematou, na antecâmara da reunião de 7 de junho, em Sevilha, que será o último momento do Atlazul. "Tudo o que foi dito e feito é mais do que suficiente para se poder avançar com um Atlazul 2."