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Desenvolvimento da agricultura de conservação está em risco

A agricultura de conservação promove a sustentabilidade sem reduzir a produção agrícola, defende painel de especialistas. Politica agrícola europeia ameaça desenvolvimento da agricultura regenerativa e reduz a soberania alimentar.

20 de Julho de 2023 às 12:54
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A agricultura de conservação como opção sustentável para o desenvolvimento da agricultura em contexto europeu foi o tema do painel que juntou Abílio Pereira, técnico agrícola na Quinta de Lagoalva de Cima; Gabriela Cruz, Presidente da APOSOLO - Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo; e Reinaldo Pereira, Campaign Activation em Portugal e Noroeste de Espanha na Bayer. Em debate esteve não só o futuro da agricultura de conservação, como o impacto no seu desenvolvimento de algumas políticas europeias que preveem a redução do uso de produtos fitofarmacêuticos.
A agricultura regenerativa é um tipo de agricultura que pretende regenerar o solo, o ar, a água e a biodiversidade, de forma que os recursos que são utilizados pelo agricultor não sejam degradados, mas mantidos ou mesmo melhorados. A agricultura de conservação é considerada como uma forma de agricultura regenerativa. Segundo Gabriela Cruz, presidente da APOSOLO, "a agricultura de conservação assenta sobre os pilares da regeneração do solo e melhoria da sua fertilidade, e da proteção da água pela sua utilização eficiente e pela melhoria da sua qualidade. Como exige menos mobilização do solo, emite menos gases com efeito de estufa, e é uma agricultura que contribui para o sequestro do carbono. E que pode manter, e até melhorar, a biodiversidade das regiões, ao regenerar e proteger ecossistemas existentes", explica a responsável.

A agricultura de conservação utiliza tecnologia que permite preservar os recursos que temos, potenciando-os em termos alimentares REINALDO PEREIRA, Campaign Activation em Portugal e Noroeste de Espanha na Bayer

A conservação impõe-se
Este tipo de agricultura tem vindo a impor-se gradualmente, como recordou Abílio Pereira, técnico agrícola na Quinta da Lagoalva de Cima, uma propriedade na zona de Alpiarça que tem uma grande variedade de culturas, produz vinho, cereais, azeite, tem pastorícia, e floresta. Conforme explicou, "a evolução clara da agricultura tem sido no sentido de reduzir os inputs e melhorar a rentabilidade das culturas. Cada vez mobilizamos menos o solo, e deixamos os resíduos das culturas à superfície das terras, combatendo a erosão e ajudando a infiltração da água". Na sua perspetiva, "nos últimos 30 anos a agricultura de conservação tornou-se uma estratégia fundamental para melhorar a qualidade do solo, reduzir a utilização de adubos e outros químicos, e permitir o aumento da produção e da rentabilidade da mesma para o agricultor".
Para Reinaldo Pereira, Campaign Activation em Portugal e Noroeste de Espanha na Bayer, os atuais desafios demográficos e as condicionantes ambientais significam que os agricultores terão de continuar a produzir mais, com menos superfície e menos água, ou seja, terão de ser mais eficientes e, em consequência, continuar a usar tecnologia. Na perspetiva deste responsável, "a agricultura de conservação é exatamente uma agricultura que utiliza tecnologia que permite preservar os recursos que temos, potenciando- os em termos alimentares. Vamos continuar a precisar de mais alimentos, e de alimentos seguros e a preços acessíveis". Acresce que, para este gestor, "com as alterações climáticas, o agricultor vive sob maior pressão de pragas e doenças que não conhece e que tem dificuldade em combater, o que aconselha uma aposta clara em inovação e na digitalização da agricultura".

A agricultura de conservação é, neste momento, a resposta mais fiável para evitar uma redução continuada da soberania alimentar da Europa, com sustentabilidade GABRIELA CRUZ, presidente da APOSOLO - Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo

Conservar sem reduzir a produção
Na visão de Gabriela Cruz, "a agricultura de conservação tem uma vantagem enorme que, por exemplo, a agricultura biológica não tem: não há redução de produção, enquanto na agricultura biológica isso normalmente acontece. E, com determinadas ferramentas, pode mesmo haver um aumento de produção, enquanto se protegem e se melhoram os recursos naturais". Para a responsável da APOSOLO, "a agricultura de conservação é, neste momento, a resposta mais fiável para evitar uma redução continuada da soberania alimentar da Europa, com sustentabilidade". Uma resposta que, na sua opinião, "está a ser prejudicada pelos objetivos da estratégia "do prado ao prato" em que a Europa quer reduzir para metade a utilização de produtos fitofarmacêuticos, como pesticidas e fertilizantes, até 2030".
Neste contexto, e segundo esta responsável, "Portugal foi um dos países que mais reduziu a utilização de fitofármacos na Europa nos últimos anos mas há um limite para até onde se pode ir nessa redução. A agricultura de conservação necessita de produtos como os herbicidas, para gerir infestantes, porque não pode haver mobilização do solo". Em simultâneo, refere a dirigente, "a Europa limitou a utilização de espécies transgénicas que permitem uma utilização mais eficiente dos fertilizantes". Desta forma, "encaminhamo-nos para uma situação em que vamos limitar ainda mais a nossa capacidade de produção agrícola, colocando a soberania alimentar da Europa ainda mais em risco", diagnostica Gabriela Cruz.


Redução da soberania alimentar
A continuar neste caminho, a agricultura de conservação, que se tem afirmado como uma resposta sustentável que não implica redução de produção, "vai continuar a ser prejudicada por uma Politica Agrícola Comum [PAC] que está completamente refém do lobby ambientalista" afirma a dirigente associativa. Uma das consequências das políticas para o setor é que a Europa tem vindo a reduzir a sua produção agrícola e a passar de exportador para importador de produtos agrícolas. Em Portugal, dadas as suas limitações em termos de solos e de clima para a agricultura, a dependência do exterior será ainda mais aguda. "Para já Portugal está protegido pela solidariedade europeia, mas quem sabe o que o futuro nos reserva?", considera Gabriela Cruz. 
Neste contexto, o que é interessante, notaram os especialistas presentes neste painel, é que Portugal tem feito um caminho na utilização de fitofármacos, através do aumento da formação dos agricultores, que são cada vez mais cuidadosos e eficientes na sua utilização. As análises regulares promovidas pelo Ministério da Agricultura aos produtos agrícolas presentes nas prateleiras dos supermercados mostram resíduos de fitofármacos muito inferiores ao permitido. As exceções são produtos originários de fora da União Europeia.
O que também é extraordinário neste contexto, segundo Reinaldo Pereira, é que os fitofármacos como os herbicidas, fungicidas e inseticidas, são produtos seguros, escrutinados, validados e monitorizados por entidades independentes. "Ainda hoje foram tornados públicos os resultados de um estudo da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) sobre o glifosato, que não identificou neste herbicida áreas criticas que suscitem preocupação sobre os seus impactos na saúde de pessoas, animais e ambiente". Na opinião do responsável da Bayer, "sobre este tema circulam muitos conteúdos sem base cientifica, que suscitam paixões, e que influenciam decisões com impacto na sustentabilidade da atividade agrícola. E quando me refiro à sustentabilidade estou a incluir a sustentabilidade económica, que é fundamental, como é evidente, para qualquer agricultor".

Agricultores precisam de soluções
ara os intervenientes no painel, a atividade agrícola necessita sobretudo de mais e melhores soluções face à crescente pressão regulamentar. "As empresas estão a investir em soluções digitais e biológicas que ajudem a fazer mais e melhor produção agrícola. Há dez anos tínhamos mil substâncias ativas. Neste momento temos 255, das quais 65 são substâncias biológicas. Estamos a fazer um caminho. Mas o agricultor precisa de fazer uma gestão integrada de pragas, infestantes e doenças, e tem dificuldade em adotar boas práticas agrícolas se lhe estamos a retirar soluções", explica o responsável da Bayer.
Segundo Abílio Pereira, "na Quinta de Lagoalva de Cima temos reduzido muito a utilização de fitofarmacêuticos porque são caros. E creio que os produtos biológicos irão substituir muitos destes produtos químicos. No entanto, vemos com apreensão estas mudanças súbitas e as limitações por decreto que pressionam muito a atividade agrícola. A Europa não pode ser um jardim que se alimenta do que outros produzem, com regras que não são as nossas". Neste contexto, o painel discutiu alguns estudos que têm vindo a público e que projetam um impacto negativo substancial na produção agrícola em consequência da redução da utilização de produtos fitofarmacêuticos. A agricultura de conservação será particularmente afetada, com números substanciais de agricultores a abandonar estas práticas, que têm maior sustentabilidade. Neste cenário, os custos de produção também irão subir. A consequência serão alimentos mais caros, com especial prejuízo para os alimentos gerados em circuitos curtos de produção e comercialização.

Dificultar a agricultura de conservação incentiva à mobilização dos solos e à utilização de tecnologias retrógradas prejudicando a evolução e sustentabilidade da nossa agricultura. GABRIELA CRUZ, presidente da APOSOLO - Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo
Alimentos mais caros
Acresce que, segundo estudos feitos na bacia mediterrânica, a transição da agricultura tradicional para a agricultura de conservação é, apesar das vantagens enunciadas, percebida pelos agricultores como onerosa e arriscada. "Existe pouco conhecimento e não existem incentivos que promovam esta mudança no sentido de uma maior sustentabilidade. E esta é uma indústria a céu aberto, com riscos muito próprios e com uma classe envelhecida e avessa a mais riscos", lembra a presidente da APOSOLO. Neste contexto, e para Gabriela Cruz, as consequências da implementação destas políticas comunitárias, contrárias ao desenvolvimento da agricultura de conservação, serão ainda mais gravosas em Portugal. "As características dos solos e do clima fazem da erosão dos solos um problema grave no nosso país. Dificultar a agricultura de conservação, incentiva à mobilização dos solos e à utilização de tecnologias retrógradas prejudicando a evolução e sustentabilidade da nossa agricultura".

A evolução clara da agricultura tem sido no sentido de reduzir os inputs e melhorar a rentabilidade das culturas. ABÍLIO PEREIRA, técnico agrícola na Quinta da Lagoalva de Cima
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