A agricultura sustentável tem futuro e permite suprir as necessidades alimentares de um mundo superpopuloso?
Sim, a agricultura sustentável tem futuro e é uma das nossas prioridades. A sustentabilidade agrícola pode ser medida de várias maneiras, não só do ponto de vista ambiental. Uma das componentes que é também essencial assegurar é a viabilidade económica. A outra é a componente social. A guerra veio demonstrar o quão importante é assegurar a soberania alimentar das nações, bem como a vida do mundo rural e dos territórios de cada país, sendo que aqui as práticas de agricultura de conservação terão um papel fundamental. Para nós, o essencial é encontrar um equilíbrio que conjugue todas estas preocupações. Não podemos querer alterar apenas uma. Temos de proteger o ambiente ao mesmo tempo que produzimos alimentos para todo o mundo, garantindo que o agricultor lucra com a sua atividade. A sustentabilidade agrícola deve conjugar todas estas dimensões, incluindo a aceitação social.
A agricultura de conservação tem dado provas da sua extrema importância para a produção eficiente de alimentos a uma escala global, sendo uma ferramenta preponderante na gestão dos solos, cada vez mais degradados. Esta prática agrícola é um instrumento decisivo para o futuro da agricultura, tendo em conta que potencia uma melhor gestão dos solos, dos recursos hídricos e da biodiversidade, especialmente através do seu contributo direto para a redução das emissões de gases de efeito estufa e, ainda, para o sequestro de carbono. De forma simples, a agricultura de conservação, que é também ela uma agricultura regenerativa, implica uma perturbação mínima dos solos, com uma utilização reduzida de alfaias agrícolas pesadas, o que lhe permite manter matéria orgânica que permite conservar e até melhorar a fertilidade do solo. Desta forma, a produtividade da água de rega e dos fatores de produção será superior. Deixe-me dizer-lhe que atualmente, e num momento em que se discutem a nível europeu iniciativas como aquela que promove a redução de produtos fitofarmacêuticos, é importante lembrar que a agricultura de conservação recorre ao uso de herbicidas para o controlo de infestantes, como alternativa ao controlo mecânico. Em resultado, existe uma menor movimentação dos solos e, dessa forma, não só se obtém uma maior fertilidade dos mesmos como um maior sequestro de carbono. Alternativas mecânicas, além de prejudicarem a fertilidade dos solos, libertam mais gases para a atmosfera e contribuem para a respetiva degradação dos solos.
Como é que a tecnologia e a Inteligência Artificial podem impulsionar a agricultura sustentável do futuro?
Estamos numa fase muito inicial da Inteligência Artificial, sobretudo no que tem a ver com a sua aplicação ao setor agrícola. Mas vemos com entusiasmo a forma como esta e outras tecnologias, como a agricultura de precisão, poderão potenciar a agricultura, a sua sustentabilidade ambiental, económica e social, e os benefícios que poderão advir para que todos os envolvidos possam ter uma melhor agricultura, no geral. Há já várias tecnologias que contribuem diretamente para uma melhor agricultura, nomeadamente através de processos de análise de dados, que permitem, por exemplo, explorar de forma aprofundada as condições do solo, a temperatura e outros fatores ambientais que têm uma grande influência em todos os processos agrícolas. Estes fatores são mapeados ao nível da parcela, tal como o histórico de produção e a monitorização das culturas, permitindo o uso eficiente dos recursos naturais/ fatores de produção, tratando quando possível ao nível da planta/ árvore/solo. Hoje em dia, já se aplicam produtos fitofarmacêuticos e pesticidas com extrema precisão e apenas onde necessário, na medida certa para potenciar a produção e ao mesmo tempo respeitar o meio ambiente. Outro bom exemplo da aplicação tecnológica na agricultura, utilizado em agricultura de precisão, são os "drones", assim a sua utilização venha a ser permitida em Portugal, bem como o recurso a imagens de satélite para uma melhor e mais sustentável gestão das culturas.
A falta de água pode condicionar o futuro da agricultura a nível global. Que estratégia deve ser adotada para contornar este problema?
Sim, a escassez de água é uma ameaça permanente ao futuro da agricultura. Em Portugal, infelizmente, temos assistido a fenómenos sucessivos de seca severa, que comprometem inúmeras produções e culturas agrícolas, e que, segundo os especialistas, vieram para ficar – de momento, cerca de metade do território nacional encontra- se em situação de seca severa e extrema –, pelo que é urgente mobilizar os devidos apoios aos agricultores, os mais prejudicados nesta equação, para que o consumidor final, que já ‘sofre na pele’ com a inflação, não continue a ser prejudicado com a escassez e o aumento do preço dos produtos alimentares. A área de regadio em Portugal corresponde a cerca de 15% da superfície agrícola utilizada (SAU) em Portugal, o que significa que cerca de 85% da SAU nacional não é beneficiada com qualquer forma de regadio. O Governo deve garantir uma resposta estrutural aos problemas que surgem com a seca, a irregularidade estrutural da precipitação e a necessidade de regar as culturas e que tem pressionado, e muito, os agricultores portugueses, porque a água é um elemento essencial a todas as explorações agrícolas, e sem ela, ou com falta dela, vamos depararmo-nos com uma deterioração da qualidade e quantidade das produções e, até, com um iminente abandono profissional por parte dos próprios agricultores. Sem água não temos uma agricultura com sustentabilidade económica.
Que soluções existem para a falta de água?
Existem soluções para enfrentar este problema, como o investimento em barragens – Portugal aproveita menos de 20% dos recursos hídricos (água da chuva, aquíferos, rios e outros) – e em outras estruturas inovadoras que permitem um melhor e maior armazenamento da água, assim como o investimento em tecnologias de dessalinização. Portugal tem cerca de 900 km de costa marítima, o que torna este investimento numa solução que deve ser estudada e que maior prioridade deveria ser dado ao armazenamento de água sobretudo no interior longe do mar. Uma vez mais, a agricultura de conservação poderá desempenhar um papel relevante nesta matéria, pelo facto de potenciar a conservação dos solos e da sua água, tornando- a disponível para as culturas.
As alterações climáticas vão transformar os solos ao ponto de haver extinção de culturas?
É imprevisível dizer, com precisão, o que vai acontecer ao nosso planeta com o aquecimento global. Mas sabemos que, se já estamos a experimentar seca severa, ela tenderá a aumentar no futuro. Dessa forma, é mais ou menos evidente que os solos ficarão comprometidos se não conseguirmos travar fenómenos como a desertificação. Cada vez mais vamos sendo confrontados com fenómenos climáticos extremos que, não raras vezes, significam a destruição de colheitas, com o consequente impacto económico e social que isso acarreta. Também não podemos ignorar o impacto que esses fenómenos têm na qualidade dos solos. Todas estas possibilidades deveriam fazer-nos pensar se estamos a fazer o suficiente para combater a seca e para proteger o nosso planeta e os que nele habitam. É já evidente que é urgente a adoção de práticas de mitigação e de adaptação às alterações climáticas.
Os animais e plantas geneticamente modificados representam a salvação ou a maldição do planeta?
Sobre esse tema sabemos que existem posições muito díspares e apaixonadas. Os defensores desta prática concentram-se nas suas vantagens: os OGM permitem alimentos cada vez mais resistentes a pragas e doenças, o que por sua vez contribui para melhores e maiores produções agrícolas e com menor uso de fitofármacos e fertilizantes. Os seus detratores receiam que se possa, desta forma, estar a criar produtos artificiais, afetar espécies animais e perder biodiversidade. No entanto, o melhoramento genético limita- se a imitar o que acontece na natureza: fenómenos de transgénese acontecem no mundo natural também. Conforme temos defendido, é necessário que exista um equilíbrio que potencie as vantagens desta prática e que reduza os receios que lhe estão associados. É inegável que, no momento que vivemos atualmente, estes organismos são necessários.
O FUTURO DA AGRICULTURA NO CONTEXTO EUROPEU
06 DE JULHO | 10H00 ÀS 12H30
PROGRAMA
10h00 | Abertura
Gabriela Cruz, Presidente, APOSOLO
10h15 | Keynote speaker
Joaquim Barreto, Deputado e Engenheiro de Recursos Florestais
10h30 | Painel de Debate | Como é que a tecnologia pode ajudar Portugal a ser mais produtivo?
João Coimbra, Diretor, ANPROMIS
Francisco Palma, Presidente, Associação dos Agricultores do Baixo Alentejo
Moderador: Marta Rangel
11h15 | Coffee-break
11h30 | Painel de Debate | Agricultura regenerativa mais sustentável: o exemplo da agricultura de conservação
Abílio Pereira, Técnico agrícola, Quinta de Lagoalva de Cima
Gabriela Cruz, Presidente, APOSOLO
Reinaldo Pereira, Campaign Activation em Portugal e Noroeste de Espanha
Moderador: Marta Rangel
12h15 | Intervenção de encerramento
Susana Pombo, Directora Geral, DGAV*
*a confirmar