Se a crise bancária nacional tem feito correr muita tinta nos escaparates internacionais e nacionais, a gestão empossada nos últimos anos deve assumir a sua quota de culpa. Esta conclusão, saída da II Conferência do Ciclo de Conferências da Caixa Geral e Depósitos "A Economia Portuguesa em Debate" e que teve como tema "A Crise Financeira e a Economia Portuguesa: Aprendemos as lições?", é apenas uma das questões que reuniram o consenso dos vários oradores que integraram os dois painéis de debate.
Paulo Moita de Macedo, presidente executivo da Caixa Geral de Depósitos, deu início aos trabalhos com um prévio enquadramento das perspetivas em debate ao longo da tarde e que tentaram identificar razões para a crise financeira e bancária. O grande destaque a registar são os temas ligados ao "governance" e às perspectivas de rentabilidade que se mantém pouco animadoras. Pelo contrário, num contexto de taxas de juro anémicas a atribuição de crédito acaba por ser impactada.
Uma linha ténue entre os poderes e o "governance"
O tema A Dívida e a Crise Bancária em Portugal, assim como o livro A Crise Bancária em Portugal, reuniu na mesma mesa o seu co-autor Tiago Cardão-Pito, assim como Paulo Soares de Pinho, professor universitário, e Nuno Luz de Almeida, gestor bancário na CGD que moderou o painel.
Entre um sistema económico e político fundamentalmente dependente de bancos, o euro, a monitorização do BCE e a ausência de investimento produtivo, Tiago Cardão-Pito garantiu que há ciclos perigosos e "não há nenhum país que seja à prova de uma crise bancária". Apontando que as relações entre o poder político e o sistema bancário, e a supervisão, foram e continuam a ser um problema crítico, tanto em Portugal como em outros países, ressalvando, no entanto, que o desenvolvimento das crises nos vários países é diferente. "Não há um modelo de crise aplicado a múltiplos países", assumiu o economista.
Paulo Soares de Pinho por sua vez, defendeu que o euro não é "assim tão culpado da crise" e concorda que a crise em Portugal não é indissociável do que se passou no resto do mundo. Para este especialista, o maior distanciamento da supervisão (Banco Central Europeu) em relação aos supervisionados pode ser uma vantagem. "Espero que haja menos captura regulatória" e mais competência técnica. Recomendando mais atenção ao que se passa à margem dos balanços, Soares de Pinho identificou a ameaça do "shadow banking", ou seja, das novas formas criativas de retirar o crédito do balanço, desviando os riscos para fora do radar dos que monitorizam comportamental ou prudencialmente o sector.
Embora afirme o seu "relativo optimismo" quanto ao futuro, o especialista constata que actualmente está a viver-se um período muito parecido com a pré-crise financeira de 2008, em que as taxas de juro baixas, as valorizações bolsistas e a bolha das fintech e das bitcoins poderão conduzir o mercado para um novo ciclo crítico, mostrando que nem todas as lições foram bem aprendidas.
A insustentável certeza das previsões
A situação poderia ter colapsado em 2016-2017, como previu João César das Neves, no seu livro As 10 Questões do Colapso – Portugal: a provável derrocada financeira de 2016-2017, mas em vez disso, a economia aguenta-se com alguns indicadores de recuperação. É que "2016 começou negro e acabou melhor", reconheceu César das Neves, fazendo "mea culpa" na falha das previsões que apontou na sua obra.
O autor do livro, acompanhado pelo moderador Carlos Tavares, ex-presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e actual assessor da administração da CGD, e pelo comentário de Francisco Louçã, abriu o segundo momento do encontro.
César das Neves começou por questionar o fim dos riscos de colapso que anunciava no seu livro e que, apontou, terá sido minimizado por condicionantes europeias, de regulação e políticas. A justificação para o momento de "sucesso", não evita contudo que o colapso possa estar iminente.
"A recuperação é boa quando comparada com a desgraça anterior, mas deixa a desejar se o que queríamos era um surto de crescimento", destacou o economista. A baixa geração líquida de capital fixo, a baixa taxa de investimento, a baixa produtividade, a falta de competitividade da economia, a falta de solidez bancária e a degradação demográfica são apenas alguns dos problemas que estão na génese de finanças frágeis e sem liquidez. Todas traçam meio caminho andado para o risco de colapso, que continua presente. "Qualquer perturbação internacional o poderá gerar", concluiu César das Neves.
Em resposta ao autor, Francisco Louçã, economista e ex-líder do Bloco de Esquerda, relativizou o conceito de previsões de crise, já que elas poderão sempre acontecer.
Contudo, concorda, "temos vulnerabilidades muito grandes nesta economia", e defendeu que César das Neves falhou porque desvalorizou a procura e o seu impacto nos níveis de confiança da economia. Isto, além de ter ignorado a influência dos contextos internacionais.
Discordâncias à parte, Louçã diz ter consciência de que o risco de uma nova crise bancária está presente não só devido ao euro - que não se sabe se conseguirá resistir a uma nova recessão - mas à não correspondência entre a liquidez dos bancos e a sua real capacidade para injectar crédito num mercado em que as condições de competitividade da economia se degradaram.
O economista apontou para a necessidade de se adoptar um modelo de desenvolvimento económico diferente onde, mais do que o imobiliário e o turismo, se permita alavancar o investimento e o emprego jovem, assim como a competitividade.
O Ciclo Conferências na Caixa – "A Economia Portuguesa em Debate" teve a sua 1.ª edição no final do ano passado e terá várias edições ao longo de 2018. O objectivo será sempre o de promover a reflexão sobre os grandes temas da economia nacional, tendo como ponto de partida estudos, obras académicas ou livros de alta credibilidade e alcance.