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Empregador ou tutor?
O pagamento dos subsídios de Natal e de férias em duodécimos gerou discussão, com o natural desfile dos argumentos a favor e contra a solução.
O pagamento dos subsídios de Natal e de férias em duodécimos gerou discussão, com o natural desfile dos argumentos a favor e contra a solução. Da parte de quem propôs a medida, a intenção foi clara. Tratou-se de tentar suavizar os efeitos da punção fiscal que o Governo optou por concretizar com o objectivo de cumprir os compromissos para o défice público.
Intuitos políticos à parte e excluídas, também, as questões sobre os efeitos ilusórios que os contribuintes terão a oportunidade de desfazer quando compararem os rendimentos de 2012 com aqueles que receberão este ano após os descontos obrigatórios, a medida pode ser usada em benefício de quem receber aqueles rendimentos repartidos pelos 12 meses do ano. Para ganharem com a medida, precisarão de fazer um esforço para actuarem com disciplina, matéria em que a troca de argumentos revelou haver quem não confie em si próprio.
Para quem prefere que os subsídios sejam pagos sob o regime tradicional, trata-se de assegurar que o dinheiro não é gasto antes do tempo adequado. No fundo, trata-se de preferir uma solução em que o empregador, público ou privado, se substitui ao titular do rendimento a quem é concedido um papel paternal e protector. Toma conta do dinheiro alheio, porque quem tem direito a recebê-lo não sabe tomar conta da sua vida.
Na velha anedota, a senhora que dá a esmola avisa o pedinte para não ir gastar tudo em vinho. No caso de quem recusa os duodécimos, é diferente. Pede-se à entidade patronal que guarde o dinheiro porque, se não o fizer, o próprio trabalhador reconhece existir o risco de ir gastar tudo em vinho, isto é, de esbanjar os rendimentos a que tem direito em bens e serviços não prioritários.
A falta de disciplina, a par da dificuldade em definir objectivos e poupar de acordo com um plano destinado a cumpri-los, é um dos sinais da iliteracia financeira que domina o mercado português. Poupa-se quando calha e aplica-se o dinheiro sem outro critério que não seja o de tentar cavalgar as ondas do momento de acordo com a direcção para onde os ventos sopram. De facto, quem não consegue gerir o seu próprio dinheiro, precisa de quem tome conta dele.
A verdade é que o regime de duodécimos é vantajoso para quem dispense um tutor que se comporte como fiel depositário de uma parte dos rendimentos do trabalho que são devidos por lei. Se o dinheiro que passa a ser pago ao longo dos 12 meses do ano for aplicado, acabará por gerar rendimentos. A prazo, ao valor pago pelo empregador poderá ser acrescentado o valor do retorno obtido.
Os pouco disciplinados não são casos perdidos. Há truques para contornar a força das tentações. Basta que se faça um plano de entregas mensais, em que o valor dos subsídios é investido, de imediato, e nem chega a aquecer na conta à ordem. No tema dos subsídios, viver sob tutela paternal é confortável, mas tem um custo. A emancipação pode ser bem mais compensadora.
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