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Onde estão a investir os gestores de ativos em tempos de covid-19
Com os valores dos ativos ainda vistos como inflacionados, mesmo em alguns setores com alta procura, como saúde e tecnologia, muitos gestores de ativos esperam uma possível segunda crise após o fim das medidas de estímulo.
Hotéis, gasodutos, lojas de conveniência e obrigações de fabricantes automóveis estão entre os ativos comprados por algumas das maiores gestoras de ativos do mundo, numa altura em que procuram valor num mundo abalado pela pandemia do coronavírus.
Em entrevistas com fundos soberanos, gestoras de pensões e gestoras de ativos da Ásia e Europa que gerem no total cerca de 3,4 biliões de dólares, uma coisa ficou clara: muitos têm evitado o "super aquecido" mercado acionista.
A perspetiva mais frequente é de cautela. Os investidores estão cientes de que grande parte da recuperação dos mercados e avaliações de empresas privadas está ligada às taxas de juro baixíssimas, aos enormes estímulos de bancos centrais e ao apoio orçamental de governos, alguns dos quais podem começar a ser reduzidos nos próximos meses.
Com os valores dos ativos ainda vistos como inflacionados, mesmo em alguns setores com alta procura, como saúde e tecnologia, muitos esperam uma possível segunda crise após o fim das medidas de estímulo, mas antes que as vacinações em massa permitam que as economias reiniciem sem o risco de contágio generalizado.
Confira alguns ativos no radar de investidores:
Lojas de conveniência, gasodutos
O GIC, fundo soberano de Singapura, está de olho nas áreas "menos amadas", do retalho à infraestrutura, onde as avaliações foram afetadas pela pandemia, disse o CEO Lim Chow Kiat, quando a empresa divulgou a revisão anual no fim de julho.
Lim Chow Kiat
Em dois dos seus maiores negócios neste ano, o GIC fez parte de um consórcio que adquiriu uma participação de 49% em gasodutos da ADNOC por 10,1 mil milhões de dólares. No mês passado, uniu-se ao grupo australiano do setor imobiliário Charter Hall numa aquisição de 682 milhões de dólares australianos (500 milhões de dólares) de mais de 200 lojas de conveniência em postos de gasolina.
Cadeia de fornecimentos
O encerramento das fronteiras globais pode ser apenas temporário, e o comércio têm recuperado lentamente, diz Didier Borowski, responsável por visão global da Amundi, maior gestora de ativos da Europa que administra cerca de 1,9 biliões de dólares.
No entanto, o gestor prevê que os setores farmacêutico e de saúde irão realocar a produção de alguns bens essenciais para evitar a dependência de um país. Ainda assim, Borowski diz que seria muito caro e pouco económico levar tudo para casa.
"Este é o fim da globalização desenfreada, não o fim da globalização", disse numa entrevista no início do mês.
"Staycations"
Com as restrições de viagens a limitar os planos de férias, as chamadas "staycations" - trocadilho em inglês para viagens ou folgas curtas perto de casa - estão de regresso à agenda, diz Will James, vice-diretor de ações europeias da Standard Life Aberdeen, cuja equipa administra o equivalente a cerca de 11 mil milhões de dólares.
A gestora investiu na Thule Group, fabricante sueca de estacionamentos de bicicletas e porta-bagagens de teto para carros, cujas ações quase duplicaram de preço desde o final de março.
"Em vez de ir para a praia no estrangeiro, as pessoas ficam em casa para conhecer o país", disse em entrevista no fim do mês passado.
As ações do setor de aviação, como da Airbus, poderiam "recuperar muito agressivamente" se uma vacina for encontrada, embora alerte que ainda não está claro se o mundo algum dia voltará a ser como era antes.
Dívida das fabricantes automóveis
Obrigações são um dos grandes ativos "não amados" da crise de covid, diz Andrew McCaffery, diretor de investimento global da Fidelity International, que gere cerca de 437 mil milhões de dólares.
Andrew McCaffery
Os títulos das fabricantes automóveis são particularmente atrativos com o aumento da produção e mais pessoas que vão de carro para o trabalho para evitar o transportes públicos, disse em entrevista no início do mês.
"Se olhar para os spreads de crédito, deslocaram-se para níveis que tornam os títulos de algumas fabricantes globais relativamente atraentes", disse, citando a Ford e a Nissan como exemplos. "Esses títulos não são amados, especialmente quando considerarmos que houve um aumento no uso do carro em comparação ao transporte público."
A recuperação verde
Durante o sell-off da pandemia e a recuperação o AustralianSuper, o maior fundo de pensões da nação com o equivalente a 133 mil milhões de dólares, manteve mais de metade do seu portefólio em ações australianas e globais e reduziu as posições em imobiliário, crédito e private equity.
Agora, está à procura de investimentos em infraestruturas digitais, de transporte e sociais, à medida que os governos tentam impulsionar as economias, afirmou o CIO Mark Delaney, na semana passada. Esta firma está também a tentar encontrar oportunidades nas energias renováveis, à semelhança do acordo de 300 milhões de dólares com a Quinbrook Infrastructure Partners, acompanhando a vontade dos governos de avançarem com uma recuperação verde.
Mark Delaney
"Claramente fazer mais no que toca ao ambiente vai ter um ótimo resultado no longo-prazo", continuou o mesmo responsável. "Tendo em conta que os governos estão preparados para gastar mais e mais ativamente, serão provavelmente bem mais proativos na matéria do meio ambiente".
Retendo o disparo
Com ordens para maximizar o retorno a longo prazo, o fundo soberano da Austrália está a reter a sua pólvora, de acordo com o que foi dito pelo CEO Raphael Arndt na atualização anual do portefólio, que teve lugar no início deste mês. O fundo de 118 mil milhões de dólares está cautelosamente posicionado sem pressão para aplicar a sua liquidez "a não ser e até que as oportunidades surjam", defendeu.
"Economias em todo do mundo estão nas suas piores recessões em muitas, muitas décadas, e se se olhar ao preço dos ativos, não mexeram muito", notou. "A questão que os investidores têm de colocar é: isso faz sentido? A única forma de fazer sentido é se as taxas de juro se mantiverem muito perto de zero e os estímulos se mantiverem por um período muito, muito longo – e têm de haver riscos em relação a isso. É por isso que consideramos estar muito bem posicionados de uma forma cautelosa por agora".
Centros de dados
Com os mercados sobrevalorizados, o CIO da Aware Super, Damian Graham, vai optar por investimentos diretos, por exemplo em centros de dados e edifícios de apartamentos. O fundo de 91 mil milhões de dólares está também a vender alguns dos ativos que pensa que irão passar por dificuldades, como edifícios de escritórios e centros comerciais, à medida que as pessoas mudam a forma de trabalhar e de comprar.
O fundo baseado em Sidnei investiu 100 milhões de euros na semana passada no APG Group para construir apartamentos na Europa – um acordo que pode subir para 500 milhões de euros. Ao mesmo tempo, está numa disputa pelo operador de fibra ótica OptiComm.
Damian Graham
Tecnologia chinesa
Enquanto a China foi a primeira a ser atingida pelo coronavírus, está agora a liderar a saída, o que se torna uma proposição atrativa para o investidor estatal de Singapura Temasek Holdings. A firma, que supervisiona o equivalente a 225 mil milhões de dólares, está certa acerca de alguns temas-chave na China, como a tecnologia de consumo, as ciências naturais, biotecnologia e as fintech, declarou o responsável pela estratégia de investimento Rohit Sipahimalan. Para o mesmo, "este ano a China será provavelmente a única grande economia com uma evolução positiva no produto interno bruto".
Moda rápida
O partner da L Catterton Asia, Chinta Bhagat, cuja empresa-mãe gere 20 mil milhões de dólares, afirma que investir em tempo de pandemia requer um olhar atento às circunstâncias de cada país, ao ponto de avaliar o desempenho de cidades específicas. Apesar de os negócios se terem tornado lentos em alguns sítios, dispararam noutros.
"A covid começou basicamente na China e terminou na China", disse. "A não ser que exista algum azar miraculoso e ressurja, a covid na China está acabada no que toca às nossas considerações económicas. A firma considera fechar acordos em fase mais iniciais de áreas como o e-commerce e a tecnologia de consumo – caso decida almejar os grandes dos mesmos setores arrisca-se a ser ultrapassada pela Temasek.
Uma área de interesse é a moda guiada por influencers e ao estilo chinês. Onde as marcas ocidentais têm o hábito de usar a fama de uma única celebridade (como Kim Kardashian ou Jessica Alba), muitas empresas na China usam exércitos de influencers nas redes sociais para vender produtos via plataformas de e-commerce, com grandes efeitos. "Eu ficaria muito surpreendido se não acabássemos por fazer algum tipo de acordo em comércio social porque estamos a ficar cada vez melhores em descobrir a recompensa que corresponde ao risco nessa área", conclui.