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"Há 40 anos, a bolsa era pior do que a feira de Carcavelos"
Após o 25 de Abril, a bolsa portuguesa esteve encerrada durante quase três anos. A revolução trouxe alterações profundas ao mercado accionista que, na década de 80, viu o número de cotadas disparar com as privatizações.
Há 40 anos, "a bolsa era pior do que a feira de Carcavelos", relata um dos mais antigos investidores no mercado português. A Revolução dos Cravos ditou uma interrupção de quase três anos na negociação e levou com ela um grande número de empresas. Depois do 25 de Abril ter reduzido a quase zero os investimentos em bolsa, foi preciso esperar pela Lei Sapateiro, no final da década de 80, para assistir à ressurreição do mercado de capitais português.
Até à década de 70, a negociação de acções no Terreiro do Paço era limitada a um número muito restrito de investidores. "Havia muito mais negociação pessoal entre as partes. As pessoas encontravam-se e discutiam entre grupos de amigos a compra e venda de acções", explica Joaquim Cardoso, que desde os 12 anos viu os seus pais a investir na bolsa.
Também Joaquim Cardoso realça a desorganização que caracterizava naquela altura as transacções. "A bolsa era uma autêntica selva, era um salve-se quem puder. Quem tinha a esperteza de vender papel a troco de nada, ganhava", conta.
"Queria ver a diferença entre a realidade e o cinema"
Foi a curiosidade que motivou alguns portugueses a entrarem no mundo financeiro. "Ia mais para ver como funcionava, para perceber a diferença entre a realidade e o que conhecia do cinema", partilha o mesmo investidor que pediu o anonimato. O início da década ficou ainda marcado pela chegada dos fundos de investimento a Portugal. O fundo Fides e o fundo Atlântico proporcionaram retornos elevados aos participantes e aguçaram o apetite pelos activos de risco.
A Revolução de Abril quebrou este ciclo e reduziu à insignificância as poupanças aplicadas na bolsa. Mas, o maior impacto chegou um ano mais tarde. "O grande choque foi em Março de 1975, com a nacionalização da banca e seguros. Foi o que causou o grande impacto económico-financeiro", explica José Santos Teixeira. O actual "chairman" da Optimize, que trabalhava na altura na Império França, acompanhou estes acontecimentos de fora. Ao contrário do que aconteceu nas acções, os investimentos colectivos - os fundos - foram "quase totalmente reembolsados", refere.
Dois terços da economia nacionalizados
A filosofia do socialismo no pós-revolução justificou uma onda de nacionalizações. "Praticamente foi nacionalizada a economia em dois terços", explica António Serra Lopes, advogado da família Mello, acrescentando que "a banca estava praticamente nacionalizada, à excepção dos bancos estrangeiros".
Mais uma vez, os accionistas foram altamente penalizados. "Quem tinha títulos individualmente nas nacionalizações recebeu títulos do Tesouro a 20 anos, com um juro de 2%, quando a inflação chegou aos 15%/20%", conta José Santos Teixeira. "O mercado ficou completamente parado. Os sectores preponderantes ou foram nacionalizados ou perderam o seu valor", lembra Joaquim Cardoso, que considera que a revolução ditou uma "absoluta quebra de confiança" na bolsa.
Serra Lopes, que viveu no pós-25 de Abril um período muito activo e marcante na sua carreira, na negociação dos valores das indemnizações das empresas da família, realça que este foi "um período dramático da nossa vida pública".
"Bastava imprimir papel que o mercado comprava e engolia"
A bolsa esteve encerrada até 1977. Só em meados da década de 80, com a chamada Lei Sapateiro, voltou a fervilhar. "Entre 1986 e 1988 houve uma série sucessiva de Operações Públicas de Venda (OPV). Foi uma loucura de dispersões de empresas em bolsa, sem controlo e sem critério", conta Joaquim Cardoso. Segundo este investidor, "bastava imprimir papel que o mercado comprava e engolia".
As privatizações marcaram o regresso da maior parte dos investidores ao mercado. É o caso de um dos investidores com quem o Negócios falou. "Participei na do Totta, Unicer, Marconi", lembra. A dispersão da rádio Marconi foi aliás um dos momentos marcantes do pós-revolução, considera Joaquim Cardoso. Mas não foi o único. "Ficaram marcadas na minha memória as grandes filas de reformados pelo País à porta do Banco Nacional Ultramarino para poderem participar na dispersão da Companhia de Seguros de Trabalho".