Notícia
Pela nossa saúde, toca a dormir!
Não estavam entre os favoritos, mas a verdade é que o Nobel da Medicina de este ano foi entregue a um trio de cientistas devido às suas descobertas sobre os mecanismos moleculares que controlam o ritmo circadiano, comummente conhecido como o nosso “relógio biológico”. Naquela que é uma das mais incompreendidas ciências – a do sono -, são cada vez mais sérios os alertas sobre uma “catastrófica epidemia de privação” que está a afectar a nossa sociedade, em particular os países desenvolvidos. Porque dormir bem significa não só diminuir a propensão para um conjunto diversificado de doenças, como também aumentar a nossa esperança de vida, saiba por que motivos é imperativo não roubar horas ao sono
Deve estar a gozar comigo!". Foi assim, e de acordo com vários órgãos de comunicação social que Michael Rosbash, um dos vencedores do Prémio Nobel da Medicina de este ano, respondeu ao telefonema que recebeu da Academia Sueca, feito por Thomas Perlmann, o secretário incumbido de avisar os laureados pela sua conquista. Roshbash, de 73 anos em conjunto com Jeffrey Hall, de 72 e Michael Young, de 68, não estavam sequer na lista dos potenciais vencedores do Nobel da Medicina (e da Fisiologia), mas conseguiram passar à frente de favoritos com trabalho feito na imunoterapia – que utiliza as defesas do corpo para combater o cancro – ou na denominada CRISPR, a revolucionária técnica de edição de genes que muito deu que falar este ano.
Afinal, receber um Nobel devido à descoberta (em 1984) de um gene, numa mosca da fruta, que controla o ciclo circadiano não parece, à primeira vista, tão honroso quanto isso. Obviamente que o seu trabalho não se ficou pela mosca da fruta, mas sim por um conjunto de avanços significativos no que respeita ao funcionamento daquele que é comummente conhecido como "relógio biológico" e que ajuda a "explicar de que forma as plantas, os animais e os humanos adaptam o seu ritmo biológico para que este esteja sincronizado com as revoluções da Terra", tal como se pode ler no comunicado emitido por Estocolmo. Mas, e para os leigos, em que é que esta descoberta contribui para melhorar a saúde humana ou para a detecção ou prevenção de doenças que afligem a nossa espécie?
A descoberta dos mecanismos moleculares que controlam os ritmos circadianos – ou o relógio biológico – é fundamental para a saúde humana
Na verdade, em muito. De uma forma muito geral, os estudos sobre o ciclo ou ritmo circadiano nas moscas ajudaram a iluminar os escuros meandros dos genes e proteínas que sincronizam os nossos próprios corpos com as 24 horas do dia – o nosso relógio biológico -, o que pode conduzir a tratamentos para um extenso conjunto de doenças tão díspares como a obesidade, as doenças coronárias, o Alzheimer e outras demências, bem como o cancro ou a diabetes. A equipa de laureados ajudou igualmente a explicar o mecanismo através do qual a luz do dia ajuda a sincronizar o "relógio", pois quando existe um desajustamento entre este nosso cronómetro interno e o ambiente exterior, o mesmo afecta o bem-estar do organismo – o que é muito comum acontecer, por exemplo, quando experimentamos o tão conhecido jet lag. Ou, em suma, a descoberta dos mecanismos moleculares que controlam os ritmos circadianos – ou o relógio biológico – é fundamental para a saúde humana.
Citado pelo The Guardian, Sir Paul Nurse, director do Francis Crick Institute, e vencedor em 2001 do Nobel da Medicina pela pesquisa dos reguladores principais dos ciclos celulares, explica por que motivo a pesquisa do trio de laureados é tão importante para a compreensão básica da vida: "todos os organismos vivos que existem no nosso planeta respondem ao sol", afirma. "Todo o comportamento das plantas e dos animais é determinado pelo ciclo luz-escuridão. E todos nós somos escravos do sol. O relógio circadiano está ‘embutido’ no nosso metabolismo (…)", e a compreensão de algumas disfunções na nossa saúde devido aos desajustamentos dos "ponteiros deste relógio" faz da descoberta de Roshbash, Hall e Young um passo em frente para a ainda incompreendida ciência do sono.
O impacto das pesquisas agora premiadas vai ainda mais longe na medida em que se começa a compreender que um conjunto de circunstâncias que afectam a saúde humana está intimamente relacionado com "defeitos" no relógio circadiano, na medida em que este temporizador interno está em luta constante para se reconfigurar de acordo com as pressões externas que o ambiente lhe coloca.
E estas mudanças ou ajustamentos contínuos colocam uma enorme pressão nos humanos. Em entrevista ao Público, o português Diogo Pimentel, bioquímico e autor de um artigo recentemente publicado na revista Science, exactamente sobre um mecanismo baptizado de "João Pestana" e que actua no grupo de neurónios que controla o sono das moscas da fruta e que é capaz de as acordar, explica, de forma mais simples, por que motivo o Nobel deste ano é tão importante para um dos mais misteriosos estados que todos nós experimentamos: o sono. "Ainda não sabemos hoje porque precisamos de dormir, mas é claro que a regulação do sono obedece a dois processos: o ciclo circadiano (ou relógio) e o sistema homeostatico. O primeiro descreve como todos os organismos se sincronizam e adaptam a factores do ambiente externo, sendo a luz o factor principal. Todos os dias, a rotação da Terra resulta em períodos de luz e escuridão e cada animal evoluiu de acordo com o ambiente em que vive, no nosso caso para dormir durante o período de escuridão, mas obviamente para animais noctívagos o sistema funciona ao contrário".
Todos nós somos escravos do sol
Adicionalmente, nos humanos, o relógio biológico antecipa várias actividades ao longo do dia, desde a hora em que acordamos até à que adormecemos, bem como os momentos em que nos alimentamos, regulando mecanismos como os níveis hormonais, a temperatura e o metabolismo. As descobertas levadas a cabo pelos três cientistas conferem também uma maior importância à denominada cronobiologia – a ciência do sono – a qual está em franco crescimento. E porque somos a única espécie que, deliberadamente, se priva de horas para dormir, são já vários os cientistas que alertam para uma "epidemia catastrófica"que não só contribui para aumentar a propensão para um conjunto diversificado de doenças, como para encurtar a nossa esperança de vida. Ora vejamos porquê.
Madrugadores versus noctívagos
Ao longo dos últimos anos, os investigadores descobriram que cada um de nós tem o seu próprio "cronotipo", único e geneticamente determinado, o qual, que nem um relógio, programa o período ideal de sono no ciclo das 24 horas diárias. E esta descoberta ajudou a clarificar os motivos devido aos quais existem pessoas que funcionam melhor de manhã cedo e outras que atingem o seu pico de produtividade muito mais tarde. Num interessante artigo da Vox, o "claim" é o seguinte: "se você não pertence à categoria dos madrugadores, a ciência explica por que motivo e muito provavelmente, nunca pertencerá".
Mathew Walker, o neurocientista e director do Center for Human Sleep Science, sedeado na Universidade da Califórnia é, desde há várias décadas, um estudioso obcecado pelo sono e pelo seu impacto ao longo de toda a nossa vida. Há cerca de duas semanas, Walker lançou o livro Why We Sleep: The New Science of Sleep and Dreams, no qual argumenta que um "bom sono" é muito mais importante para a saúde do que qualquer tipo de dieta ou de exercício. Walker vai ainda mais longe e afirma que "quanto menos dormirmos, menor será a nossa vida" e que a sociedade actual está a atravessar uma "catastrófica epidemia de privação do sono", com consequências terríveis para a nossa saúde e que só com a ajuda dos governos será possível inverter esta tendência.
Para continuar a ler este artigo clique aqui