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A desequilibrada comissão de von der Leyen

O desiderato estratégico formulado por von der Leyen, em Março de 2020, de «alcançar uma proporção equitativa de 50% em todos os níveis administrativos da Comissão até ao final de 2024» deu em nada.

29 de Agosto de 2024 às 15:55
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Ignorar a carta que Ursula von der Leyen enviara, em Julho, solicitando a indicação de duas candidaturas, de uma mulher e de um homem, para alcançar a paridade de género na Comissão Europeia, serviu aos governos para mostrarem à presidente alemã que não abdicam de prerrogativas soberanas.  

Prestes a chegar à data-limite de 30 de Agosto, a primeira mulher a presidir à Comissão Europeia recebeu a indicação de apenas uma pessoa por país, na maioria homens, incluindo as propostas de recondução.

O desiderato estratégico formulado por von der Leyen, em Março de 2020, de «alcançar uma proporção equitativa de 50% em todos os níveis administrativos da Comissão até ao final de 2024» deu em nada.

Até esta quarta-feira tinha sido anunciada a indigitação de 16 homens.

A Comissão poderia contar com 6 mulheres, incluindo a escolha de Madrid já conhecida, mas a aguardar comunicado oficial.

Dois países com governos de gestão, a Bélgica e a Bulgária, estavam em falta.

Portugal, Itália e Dinamarca fechavam-se em copas.

A Croácia indicou Dubravka Šuica, da União Democrática de centro-direita, para novo mandato e os demais indigitados para mais cinco anos em Bruxelas são todos homens: Maroš Šefcovic, Eslováquia, Valdis Dombrovskis, Lituânia, Thierry Breton, França, o húngaro Oliver Várhelui, e Wopke Hoekstra dos Países Baixos.

A finlandesa Henna Virkkunen e a sueca Jessika Roswal, de partidos vinculados ao Partido Popular Europeu, e a socialista espanhola Teresa Ribera, são as outras três mulheres propostas para a Comissão.

Áustria, Chipre, Eslovénia, República Checa, Grécia, Irlanda, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Polónia, Roménia optaram por homens.

A maior parte dos possíveis comissários, doze, incluindo von der Leyen, vem de partidos integrados no Partido Popular Europeu, o principal grupo no Parlamento Europeu.

Dos nomes anunciados três são de partidos socialistas e social-democratas e outros três do grupo liberal, quatro não apresentam filiação partidária e o húngaro Várhelui do Fidesz (Aliança Cívica) enquadra-se no grupo de extrema-direita Patriotas pela Europa.

Os 26 membros da Comissão terão de passar, em Outubro, pelo crivo dos 720 deputados do Parlamento Europeu e na distribuição de pastas além da competência cumpre levar em linha de conta os equilíbrios regionais e políticos entre os governos dos 27.

Ursula von der Leyen dificilmente conseguirá levar algum país a renunciar às indigitações anunciadas e a substituir candidaturas.

A segunda Comissão von der Leyen será, assim, bem diferente da aprovada em 2019 quando a presidente se fazia acompanhar por mais 12 mulheres.

Nomes alternativos surgirão apenas no caso de eventuais rejeições pelo Parlamento Europeu como sucedeu em 2019 com a romena Rovana Plumb e a húngara Laszlo Trocsanyi devido a «conflito de interesses», além da francesa Sylvie Goulard por «conflito de interesses» e «dúvidas acerca de integridade e independência».

Consensos difíceis

Acordos no Parlamento Europeu com a extrema-direita dos Patriotas Pela Europa, de Jean Bardella e do Chega, além dos Conservadores e Reformistas, do VOX, ou com A Esquerda, não são relevantes para a aprovação da Comissão e escrutínio de comissários e comissárias, mas consensos diversos com os governos dos 27 são essenciais.

O estado comatoso da coligação entre sociais-democratas, liberais e verdes em Berlim e o desnorte e desprestígio de Emmanuel Macron limitam à partida apoios necessários a eventuais ambições reformistas de Ursula von der Leyen que, no entanto, poderá tentar aproveitar as dificuldades de franceses e alemães para alargar ainda mais os poderes efetivos da Comissão.

É duvidoso o interesse de António Costa em alinhar no sentido de alargamento e reforço de poderes da Comissão nos dois anos e meio de mandato como Presidente do Conselho, com início em dezembro, tendo em conta o seu perfil tacticista.      

O peso crescente da extrema-direita, bem posicionada nas eleições legislativas austríacas de setembro e nas votações regionais alemãs na Turíngia, Brandemburgo e Saxónia, a ameaça de Marine Le Pen chegar ao Eliseu em 2027, estão bem presentes, mas o que pesa atualmente é a posição pragmática de Giorgia Meloni.

A chefe de governo italiana, que votou contra a recondução de von der Leyen, manifestando, contudo, uma atitude de cooperação, exige um cargo de importância indiscutível e que os interesses de Roma sejam levados em conta, seja nas políticas de migração ou de concorrência.  

As tutelas da economia, regulação, finanças, comércio, energia, mercado interno ou agricultura são das mais disputadas.

As combinações possíveis de pastas, a orgânica e coesão da Comissão levam a que poucos pelouros possam ser dados como certos à partida.  

A confirmação da estoniana Kaja Kallas como Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança está, contudo, garantida no âmbito do acordo entre o Partido Popular Europeu, o Partido dos Europeus Socialistas e os liberais do Renew que assegurou, igualmente, a recondução da conservadora maltesa Roberta Metsola na presidência do Parlamento Europeu.

À antiga chefe de governo de Tallinn, representante da tendência liberal, que conta com 77 eurodeputados, caberá articular políticas com quem ficar com o novo pelouro do Mediterrâneo e a pasta de Vizinhança e Alargamento.

Ao apresentar-se ante os eurodeputados a Kallas importará, também, evitar que a sua atitude de confronto com Moscovo deixe a ideia de menorização dos interesses globais dos 27.

O cargo de comissário para a Defesa, cuja criação foi assumida por von der Leyen ao apresentar a sua recandidatura, está em princípio reservado a pessoa designada pelos doze governos liderados por políticos do Partido Popular Europeu.

A Polónia manifestou inicialmente interesse no lugar, mas o primeiro-ministro Donald Tusk poderá descartar uma pasta com orçamento pouco significativo e carente ainda de estratégias e estruturas de cooperação industrial entre os 27.

Piotr Serafin, Representante Permanente em Bruxelas desde 2023 e antigo chefe de gabinete de Tusk quando este foi Presidente do Conselho entre 2014 e 2019, poderá em alternativa aspirar a outra pasta mais relevante como Orçamento e Administração.

Von der Leyen anunciou, igualmente, uma vice-presidência encarregue da coordenação dos planos de incremento da capacidade competitiva e desburocratização, no quadro de concentração de poderes e tutela num núcleo mais restrito de decisão, cuja concretização é, contudo, incerta.

A distribuição de pelouros que von der Leyen e o seu chefe de gabinete Björn Seiber negoceiam está cativa de algumas promessas que sustentaram o acordo entre conservadores (118 eurodeputados) e socialistas (136 mandatos).

Em consequência, a nova pasta de Habitação que, pela primeira vez em 66 anos de existência do executivo comunitário, visa promover a construção pública e privada de habitação a preços acessíveis, caberá a alguém da área socialista.

A revisão em baixa das metas de política ambiental e energética irá, possivelmente, custar o apoio dos 53 eurodeputados ecologistas, e cercear as expectativas de Teresa Ribera.

A socialista espanhola assumiu o interesse pela pasta do Ambiente que, acumulando as Pescas, cabia anteriormente ao lituano Virginijus Sinkevicius – um ecologista moderado com escassa relevância institucional –, mas dificilmente conseguirá que o sector energético fique igualmente sob a sua tutela.

O Parlamento Europeu não cumpriu desideratos de paridade de género nas eleições para os seus comités e conta com apenas 39% de mulheres nesta décima legislatura.

Na apreciação e votação da Comissão irá, todavia, seguir as regras processuais que obrigam a ter em conta «competência genérica, empenhamento europeísta e independência pessoal», além do «conhecimento da pasta em consideração e capacidade de comunicação» e inexistência de «conflitos de interesses».

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