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Bradley Tusk: “Os EUA não querem saber" o que o mundo pensa deles
Na manhã em que Donald Trump foi confirmado como próximo presidente eleito dos EUA , o primeiro painel do Web Summit foi um resumo de “vergonha”, incredulidade e alguma revolta pelo resultado. Mas também de esperança.
Ainda o primeiro painel do terceiro dia do Web Summit, em Lisboa, não tinha começado, e já Paddy Cosgrove dava o mote para o que iria ser o debate sobre "os pós eleições com Bradley Tusk, Owen Jones, Shailene Woodley e David Patrikarakos, ao pedir para a plateia acender as lanternas dos seus telemóveis.
O pedido é comum em conferências, para motivar a audiência entre comunicações, mas desta feita a razão foi original: para iluminar "a grande incerteza" e "mesmo escuridão" com que os EUA e o resto do mundo acordaram esta quarta-feira, 9 de Novembro, ao confirmar-se a eleição de Donal Trump como futuro presidente dos EUA. Mas a mensagem também teve esperança: "nós todos, eventualmente, trabalharemos para um mundo melhor", disse Cosgrave, parafraseando o chavão que "nenhuma noite, por mais longa que seja, é maior que o dia".
Bradley Tusk, norte-americano, fundador do conjunto de empresas homónimas que criou desde 2010, mas também ex-adjunto do Mike Bloomberg - antigo democrata e republicano (até 2007), três vezes eleito "mayor" de Nova Iorque, e fundador da agência noticiosa Bloomberg - não poupou nos adjectivos.
O CEO da Tusk Holdings tentou explicar porque Trump bateu Clinton. Sobre Hillary, defendeu que "os americanos não gostam" que nenhum político diga "é a minha vez". Reconheceu que Trump pode parecer um "palhaço" por vezes, mas que "não é estúpido" e tinha uma mensagem a dar. Acredita que o mesmo político republicano rentabilizou "a raiva" de uma parte da população "que está muito lixada" com os governantes do país. "Metade do nosso país está muito zangado, e o problema não vai embora enquanto não for resolvido".
O antigo adjunto de Mike Bloomberg declinou a ideia que o Partido Republicano irá desaparecer depois da eleição de Trump, defendeu que "ficaria muito chocado" que no Congresso, nos próximos anos, "não houvesse uma mudança" com perda para os republicanos, que o dominam agora, com vantagem para os democratas em 2018.
Pelo meio, admitiu que nas horas que antecederam ao painel da manhã desta quarta-feira, depois de saber os resultados, se sentiu "meio envergonhado de estar nesta sala" do Meo Arena, onde está o palco principal do Web Summit, mas sublinhou: "Trump é parte dos EUA, mas nós sobreviveremos", como noutras alturas do país. E defendeu, que enquanto para o mundo "os EUA" e as eleições que ocorreram "são uma coisa enorme", o inverso já não se aplica: "90% dos americanos [cidadãos dos EUA] não querem saber" o que o resto do mundo pensa deles, sublinhou. Para a larga maioria dos EUA, o resto do mundo "não existe".
O feminismo teve uma dupla derrota?
Também norte-americana, a actriz, activista e co-fundadora do movimento "Up to us", Shailene Woodley, foi a primeira a perguntar – "o que é que aconteceu hoje?", ainda o painel não tinha acabado de se sentar.
Woodley, que defendeu que, como actriz e viajando muitas vezes para a Europa foi confrontada nos últimos meses sobre a candidatura de Trump, defendeu que, com a sua eleição a questão alargou-se – "este é um problema internacional" com o qual o mundo vai ter de lidar daqui para a frente.
A protagonista principal da saga "Divergente" e secundária nos "Descendentes", que arrancou aplausos da plateia por diversas vezes, criticou as redes sociais e a sua radicalização. "Há tanto medo na nossa nação [EUA] agora, temos que lidar com isto, temos que enfrentar a realidade, não podemos que o medo interfira com o progresso". Nos EUA, alertou, "há pessoas a sofrer há muito tempo", disse, para acrescentar que acredita que "as pessoas vão unir-se" após a eleições de Trump, para formarem algum tipo de "consenso saudável" para o país.
"A maior calamidade pós-II Guerra Mundial"
Bastante mais pessimista, o britânico Owen Jones, 32 anos, escritor e colunista no The Guardian considerou a vitória de Donal Trump como "a maior calamidade desde a II Guerra Mundial". O candidato republicano, classificado por Jones como "racista e misógino", capitalizou "o descontentamento massivo" com "o populismo", culpando "os outros pelos problemas: o pobre, os negros". Uma política assente "no medo", que o escritor associou também à vitória do Brexit.
Os "EUA são uma nação extremamente polarizada", "uma nação extremamente dividida", classificou. Rejeitou contudo a diabolização das redes sociais nesta campanha eleitoral. ""Milhões de votantes [dos EUA] não estão no Twitter" e a verdade é que os cidadãos dos EUA "escolheram" um político "instável" com laivos de "psicopata", "racista e misógino" para os governar, pelo menos, nos próximos quatro anos. E "este é o tipo que vai ter acesso ao código nuclear a partir de Janeiro", desabafou para o público.
Owen Jones concluiu que "teremos horas negras" em resultado da votação eleitoral desta terça-feira, mas tentou deixar uma palavra de esperança à plateia: "há duas Américas". A que elegeu o Trump, mas também aquela que "lutou pelos direitos dos negros, das sufragistas", a "que lutou pelos direitos dos trabalhadores", a "de Martin Luther King". E "será esta que será vitoriosa" no final, disse acreditar, por entre aplausos.