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Os destinos turísticos que atraem milhões de set-jetters

O turismo de saúde, religioso e gastronómico já é responsável por boas fatias de mercado na atracção de visitantes. Mas é o turismo do cinema e das séries de televisão que está na berra, ao atrair um crescente número de espectadores aos locais de rodagem das suas cenas favoritas. Os destinos preferidos já capitalizam esta tendência criando mesmo roteiros para os fãs.

02 de Julho de 2016 às 15:00
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"Às vezes dás contigo num caminho que nunca esperarias. O que não significa que não possa conduzir-te a um lugar bonito". Quem o diz é Geillis Duncan, uma personagem de Outlander – A viajante do tempo. E são caminhos novos, que não se conheciam antes de se ver determinado filme ou série de TV, que estão agora a abrir-se a quem gosta de se aventurar pelos locais que viu no grande ou no pequeno ecrã. 

 

A série televisiva Outlander já adquiriu um estatuto de culto e a sua legião de fãs aumenta de dia para dia, levando muitos deles a quererem visitar os locais de rodagem das muitas cenas que vêem no ecrã e que decorrem sobretudo na Escócia. À conta de Outlander, têm-se enchido de visitantes estrangeiros as ruas de Inverness, Perthshire e Edimburgo, o castelo de Urquhart, o palácio de Holyroodhouse e o lago de Loch Ness – onde os curiosos procuram não a noção de um monstro mas sim de uma criatura marinha (the waterhorse) da qual Claire, a personagem principal, não teve medo.

Este fenómeno do chamado turismo de séries de TV tem estado a ganhar balanço nos últimos anos. Já existia o turismo cinéfilo, que leva os fãs de um filme a procurarem os locais onde decorrem as suas cenas preferidas, mas o de séries tem ganho mais peso. E porquê? Porque só os filmes de grande impacto produzem este efeito. Já as séries, em grande medida devido ao facto de prenderem os fãs durante mais tempo, através das várias temporadas, criam laços mais intensos e duradouros. 

 

"A diferença entre os filmes e as séries de TV está na duração do período de filmagens e de transmissão no ecrã, que é obviamente maior no caso das séries televisivas – o que cria uma relação mais forte entre o espectador e as personagens e cenários da série, com um impacto de longo prazo. Em geral, os filmes não têm esse impacto de longo prazo, a não ser que sejam muito populares", salienta Jorden Hellemans na sua dissertação de fim de curso da Escola Universitária de Turismo de Múrcia, intitulada "Turismo induzido pelo ecrã: séries de televisão".

 

Também Isabel Navarro Gala, no seu trabalho de fim de curso da licenciatura em Turismo na Faculdade de Ciências Sociais, Jurídicas e da Comunicação, pertencente à Universidade de Valladolid, aborda a influência das séries de televisão sobre o turismo, como Friends, The Walking Dead, Breaking Bad, Guerra dos Tronos, Verão Azul, entre muitos outros. 

 

"Quem nunca sonhou viajar até um determinado destino porque o viu no pequeno ecrã? Algumas séries de televisão causam tamanho furor entre os seus seguidores que estes programam as suas viagens para conhecerem os cenários onde foram filmadas as suas cenas favoritas. A repercussão turística de séries de êxito não é uma novidade por si só, mas é-o o seu aproveitamento como recurso turístico por parte das localidades de destino", escreve Isabel Gala, sublinhando que se estima que 40 milhões de viajantes em 2013 tenham escolhido visitar um determinado país devido ao seu interesse em percorrer os cenários de algum filme ou série televisiva.

 

O impacto que os diferentes produtos audiovisuais cria no espectador tem sido estudado desde a década de 1970, tendo Hoffner e Cantor sido os primeiros a concluir em 1991 que os vários produtos audiovisuais relacionam emocionalmente o espectador com as personagens de cada um deles, refere Isabel Gala.

 

Os primeiros estudos que relacionam o fenómeno do turismo com o mundo audiovisual estão centrados no mundo do cinema, mas agora as séries de TV estão a marcar a ordem do dia nesta matéria. Os espectadores tomam decisões acerca do destino para o qual vão viajar em função das emoções e sensações que experienciam ao visualizarem esses mesmos locais no ecrã. "Podemos então afirmar que esses espectadores se converteram em turistas dos locais vinculados aos produtos audiovisuais que consomem", acrescenta o mesmo estudo.

 
O nascimento do "set-jetter"

Desta conjugação nasceu assim um novo tipo de turista: o "jet-setter". E Isabel Gala explica o termo: trata-se da combinação das palavras "set" (cenário) e "jet" (voar). O termo foi usado pela primeira vez no jornal norte-americano The New York Post, pela jornalista Gretchen Kelly. E existe até uma página na rede social Facebook chamada Set-Jetter para os fãs desta modalidade.

 
Entre os filmes de grande impacto e avultadas receitas de bilheteira encontramos variados exemplos: na Nova Zelândia (O Senhor dos Anéis), Reino Unido (Skyfall, entre muitos outros), e Carolina do Norte (EUA, com Os Jogos da Fome). A companhia aérea Air Newzealand pintou mesmo um dragão gigante num dos seus aviões por ocasião da estreia de um novo filme da saga de O Senhor dos Anéis (O Hobbit), sublinha o website Tendencias Turismo.

 

Quanto às séries de televisão, estas não são um produto novo, mas registaram na última década uma influência similar à do cinema na indústria do turismo. De acordo com o estudo TV & Media realizado pelo ConsumerLab da Ericsson e divulgado em Novembro passado, os portugueses passam, em média, 30 horas por semana a consumir televisão. E os filmes e séries gravadas lideraram as preferências em frente ao ecrã.

Além de Outlander, um outro fenómeno televisivo - e que também é seguido por muitos portugueses - é o da Guerra dos Tronos. A série atira-nos imediatamente para a Irlanda do Norte, mas Espanha, Malta, Croácia e Islândia também "esfregam as mãos" com esta oportunidade, além de outros pontos da Europa e Norte de África por onde se espalham os sete reinos de Westeros.

 

A maioria das cenas desta série da HBO desenrola-se na Irlanda do Norte, que colocou o país no mapa de muitos visitantes que desejam conhecer os locais de acção de Game of Thrones na vida real,  como por exemplo a praia de Larrybane (onde o rei Renly jura a Lady Stark que vingará a morte de Ned Stark), a baía de Murlough, os castelos de Ward e Dunluce ou a vila piscatória de Ballintoy.  


À conta da Guerra dos Tronos (cuja sexta temporada terminou esta semana), também os Estúdios Titanic, em Belfast, são paragem obrigatória para os fãs da série, já que foi lá que se filmaram muitas das cenas interiores e é onde está o icónico trono de ferro. A rainha Isabel II visitou os estúdios de gravação da série, mas não quis sentar-se no célebre trono, que é feito de espadas. Recebeu, contudo, uma miniatura do mesmo, pelas mãos do produtor Dan Weiss. 

Isabell II visitou os estúdios de gravação da série A Guerra dos Tronos, mas não se sentou no trono de ferro
Isabell II visitou os estúdios de gravação da série A Guerra dos Tronos, mas não se sentou no trono de ferro

 


Mas há quem viaje também até à Islândia, para visitar o Monte dos Primeiros Homens - onde Sam encontrou o vidro de dragão –, os cumes de Svinafellsjokull ou o Parque Natural Vatnajokull.

 

E Espanha, onde foram filmadas muitas cenas da sexta temporada (e também algumas da quinta "season"), é outro dos destinos procurados pelos seguidores da Guerra dos Tronos que querem deixar-se absorver pelas paisagens que viram na televisão e que encontram em Navarra, na costa de Almeria, em Campillo de Dueñas (que, segundo a TripAdvisor, foi o local espanhol que registou maior aumento de interesse, com mais 291% de visitas face ao ano passado), em Sevilha ou em Osuna.

 

Dubrovnik, na Croácia, tem sido igualmente alvo de uma crescente curiosidade por parte dos viajantes. E à conta não só de a Guerra dos Tronos, mas também do oitavo filme da saga da Guerra das Estrelas – que está previsto chegar às salas de cinema a 15 de Dezembro de 2017. Fala-se também que o próximo filme de James Bond: 007 poderá eleger esta cidade para centrar a sua acção. 

Os roteiros personalizados

Este chamado turismo "seriéfilo", cuja principal motivação é visitar um destino que se viu previamente no pequeno ecrã, tem atraído pessoas para os quatro cantos do mundo. É o caso de cidades norte-americanas como Albuquerque (Breaking Bad, que tem um roteiro próprio), Nova Iorque (O sexo e a cidade; Mad Men, NYPD Blue, Seinfeld) ou Nova Jérsea (Os Sopranos).

 

E as próprias operadoras turísticas destas localidades decidiram aproveitar esta nova tendência, criando uma intensa promoção turística que inclui roteiros personalizados, totalmente adaptados a uma determinada série de TV. É o caso da On Location Tours, que criou uma rota de autocarro, com três horas e meia de duração, que segue os passos de Carrie Bardshaw e das suas três amigas ao longo de mais de 40 locais emblemáticos que surgem na série, conta o website Hosteltur. O percurso, das 11h até perto das 15h, custa 42 dólares (38 euros) e é realizado com um guia. Esta mesma operadora disponibiliza "tours" para os seguidores da série Gossip Girl, Os Sopranos (que além de Nova Jérsea, também tem muitas cenas em Nova Iorque, ali mesmo ao lado) e Friends.

Mas há mais: a Tour America disponibiliza voos e estadias de quatro noites em Nova Iorque, a partir de 713 euros por pessoa, e a American Holidays tem à disposição pacotes de compras de Natal em Nova Iorque, por 799 euros por pessoa, ambas a realçarem o facto de a cidade ser palco destas famosas séries.

Esta tendência revela-se, pois, vantajosa para dois lados. "Para os destinos turísticos, apresenta-se a oportunidade de promoção através de séries de ficção com um alto número de espectadores e, portanto, potenciais turistas, além de criar produtos inovadores; para as séries audiovisuais, pode ser a oportunidade de incrementar o seu valor, acrescentando rodagens em zonas que se tornem atractivas para o espectador por atribuírem maior realismo às séries, além de aumentar o orçamento de filmagem de cenas com retribuições em dinheiro ou em espécie", dizem Noellia Vila, José Brea e Trinidad Vila num trabalho intitulado "os destinos turísticos através das séries de ficção: uma alternativa publicitária", publicado na Revista Turismo & Desenvolvimento.

 

"Na altura de escolher a produção de uma série, cada vez se tem mais em conta o local onde terá lugar. Se a acção se desenrolar num sítio paradisíaco, essa paisagem terá repercussões na trama e fará parte da história. E na hora de ‘chegar’ aos espectadores, isso é fundamental. O seu sentido de ligação à trama será maior se o local onde sucedem os factos for real, se puder ser visitado, tocado e pisado. Assim, uma série que tenha apostado numa localização especial poderá também apostar numa repercussão turística desse espaço", refere o website espanhol ZenithMedia.

 

E dá um exemplo: "Uma das séries que maior repercussão teve nos últimos anos foi Lost (Perdidos)". A produção da ABC conta a história dos sobreviventes da queda de um avião numa ilha desconhecida. E a ilha onde se gravou a maioria das cenas de exterior chama-se Ohau, se bem que, à conta da série, seja também conhecida como a ilha de Lost. "Este local, que já era popular, pois trata-se da terceira maior ilha do Hawai e é muito frequentada por surfistas, com o impacto da série viu o turismo disparar", acrescenta a mesma fonte. Se entrar no endereço de internet lostvirtualtour, pode marcar a sua visita à zona onde decorrem os palcos de gravação. 



Um outro local de fama internacional é o Castelo de Highclere, em Berkshire (Inglaterra), cenário da residência dos Crawley, a família protagonista da série britânica Downtown Abbey. "A repercussão que esta série teve, sobretudo nos EUA, cristalizou-se num ‘tour’ ao local, denominado Experiência Downtown Abbey – e que é realizado pela operadora turística Brit Movie Tours", diz o ZennithMedia. "No Reino Unido, os bilhetes até ao Castelo de Highclere valem ouro", refere, por seu lado, o The Independent.


E por cá?

 

Portugal, apesar de não estar ainda associado a um destino turístico cinéfilo ou seriéfilo, tem sido palco de rodagem de muitos filmes não só de produção nacional mas também internacional. É o caso de Moby Dick (1956), 007 – Ao serviço de Sua Majestade (1969), Os Comandos da Morte (1978), A Casa da Rússia (1990), A Casa dos Espíritos (1993), A Nona Porta (1999), O Círculo Invisível (2001), Mouth to Mouth (2005) e outros que pode ler aqui. E se quiser saber mais sobre algumas cidades portuguesas que têm cativado inúmeros realizadores e sido escolhidas como cenário de grande parte das acções dos seus filmes, consulte o apanhado deste blog de viagens.


Nesta tendência do turismo induzido pelos filmes e pelas séries de televisão, há outras conclusões interessantes: quanto mais favorável é a imagem de um local, maior a probabilidade de ser eleito como destino de viagem; além de que um filme ou série de TV pode dar a conhecer determinados aspectos de um país, como a natureza, cultura e povo, o que resulta na construção de uma imagem e das atitudes em relação a esse país, observam os professores Claudia-Elena Tuclea e Puiu Nistoreanu num ensaio publicado no Cactus Tourism Journal, intitulado "Como podem os filmes e os programas de televisão promover o turismo e aumentar a competitividade dos destinos turísticos".

 
A série que fez esgotar um batom

E não só ganham os locais, operadores, hotelaria, restauração, actores e produtores, como também quem vende produtos de eleição de algumas séries. É o caso da série The Descendents of The Sun (Os descendentes do Sol), que decorre sobretudo na capital sul-coreana, Seul, e que relata o romance entre um soldado e uma médica, sendo campeão de audiências na Coreia do Sul. A série fez subir em 22% as exportações de cosméticos coreanos, entre Janeiro e Março deste ano, face ao mesmo período de 2015, diz a agência Bloomberg. E a nível interno as vendas de baton da marca Laneige (a usada pela protagonista) dispararam 360% no mesmo período face ao trimestre homólogo, tendo mesmo esgotado em muitas lojas.

 

A série é de tal forma popular também na China que o Departamento de Moralidade do país, pertencente ao Ministério da Segurança, emitiu um comunicado advertindo os espectadores de que os programas de TV não retratam a realidade e que podem causar decepções a quem os levar demasiado a sério.

 

Mas, ficção ou não, o certo é que o turismo escalou à conta de muitas das séries que correm mundo. Com tantos roteiros e com a panóplia crescente de ofertas para os "seriéfilos, se é fã de uma série, um fiel seguidor de todas as temporadas de uma trama que o apaixona e o prende ao ecrã, não se deixe ficar pelo sofá. Viva cada momento, in loco. E pode começar a fazer já as malas. 



Os diferentes tipos de destino vinculados aos filmes ou séries de TV
Os cenários específicos de rodagem
Os países/cidades onde se desenrola a ficção
As cidades onde se encontram os estúdios cinematográficos
Os locais de residência ou nascimento de actores, realizadores ou guionistas

A ascensão dos destinos turísticos ligados a filmes e séries O website Skift, que apresenta notícias, dados e análises da indústria global das viagens, apresentou em finais de 2013 um relatório onde se debruça sobre a ascensão do marleting dos destinos turísticos através de filmes e da TV, tendo elaborado uma lista com 32 filmes e séries de TV e o impacto dos seus principais locais de rodagem sobre o número de visitantes e receitas turísticas.

O Monumento Wallace, na Escócia, constitui um exemplo emblemático: o aumento de visitantes foi de 300% no primeiro ano após o lançamento do filme Braveheart, o que se saldou uma receita turística adicional de 15 milhões de libras para o país.

O Castelo de Highclere, em Berkshire (Inglaterra), onde vive a família protagonista de Downtown Abbey, tem 1.500 visitantes por dia. E o rancho de Southfork, em Dallas, no Texas, onde decorre a acção da série Dallas, recebe 500.000 visitantes por ano.

E há muitos mais exemplos, que pode ver na lista que se segue: 






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