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O Montijo do sossego está a precisar de emoção
A expansão do aeroporto de Lisboa para o Montijo, formalizada esta quarta-feira, é para a população promessa de desenvolvimento e de emprego.
Rui Santos já tem um plano B para quando o aeroporto de Lisboa se estender ao Montijo. A decisão de abrir a base aérea n.º6 à aviação civil ainda não foi anunciada mas Rui da Praia, como é conhecido, imagina-se a fechar a tasca e a instalar-se com a roulotte de bifanas na zona industrial onde faltam cafés.
Tanto Rui como os fregueses do dia estão a favor do novo aeroporto na região. Acreditam que vai desenvolver o concelho e significar mais emprego. Vêem vantagens para o comércio, o turismo ou a construção. "Acho bem que façam o aeroporto aqui, senão iam fazê-lo noutro lado", diz Rui Santos, enquanto tira cafés aos homens que aguardam que o tempo melhore para se fazerem ao rio.
Na praia fluvial do Samouco, vila onde fica a entrada da base aérea, antecipa-se que o projecto signifique a renovação da zona ribeirinha, a demolição das barracas dos pescadores e uma ligação à ponte Vasco da Gama. Reclama-se a requalificação das salinas, boas infra-estruturas viárias, barcos com mais qualidade. Na Tasca do Rui uns já ouviram falar da construção de uma marina, outros de projectos turísticos da empresária angolana Isabel dos Santos.
Do aeroporto Humberto Delgado à base aérea contam-se pouco mais de 30 quilómetros. Quem vai de Lisboa ao Samouco precisa, hoje em dia, de passar pelo Montijo, mas isso deixará de acontecer com a concretização do projecto da ANA - Aeroportos de Portugal, que vai incluir um acesso directo à ponte Vasco da Gama. Em linha recta a travessia do Tejo está a menos de dois quilómetros. O novo aeroporto promete aproximar as duas margens e não apenas fisicamente.
"Aqui está tudo estagnado", lamenta Rui Santos, sublinhando que no Samouco os mais jovens não têm emprego e os pescadores que havia estão velhos e já não vão ao mar. Restam os da pesca desportiva, como lhes chama, e os que andam na apanha da amêijoa. Uma actividade ilegal com os dias contados, garante. "Mal o aeroporto exista o pessoal da amêijoa desaparece", prevê.
Na Tasca do Rui, também ele pescador, mergulhador e nadador-salvador, estão afixadas cartolinas com uma mensagem imperceptível. Dizem "não há fiado" em romeno, explica, por esta ser a nacionalidade da maioria dos que diariamente retiram toneladas de amêijoa do estuário.
Quando a maré baixa são centenas os homens que entram pelo rio e arriscam a vida para apanhar os bivalves. Com ancinhos e sachos na mão e lanternas na cabeça, muitos preparam-se para passar a noite no Tejo.
Na praia fluvial do Samouco, vizinha da base aérea, acumulam-se garrafas vazias, roupa velha, vestígios de fogueiras nocturnas. Os motores dos velhos barcos arrancam com dificuldade. Os cães procuram a primeira refeição. A vegetação desmaiada e desordenada do lado de fora do perímetro militar contrasta com os vigorosos pinheiros mansos que se vêem para lá da rede.
Com uma área de cerca de mil hectares de terra plana, a base aérea n.º 6 – como se passou a chamar o Centro de Aviação Naval Sacadura Cabral a partir de 1953 quando foi incorporado na Força Aérea – quase nem é notada pela população. Só muito de vez em quando se ouve algum dos helicópteros ou aviões que integram a sua frota.
Com a extensão do aeroporto Humberto Delgado ao Montijo vai ser possível realizar na infra-estrutura da margem sul até 24 movimentos por hora. Um acréscimo de capacidade que vai responder nas próximas décadas às necessidades de Lisboa, que em 2017 deverá atingir os 25 milhões de passageiros. Esta quarta-feira vai ser dado o primeiro passo para a solução que ficou conhecida como "Portela+1" com a assinatura do memorando de entendimento entre o Estado e a ANA.
Uma questão de hábito
Aviões a descolar e a aterrar a toda a hora é um cenário que não intimida Armando Pacheco, antigo comerciante que está hoje reformado. "É uma questão de hábito", assegura, elogiando o projecto para o Montijo, que considera "muito bem vindo". "É preciso andar para a frente, não podemos ficar parados", repete. Está convicto que o aeroporto vai desenvolver a região, trazer turistas e dar vida ao Montijo.
Pelo que lhe chega aos ouvidos a população local está satisfeita com a escolha, ainda que os mais velhos receiem perder a tranquilidade. Armando Pacheco não tem dúvidas que vão mudar de ideias, até porque foi isso que aconteceu com a construção da ponte Vasco da Gama, inaugurada em 1998, quando temiam que a travessia lhes trouxesse insegurança para a porta de casa.
Já José Manuel Paulo é dos que receiam que a calma desapareça do concelho, ainda muito rural. Saiu da Guarda em criança, foi militar na base aérea n.º 6 durante cinco anos, conheceu a mulher na região e por ali ficou. Admite que o barulho dos aviões seja uma questão de hábito para a população. Como foi para si. O seu terreno fica paredes-meias com a área militar e a casa mesmo no enfiamento da pista. "Todos os dias há aviões e para nós é igual", conta, reunindo à sua volta as ovelhas que pastam por entre gansos verdadeiros, e veados, cogumelos e cavalos de louça. Na sua propriedade estão instaladas luzes de aproximação à pista. São ligadas pelos militares quando há nevoeiro, como aconteceu nessa manhã.
Além dos animais José Manuel Paulo orgulha-se dos seis mil metros quadrados de área de armazéns e oficinas que tem alugados na zona. Sabe de muitos terrenos que estão à venda, mas garante que "ainda não veio ninguém fazer negócio".
A pressão imobiliária
No Montijo prevê-se que o preço das casas suba com a confirmação da localização do novo aeroporto, mas o próprio presidente da Câmara, Nuno Canta, garante que essa pressão ainda não se faz sentir.
A opinião é partilhada por Álvaro Machado, da imobiliária da região Valor Exemplar. Com a possibilidade de haver um novo aeroporto no concelho "as pessoas estão a querer subir os preços das casas", afirma o mediador, que lhes procura explicar que a infra-estrutura ainda não existe.
A zona tem muita procura e pouca oferta, garante. A 30 minutos de Lisboa, ainda é possível comprar um apartamento de luxo por 150 mil euros, assegura. Álvaro Machado já tem visto "gente a rondar terrenos, a saber valores, a informar-se na autarquia sobre o que é possível construir em determinada localização". Terrenos, admite, para futuros hotéis ou rent-a-car. "O ‘boom’ vai acontecer", antecipa.
O mediador imobiliário recorda, contudo, o que se passou quando a ideia era construir o novo aeroporto no campo de tiro de Alcochete. "Houve investidores que andaram a comprar terrenos a preços caros que agora só dão para plantar alfaces", frisa, contando o caso de "construtores que ficaram agarrados".
Nas últimas quatro décadas a localização do novo aeroporto de Lisboa pareceu muitas vezes estar decidida. Os primeiros estudos de localização consideraram cinco possibilidades, todas na margem Sul, recaindo a opção no início dos anos 70 em Rio Frio. O projecto acabou travado pela revolução de 1974 e a crise petrolífera, voltando à agenda nos anos 80. Em 1999 foi seleccionada a Ota, mas sem avanços no terreno. Só em 2005 é que a decisão de construir o novo aeroporto naquela freguesia de Alenquer acabou por ser tomada, mas bastaram dois anos para que um estudo financiado pela Confederação da Indústria Portuguesa a pusesse em causa. Apontava-se então como solução o campo de tiro de Alcochete, que nunca tinha sido considerada antes. Apesar do "jamais" do então ministro das Obras Públicas Mário Lino, a escolha de Alcochete foi anunciada em 2008, mas mais uma vez não passou dos estudos.
Com a chegada da troika, a solução do Montijo, já antes ponderada, voltou a estar em cima da mesa. Em vez da construção de um novo aeroporto, a preferência recaía na "Portela+1". A utilização da base aérea como pista complementar era encarada não só como uma solução mais rápida, mas principalmente mais barata. O custo da obra está estimado em pouco mais de 200 milhões de euros e o actual ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, já anunciou que em 2019 os trabalhos estarão no terreno.
À espera do progresso
O ritmo agrada a António Parreira, dono da Quinta Moinho da Praia, no Samouco. Em sua opinião, o concelho "precisa de vida, de estímulos, de acreditar em alguma coisa". Com o novo aeroporto, "o Montijo vai ser falado", antecipa, salientando que para o comércio, a indústria e a construção "é bom que chegue o progresso".
O seu restaurante-bar panorâmico fica em frente à praia fluvial, a poucos metros da rede que impede o acesso à área militar. Com o avanço da nova infra-estrutura não receia que o espaço onde organiza casamentos e baptizados seja afectado. "É para manter", garante o empresário, que não esconde a expectativa que o novo aeroporto traga uma nova dinâmica, porque "o sector anda a viver um dia de cada vez".
António Parreira já tem ouvido críticas de quem não quer ver o sossego desaparecer. "Nunca vai ser como Lisboa", garante, deixando claro que não se dá bem com a confusão da capital. Os aviões, afirma, não vão passar por cima do centro do Montijo, mas pelo rio, e a entrada do futuro aeroporto será feita pelo Seixalinho, do lado oposto da península do Montijo.
A poucos metros da base – que tem também ela um cais – fica o terminal fluvial do Seixalinho, onde chegam e partem, de meia em meia hora, as ligações da Transtejo ao Cais do Sodré. Um percurso que, com a futura infra-estrutura, servirá também os turistas que tenham como destino a capital.
O concelho do Montijo conta com cerca de 50 mil habitantes. Em 2015 foi considerado num estudo do Instituto Nacional de Estatística a cidade mais atractiva de Portugal Continental por ter registado um crescimento de 18% de novos residentes entre 2007 e 2011. Um título que vários mupis na cidade assinalam e que o projecto do novo aeroporto pode renovar.
Aos 50 anos, Rui Santos conta os 45 em que está na região. "Se tiver de sair daqui tenho pena", confessa o dono da tasca junto ao Tejo, que mantém o optimismo de que novas oportunidades surgirão.