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Morte na Singapore Airlines: as alterações climáticas estão a piorar a turbulência aérea?
O incidente que ocorreu a 20 de maio num Boeing 777-300ER e que levou à morte de um passageiro britânico faz levantar questões sobre a segurança aérea, à medida que as alterações climáticas e os ventos a níveis recorde parecem não abrandar. "Cada 10 minutos de forte turbulência no passado podem-se tornar em 20 ou 30 minutos no futuro", dizem os especialistas.
Dez horas de voo. Geoff Kitchen, acompanhado da esposa Linda, estava a caminho de umas férias de seis semanas entre o sul da Ásia e terras australianas, quando o voo da Singapore Airlines em que seguiam caiu 1.800 metros e lançou os passageiros e objetos ao teto da cabine numa questão de segundos.
A aeronave tratava-se, nada mais, nada menos, do que um Boeing 777-300ER, que transportava 211 passageiros e 18 tripulantes de Singapura até Londres. Com a queda abrupta, o britânico de 73 anos acabou por sofrer de um ataque cardíaco durante a aterragem de emergência em Banguecoque e veio, mais tarde, a falecer. A companhia afirma ter sido o primeiro incidente fatal em 24 dos seus 51 anos de história.
Para quem faz viagens de avião com regularidade pode já se ter deparado com alguma turbulência durante o voo, que dá um friozinho na barriga. É praticamente inédito que a turbulência seja a causa única da queda de um avião, mas, o incidente de 20 de maio, embora raro - quando comparado com os milhões de voos que descolam todos os anos -, poderá ocorrer com mais frequência à medida que as alterações climáticas seguem para trajetórias alarmantes.
A turbulência dá-se através de uma perturbação no ar e existem vários motivos para ocorrerem: por exemplo, terrenos montanhosos podem alterar o fluxo de ar, sendo este forçado a subir sobre o terreno natural, o que pode causar ondas que provocam turbulência, explicam os cientistas consultados pela AlJazeera.
Entre todos os possíveis motivos, aquele que causa mais preocupação aos especialistas é a "turbulência em ar limpo" - a que ocorre fora das nuvens, aponta o jornal, que explica que, para saberem onde se dão estes fenómenos, os pilotos ouvem indicações do colega que lá tenha passado minutos antes. É possível ainda prever turbulência forte através de dados de sensores, de satélites terrestres e de radares – no entanto, estes últimos não conseguem detetar turbulência de ar limpo e sem nuvens.
Causa-efeito das alterações climáticas
Mas, e o que é que as súbitas mudanças de temperatura têm a ver com este fenómeno? Tudo. Estão a tornar a turbulência mais regular e "severa", segundo o investigador Jung-Hoon Kim, da Universidade Nacional de Seul. E os estudos universitários um pouco por todo o mundo assim o confirmam. O cientista Paul Williams, da Universidade de Reading, no Reino Unido, concluiu que sobre o Oceano Atlântico a turbulência em ar limpo — que é mais forte do que a gravidade da Terra — foi 55% mais frequente.
O que as alterações climáticas, nomeadamente as emissões de gases com efeito de estufa, criam é o fortalecimento das correntes de vento que causam turbulência, explicou Williams. Noutro estudo por si conduzido, o investigador viu o fenómeno a piorar à medida que a temperatura aumentava e que os voos se aproximavam de zonas montanhosas e nubladas.
Em Chicago, estudos académicos concluíram que a velocidade do vento em "altos ceús" vai subir 2% por cada grau Celsius que a Terra aquecer, o que se deverá transformar em 4 graus Celsius até ao final do século - se os gases com efeito de estufa continuarem a aumentar ao nível atual. A temperatura global avançou pelo menos 1,1 graus Celsius desde a era pré-industrial. Durante esse período, foi a partir de 1975 que se registou o maior aumento, segundo a NASA.
Mas, de volta aos voos. A solução dos académicos cinge-se apenas à redução da velocidade dos voos pelas companhias aéreas, de forma a limitar os impactos das turbulências causadas pela força recorde atingida pelos ventos. E, claro, viajar com os cintos de segurança apertados.
Apesar do elevar do fenómeno, os cientistas apelidam-no como "raro" e ainda não totalmente "alarmante". "Não é que tenhamos de parar de voar perante alguma inevitabilidade de os aviões começarem a cair do céu. Só creio que, cada 10 minutos de forte turbulência no passado podem-se tornar em 20 ou 30 minutos no futuro", ressalvou Williams, citado pela Nature.
Pode demorar semanas até se desvendar o mistério da queda de 1.800 metros de 20 de maio, acredita Williams, mas a presidente da Associação de Comissários de Bordo, Sara Nelson, afirmou que "os relatórios iniciais parecem indicar turbulência em ar limpo, que é o tipo de turbulência mais perigoso. Não pode ser visto e é praticamente indetetável com a tecnologia atual. Num segundo, estamos a navegar suavemente; no seguinte, passageiros, tripulantes e carrinhos ou outros objetos desprotegidos são projetados para fora da cabine", cita a AlJazeera.
Tudo aponta para o crescer do fenómeno nos próximos anos caso não se trave ou, pelo menos, abrande as alterações climáticas. O que se sabe é que o caos instalado na Singapore Airlines poderá prejudicar a companhia aérea em milhões de euros. Segundo a AlJazeera, os incidentes causados pela turbulência custam à indústria até 500 milhões de dólares (460 milhões de euros) todos os anos.