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A retalhista da Croácia que pode vir a ser o Lehman Brothers dos Balcãs
Há quem lhe chame o Lehman Brothers da Croácia. Os seus apuros levaram a Agrokor, em Abril passado, para as mãos do Estado. Ao fim de 15 meses de reestruturação, o mais provável é ser liquidada e vendida por partes. O antigo império está a desmoronar-se.
Chama-se Agrokor e já foi um grande monopólio na Croácia, na época em que era o maior empreendimento privado do país e do ocidente dos Balcãs. Em Abril, começou a queda. Confrontada com elevadas dívidas, passou para as mãos do Estado. Os 700 supermercados Konzum desta cadeia de retalho estão espalhados por toda a Croácia e em países como a Eslovénia, Bósnia, Sérvia e Montenegro, mas esta é uma realidade que parece não poder conseguir manter-se.
Diz a The Economist que o seu fundador, Ivica Todoric, vive num castelo. Mas as muralhas da sua cadeia já não são as fortes edificações de outrora. A Agrokor passou para as mãos do governo croata e Todoric, que tecnicamente ainda é o dono, passou a ser o administrador. Isto marca "o fim de uma era que começou há 25 anos", comenta à revista britânica o responsável pela liquidação do grupo, Ante Ramljak.
"Os números são extraordinários, atendendo a que a população da Croácia ronda os quatro milhões e que toda a região pós-Jugoslávia tem cerca de 20 milhões de habitantes. Já a Agrokor é composta por 143 empresas, que empregam perto de 57.000 pessoas directamente", sublinha a The Economist.
Se forem incluídos os fornecedores e todos aqueles cujos empregos podem ser afectados por este "colapso caótico", então são 500.000 os que podem ser apanhados por este tumulto", comenta Ramljack à revista. E prossegue: "se tudo aquilo que o grupo Agrokor detém fechar, a economia da Croácia poderá encolher 10% ou mais".
"Esta empresa do ramo alimentar é o Lehman Brothers da Croácia", dizia a Bloomberg no passado dia 14 de Setembro, em referência à queda do banco norte-americano nove anos antes. A agência noticiosa já referia em Julho, também sobre este caso, que "o Verão que poderia ter salvo a Agrokor da decadência poderá nunca chegar".
Segundo a Bloomberg, os apuros da Agrokor ameaçam toda a economia do país. "Não é o Lehman Brothers de há uma década – e não é sequer um banco. Não, desta vez é a Agrokor, uma fabricante do ramo alimentar na Croácia – e o seu potencial desmoronamento poderá mesmo alargar a influência da Rússia na Europa de Leste", referiu a agência no passado dia 14 de Setembro.
A Agrokor precisaria que os milhões de turistas que acorrem anualmente à Croácia gastassem o dinheiro nos seus supermercados Konzum, mas não é isso que tem acontecido. Até mesmo os locais têm optado por concorrentes como o Lidl, refere a agência norte-americana.
"Eu costumava fazer compras no Konzum, mas agora vejo que os produtos do Lidl são melhores e mais baratos", comentou à Bloomberg um cliente daquela cadeia, Nebojsa Kovacevic.
A forte concorrência e a má publicidade de que a Konzum tem sido alvo precipitou os apuros financeiros. Segundo Ramljack, o conglomerado Agrokor poderá deixar de existir, no seu actual formato, assim que terminem os 15 meses de administração estatal – período que teve início em Abril passado, quando as suas dívidas ascendiam a 40,4 mil milhões de kunas (5,036 mil milhões de euros).
Agora, uns meses depois, as dívidas conhecidas da Agrokor ascendem a pelo menos 6,74 mil milhões de euros, salienta a The Economist. Mas o total pode revelar-se bem maior: é preciso que as auditorias a suspeitas de irregularidades estejam concluídas para se chegar à real dimensão do passivo da retalhista.
A casa-mãe Agrokor será liquidada e os seus três segmentos – retalho, alimentação e sectores não-core – vão ser vendidos para financiar os reembolsos da dívida aos obrigacionistas, avançou recentemente o responsável pela liquidação do grupo, citado pela Bloomberg.
Várias subsidiárias da Agrokor deram entretanto as suas propriedades como colateral para o empréstimo de 480 milhões de euros contraído em Junho passado, informou a EuropaProperty. O montante total do crédito foi de 1.060 milhões de euros, mas apenas 530 milhões são de novo crédito [e 50 milhões destinam-se aos fornecedores], já que o restante se destinou a refinanciar dívida antiga.
Se a empresa não conseguir pagar esta dívida com uma maturidade de 15 meses, o referido património irá sobretudo para as mãos de bancos estrangeiros, segundo o The Voice of Croatia.
Em 2014, a Agrokor comprou a Mercator, uma gigante do retalho da Eslovénia que se viu em apuros. Os croatas rejubilaram com esta compra, mas este sentimento estava mal direccionado, salienta a The Economist. É que, nessa altura, a maior concorrência que os supermercados Konzum enfrentavam provinha de rivais estrangeiros surgidos da abertura dos mercados croatas após o país ter aderido à União Europeia em 2013.
Assim, a ideia de que esta compra levaria à criação de uma das maiores cadeias de retalho da Europa Central e Oriental, ajudando a reconstruir laços na ex-Jugoslávia, caiu por terra, recorda o Financial Times. "Em vez disso, o negócio contribuiu para que o grupo croata ficasse à beira do abismo", segundo o FT.
A Mercator, explica por sua vez a The Economist, revelou-se demasiado grande para a Agrokor. "À medida que os bancos nacionais e estrangeiros começaram a afastar-se, os russos entraram. E isso acabou por se revelar um erro", frisa a revista. O Sberbank, a maior caixa poupança da Rússia e também o maior credor da Agrokor, tem a receber 1,1 mil milhões de euros e intentou uma acção contra Todoric por fraude, acusando-o de ter celebrado sucessivos acordos de refinanciamento com alguns credores para conseguir mais dinheiro.
As perspectivas afiguram-se, então, bastante sombrias. Até porque as receitas da Agrokor têm vindo a descer cada vez mais com maior expressividade: nos primeiros cinco meses do ano, quando ainda correspondiam a mais de 15% do PIB do país, estavam a cair 11%, em termos homólogos.
Com tudo isto, o antigo império parece estar a desmoronar-se e, com isso, a ameaçar uma forte crise. Segundo a BBC News, o caso é tão sério que pode mesmo desencadear uma recessão na Croácia. E há quem, de direito, corrobore essa ideia: "o colapso da Agrokor poderá provocar uma recessão", afirmou recentemente a ministra croata da Economia, Martina Dalic.