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Regulação e Concorrência em Portugal

É bem sabido que em Portugal não existe uma verdadeira tradição de política de concorrência nos mercados de bens e serviços (aliás um conceito alheio aos portugueses durante quase todo o século XX) e regulação, sendo certo que ainda hoje com frequência se

28 de Abril de 2005 às 16:52
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É bem sabido que em Portugal não existe uma verdadeira tradição de política de concorrência nos mercados de bens e serviços (aliás um conceito alheio aos portugueses durante quase todo o século XX) e regulação, sendo certo que ainda hoje com frequência se confunde regulação pública com intervenção do Estado na economia, como se ambas fossem o mesmo, ou mistura-se o conceito de agência regulatória (necessariamente supervisora e independente) com administração pública autónoma.

Neste curto ensaio espero poder convencer o leitor que existem razões históricas fortes para explicar o atraso de Portugal na construção de um Estado-regulador no verdadeiro sentido da palavra.

A regulação de mercados em Portugal seguiu as etapas políticas do século XX, incluindo o corporativismo, o socialismo, e o chamado model social europeu do final de século, e sofreu um processo de mutação complexo que reflecte as alterações profundas da economia portuguesa. Evidentemente que os modelos jurídicos e regulatórios ao longo do século XX reflectiram as prioridades ideológicas e políticas subjacentes e, desse modo, também as opções económicas dos vários períodos que Portugal viveu, mas esta não é a única razão pelo atraso na introdução de concorrência nos mercados.

Uma segunda razão fundamental a considerar é a captura das instituições pelos grupos de pressão e interesses instalados, cuja enorme capacidade de resistência e adaptação em vista dos diferentes ciclos políticos vividos ao longo do século XX desvalorizou a prossecução do interesse público. Reflectem esta perspectiva a persistente confusão entre institutos públicos e agências de regulação e supervisão, bem como a criação bem tardia (já em 2003) de uma autoridade independente para a concorrência. Do ponto de vista teórico, Portugal satisfaz boas condições para favorecer a captura das instituições, nomeadamente a dimensão reduzida e homogeneidade da elite, a desorganização e consequente fraca expressão da sociedade civil, a falta de accountability( até de difícil tradução para o nosso idioma), a hierarquização e estratificação das relações sociais e laborais, e a concentração da riqueza. Os resultados práticos são bem conhecidos...

A Constituição económica é em Portugal o conjunto de normas e princípios que estabelece as linhas orientadoras da organização económica, um modelo consistente com a tradição continental, menos liberal que a dos países de common law, e que portanto oferece o enquadramento primordial da regulação pública de mercados.

As Constituições anteriores à de 1933 consideravam a liberdade económica e a propriedade privada valores fundamentais e suficientes para determinarem a regulação global da economia. A Constituição de 1933 opta pelo modelo corporativo em voga na Europa dos anos vinte e trinta e em clara contraposição ao Estado-regulador, então já em construção nos Estados Unidos. Esta opção tem consequências nas incumbências do Estado, nomeadamente na consagração do direito de intervenção e gestão das actividades económicas pelo Estado e estabelecendo princípios de intervenção pública nos mercados.

A organização corporativa esteve de facto cativa do Governo que criou um conjunto de instrumentos de regulamentação económica com o propósito de proteger a indústria nacional. A Lei de Condicionamento Industrial de 1937 poderá ter facilitado a constituição de alguns grupos económicos portugueses protegidos da concorrência externa e interna, mas eliminou a concorrência de mercados de forma prolongada ao longo do século XX. Verdade seja dita que a participação portuguesa na EFTA, em 1960, e o acordo comercial celebrado com a CEE, em 1972, permitiram algum grau de concorrência em diversos mercados mas de forma débil e sem uma alteração qualitativa do enquadramento institucional e custos de contexto. O período pós-1974 veio impulsionar uma regulação excessiva e centralizada dos mercados.

A onda de nacionalizações e consequente enquadramento legal e institucional (incluindo a protecção constitucional) caracterizou-se pelo combate aberto aos grupos económicos dominantes por razões políticas, e não de competitividade. Muitos sectores foram fechados à iniciativa privada. A Constituição de 1976 estabeleceu detalhadamente uma organização económica com vastíssimos direitos sociais e pesadas limitações à liberdade de escolha dos agentes económicos. Desde logo no seu preâmbulo consagra a via para uma sociedade socialista, princípio basilar em que assenta a orientação económica da nova Constituição, reafirmando a organização económica assente nas relações de produção socialistas, favorecendo a intervenção do Estado na economia, declarando a irreversibilidade das nacionalizações, e a delimitação de sectores com claro prejuízo para a iniciativa privada. A Constituição de 1976 prolongava a regulação económica com dirigismo estatal e planificação. Otexto da Constituição de 1976 tem uma orientação económica socialista que rapidamente se revelou anacrónica para uma economia aberta, progressivamente inserida no espaço europeu. Naturalmente a parte económica da Constituição sofreu profundas modificações nas várias revisões constitucionais.

Contudo os cinco anos que mediaram entre as nacionalizações e o início dos anos oitenta viram surgir nos restantes países o conceito moderno de regulação pública de mercados, enquanto que, em Portugal, sobre os activos provenientes da indústria nacionalizada, se desenvolveu o conceito de empresa pública. Os problemas da economia portuguesa, bem como a pressão do modelo europeu no sentido de um Estado mais regulador como contraponto ao modelo do Estado accionista que vigorava em Portugal levou necessariamente a uma fúria privatizadora no inicio dos anos 90. Note-se porém que a essa fúria de privatizações não correspondeu uma vontade liberalizadora.

O Estado-regulador ficava adiado para o final da década. O tema de regulação pública dos mercados, com o objectivo de aí garantir relações de concorrência chegou pois tarde a Portugal, com uma tradição corporativa de quarenta anos, fortemente enraizada e consubstanciada por quinze anos de intervenção centralizada e burocratizada em distintos sectores e indústrias. É por exigência europeia, e não vontade do legislador nacional, que se alteram em 1990 os Estatutos do Banco de Portugal, de modo a garantir a independência do seu Governador face ao executivo.

É também dessa fonte transnacional que advém a urgência de substituição e extinção do modelo de supervisor protagonizado pela dupla Conselho da Concorrência-Direcção Geral da Concorrência e Preços, ligado pelo cordão umbilical ao Ministro da Economia, e da anterior legislação sobre concorrência vigente nos anos oitenta e noventa. Sensivelmente vinte anos mais tarde que as economias mais desenvolvidas da Europa, Portugal adopta nova regulamentação Compatível com as redes europeias de supervisores.

Ao longo dos anos de 1990 e nos primeiros anos do séc XXI, contam-se em Portugal onze entidades reguladoras dos mercados. São o Banco de Portugal (com reforma dos estatutos em 1990), a Entidade Reguladora do Sector Eléctrico (1995), o Instituto de Seguros de Portugal (1997), o Instituto Nacional de Transporte Ferroviário (1998), o Instituto Regulador de Águas e Resíduos (1998), o Instituto Nacional de Aviação Civil (1998), o Instituto de Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (1999), a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (1999), um organismo de coordenação das reguladoras do âmbito financeiro como o Conselho Nacional de Supervisores (2000), a Autoridade Nacional das Comunicações (ICP-ANACOM, 2001), a Autoridade da Concorrência (2003), e por fim a Entidade Reguladora da Saúde (2003).

Como conclusão podemos dizer que o legislador ao longo do século XX desenhou um enquadramento legal para a actividade económica em Portugal mais restritivo (pela extensão e detalhe das normas jurídicas com conteúdo económico), mais inflexível (pela dificuldade em rever o texto constitucional quando comparado com leis ordinárias nos outros países), e mais intervencionista (onde os interesses do colectivo legitimamente representados pelo poder político democrático se sobrepõe à liberdade de decisão individual) que qualquer outro país da União Europeia.

Os anos de 1990 foram sem dúvida de grande inovação em termos de regulação pública de mercados, aproximando o ordenamento interno ao dos restantes países da União Europeia. Contudo, facilmente se conclui da exposição dos problemas encontrados com o actual ordenamento e da tradição fortemente corporativa e governamentalizada da regulação pública em Portugal, que para o século XXI fica o problema mais importante de solucionar: pôr a regulação pública dos mercados ao serviço da competitividade da economia portuguesa. Leitura Adicional: Uma análise mais profunda do tema pode ser lida em «Instituições e Enquadramento Legal» por Nuno Garoupa e Leonor Rossi, na História Económica de Portugal, Século XX,Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 2005.

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