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O mercado das telecomunicações em Portugal

A intenção do presente texto é uma breve apresentação do actual estado do mercado das telecomunicações em Portugal e dos desafios que se colocam em termos de regulação e criação de concorrência.

10 de Novembro de 2005 às 11:50
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1. A intenção do presente texto é uma breve apresentação do actual estado do mercado das telecomunicações em Portugal e dos desafios que se colocam em termos de regulação e criação de concorrência. Na verdade não se trata de um só mercado mas de um grande conjunto de mercados que, de um lado, podem ser distinguidos em função da posição na cadeia de valor, quer dizer, segundo se tratam de serviços oferecidos num mercado grossista, ou num mercado retalhista, e do outro em função do tipo de serviços prestados ao cliente: telefonia fixa, telefonia móvel, acesso a internet, aluguer de linhas etc. A Comissão Europeia, na sua Recomendação de 11 de Fevereiro de 2003 sobre os «mercados relevantes para regulação ex ante» já listou 18 mercados, alguns dos quais serão referidos ao longo do texto.

2. Convém lembrar que a actuação de todos os intervenientes nestes mercados, tanto das empresas ou do regulador sectorial ICP-ANACOM, está sujeita ao novo Quadro Regulatório que foi criado com as Directivas 19/2002 a 22/2002 da União Europeia, transposto para o direito Português na Lei n.º 5/2004 (Lei das Comunicações Electrónicas). Além do quadro regulamentar, o comportamento das empresas pode ser sancionado ex post seguindo as disposições da Lei n.º 18/2003 (Lei da Concorrência), sendo esta lei aplicada pela Autoridade da Concorrência.

3. Uma dificuldade adicional para a regulação presente e futura, e patente até na simples descrição destes mercados, reside na convergência crescente entre os vários serviços (por exemplo entre a telefonia fixa e móvel), e no aumento do número das plataformas tecnológicas diferentes utilizadas para prestar os mesmos serviços. Para dar um exemplo, o serviços de telefonia em lugares fixos é não só prestado através da rede fixa («cobre»), mas também através de redes de televisão por cabo («cabo»), redes sem fios, e até através de redes de telefonia móvel. Estas alternativas, mesmo as mais recentes, já foram previstas há anos pela Comissão Europeia,  mas a divisão rígida dos «mercados relevantes» pela mesma Comissão Europeia dificulta o ajustamento do trabalho do regulador a novas realidades.

A situação complicar-se-á ainda mais com o futuro uso da plataforma da internet com banda larga para fornecimento de telefonia fixa através do protocolo VoIP (Voice over IP): será já num futuro próximo a telefonia fixa um serviço entre muitos outros prestados através da banda larga, ou será a telefonia VoIP um exclusivo dos info-incluídos? O próprio acesso à internet por banda larga é prestado através da rede fixa (ADSL), das redes cabo, redes sem fios, WiFi (rede sem fios a curta distância), e redes móveis de 3ª geração. Será preciso muito cuidado para definir que serviços são substitutos entre si, tendo em conta por exemplo o trade-off velocidade contra mobilidade para estabelecer se partilham o mesmo mercado ou não. Mesmo parecendo trivial (que não é), este último é o ponto de partida de qualquer exercício de regulação sectorial ou controlo da concorrência.

A lista dos «mercados relevantes» está neste momento em revisão, e espera-se que uma nova versão seja publicada até o final de 2006. Além de ter em conta os desenvolvimentos acima mencionados, é provável que seja retirado um ou outro mercado desta lista por se considerar que neles já existe «concorrência efectiva» em todos os países. Tendo o leitor sido acautelado sobre estas incertezas no enquadramento futuro destes mercados, prosseguimos com uma breve descrição dos mercados de telefonia fixa, acesso à internet e telefonia móvel nas suas definições actuais.

4. Os mercados de telecomunicações de maior importância histórica são os da telefonia fixa, agora divididos nos mercados retalhistas de acesso à rede e de serviços telefónicos («mercados relevantes» 1 a 6), e nos mercados grossistas de «originação» (início),  «terminação» (fim) e transporte de chamadas na rede fixa (mercados 8 e 10) e desagregação do lacete local (aluguer da «última milha» a outro operador, mercado 11). Em todos estes mercados nota-se uma grande dominância da Portugal Telecom (PTC) que a abertura destes mercados à concorrência no ano 2000 quase não conseguiu afectar. Em meados de 2005 a PTC controlava ainda 93% dos acessos a clientes finais , tendo quase igual quota de clientes de acesso directo, o que significa que o acesso telefónico disponibilizado pelos operadores concorrentes da PTC através de redes cabo e da desagregação do lacete local atingiu os 7%. Enquanto o número total de acessos se situa nos 4.2 milhões, estando em leve decréscimo (-1.5%), já o tráfego de voz na rede fixa diminuiu em 7.4% entre 2004 e 2005 em minutos, e 6.1% em número de chamadas. Com a mudança dos utilizadores para acessos de banda larga, o tráfego de acesso de internet de banda estreita por dial-up, que é também contabilizado em minutos de tráfego na rede fixa, apresentou uma redução anual de 40%. Trata-se assim de uma perda de importância para os mercados da telefonia móvel e do acesso à internet em banda larga. A redução de tráfego na rede fixa poderá agravar-se com a adopção generalizada da telefonia VoIP através da banda larga, o que por sua vez acelerará também a já visível mudança do modelo de negócio na rede fixa para um mais dirigido á banda larga e menos concentrado na telefonia de voz.

A quota de mercado da PTC no tráfego telefónico de voz, em termos de minutos e chamadas, situa-se sensivelmente nos 75%, o que corresponde a uma redução de três pontos percentuais em relação ao mesmo período do ano anterior. Esta discrepância, que revela uma bastante maior quota de mercado dos operadores concorrentes no tráfego e bastante menor no acesso, resulta do acesso indirecto por pré-selecção e chamada-a-chamada, onde a PTC continua a fornecer o acesso.

Do ponto de vista regulatório, a PTC continua dominante (com «poder de mercado significativo») em todos estes mercados, sendo por isso sujeita a obrigações ex ante impostas pela ANACOM ao nível de serviços retalhistas e grossistas para proteger clientes finais e concorrentes de possíveis abusos deste poder de mercado.

A PTC assegura igualmente o serviço universal de acesso telefónico e de internet de banda estreita, não só em termos de acessos pedidos por clientes finais, mas também em termos de telefones públicos. A nível internacional continua por responder se esta prestação do serviço universal deve originar uma compensação financeira, ou se só por si garante uma vantagem significativa em termos de visibilidade e acesso a clientes leais. Futuramente a própria prestação do serviço universal poderia ser posta a concurso.

5. O acesso à internet em banda larga, até recentemente, foi prestado por duas vias: através da rede fixa (tecnologia ADSL) e redes cabo. Estas últimas tiveram a maioria de acessos de banda larga até ao início deste ano, tendo sido entretanto ultrapassadas por acessos ADSL. Neste momento existem cerca de 500 mil acessos por cabo e 600 mil por ADSL, o que corresponde a uma penetração de 10% na população total e coloca Portugal na cauda dos EU15, embora ainda assim à frente da Alemanha e da Espanha. A penetração da banda larga nos lares com computador é bastante alta, mas comparativamente poucos lares têm computador.

Como acima mencionado, o futuro da rede fixa poderá situar-se mais na prestação de acessos à internet por banda larga. É consistente com esta observação o facto das mais recentes «batalhas» na telefonia fixa, envolvendo as ofertas grossistas de acesso à banda larga («Rede ADSL PT», mercado 12), e a desagregação do lacete local, se terem desenvolvido acerca do acesso à internet, tendo cumulado em pedidos de separação estrutural da PTC. A ANACOM foi muito activa no mercado da banda larga, tendo reformulado as ofertas grossistas e melhorado significativamente as condições de oferta de lacetes locais, sobre os quais os outros operadores podem criar ofertas de telefonia fixa e banda larga claramente diferenciadas das da PTC. As recentes ofertas de acesso à internet com larguras de banda muito além dos 512kb/s resultam deste trabalho.

A PTC continua a ser proprietária da rede fixa e da maior rede de cabo (a TVCabo), o que inviabiliza uma concorrência entre estas duas plataformas. Este facto foi apontado como uma das razões pelo lento desenvolvimento da tecnologia ADSL em Portugal. Duas variantes principais da separação estrutural foram propostas. A mais conhecida é a separação «horizontal» entre a rede fixa e a TVCabo. Esta separação criaria um duopólio verticalmente integrado, o que teria a vantagem de originar mais concorrência potencial, mas não traria a certeza de uma maior concorrência, além de não melhorar a sustentabilidade de terceiros operadores. A segunda variante é a separação vertical entre o negócio grossista de acesso de um lado, e os demais negócios grossistas e retalhistas do outro, como neste preciso momento está a ser feito numa versão não estrutural com a British Telecom na Grã-Bretanha, tendo sido fundada uma nova subsidiária da BT chamada Openreach que prestará serviços de acesso a todos os operadores. Esta separação teria a vantagem de criar um level playing field para todos os operadores, ao mesmo tempo que existirão problemas acerca de credibilidade e efectividade da separação. Em qualquer um dos casos, a iniciação de um processo de separação não resolverá os problemas a curto prazo, sendo a presença e intervenção do regulador necessárias enquanto não existir uma concorrência efectiva sustentável a longo prazo.

Como nota de margem, menciona-se aqui que a previsível entrada da nova tecnologia «Powerline» (banda larga através da rede de electricidade), tendo em conta o conteúdo de uma recente entrevista, limitar-se-à provavelmente a regiões de Portugal sem outros acessos de banda larga, evitando-se assim uma exposição à concorrência dos operadores existentes.

6. A telefonia móvel em Portugal tem certamente uma historia de sucesso, tendo sido recentemente ultrapassado o nível de penetração de 100% (cartões SIM por população). Ao mesmo tempo que o mercado de retalho se desenvolveu muito desde os anos 90, adoptando as novas tecnologias digitais de GSM, GPRS e agora UTMS, e introduzindo inovações tarifárias como as cartões pré-pagos, persistem dúvidas se a dinâmica competitiva se traduzirá em melhores condições futuras para os clientes finais, tendo o regulador já sinalizado que veria com bons olhos um aumento da intensidade concorrencial. Como noutros países da UE poderiam surgir MVNOs (operadores móveis virtuais) se houver acordos sobre acesso e origem de chamadas móveis com pelo menos um dos três operadores de rede existentes, já que o quadro regulatório plenamente permite a sua actividade. Neste momento este mercado grossista está a ser analisado pela ANACOM, tendo já sido decidido pelos reguladores sectoriais da Grã-Bretanha e da Áustria que não existe poder de mercado significativo no respectivo mercado nacional, e os da Irlanda e da Espanha que existe dominância conjunta dos operadores existentes.  Neste último caso serão impostas obrigações de acesso a favor dos MVNOs.
 
Outro mercado relacionado com a telefonia móvel em que o regulador interveio é o da terminação de chamadas em redes móveis individuais: Cada operador é um monopolista na terminação de chamadas na sua rede, e por isso tem incentivos de cobrar demais por este serviço grossista. A ANACOM impôs um redução gradual dos preços de terminação para 11 cêntimos por minuto no final de 2006, partindo de valores perto de 20 ou 30 cêntimos.

7. Tendo este artigo sido escrito antes do início da conferência anual da APDC, a associação das empresas do sector, e sendo por coincidência publicado no último dia da mesma, espera-se que contribua um pouco para o esclarecimento das questões em cima da mesa, não podendo infelizmente reflectir sobre o que foi discutido ou anunciado nesta dita conferência.

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