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Nótula sobre a concorrência desleal (V) (cont.)

A respeito destes dois últimos pontos, cabe salientar que a liberdade de empresa e correspondente liberdade de concorrer é constitucionalmente reconhecida enquanto liberdade económica ...

29 de Dezembro de 2005 às 13:53
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A respeito destes dois últimos pontos, cabe salientar que a liberdade de empresa e correspondente liberdade de concorrer é constitucionalmente reconhecida enquanto liberdade económica - desenvolvendo-se num espaço juridicamente ordenado, tendo em conta o interesse geral - e apresenta como limite a liberdade e a «propriedade» dos demais. Aactuação dos vários agentes deve basear-se no seu próprio esforço, assentando a concorrência em ofertas que traduzam esse esforço, por parte de cada um (concorrência de prestações), e não numa depreciação ou exploração do mérito alheio.

Designadamente, a conquista do mercado - ou conquista da clientela e correlata implantação e acreditamento nos mercados - deve apoiar-se nomérito próprio e no das respectivas ofertas e não ser reflexo ou consequência de manobras de depreciação dos competidores.

Na verdade, importa encontrar um ponto de equilíbrio entre: 1) por um lado, as «necessidades» de informação e transparência (filocorrenciais e/ou favoráveis ao consumidor), o objectivo demanter abertos osmercados e a liberdade de imitação dos métodos, ofertas ou resultados da actividade alheia não especialmente protegidos; 2) por outro lado, os objectivos de estimular a actividade empresarial inovadora, de criar condições para o retorno do investimento, de desincentivar o parasitismo e de proteger valores de mercado intangíveis contra o risco de depreciação.Oponto de partida é, seguramente, o de que todo o agente económico pode conformar a sua oferta, os seus veículos e métodos de comunicação comercial levando em linha de conta os dos demais, incluindo os concorrentes (liberdade de imitação).Ouseja, poderá incorporar na sua oferta e estratégia de mercado os elementos não protegidos constantes de ofertas e actividades concorrentes.

Todavia, importa, em primeiro lugar, distinguir a imitação propriamente dita de uma inadmissível apropriação directa ou pura e simples dasmanifestações ou resultados do esforço alheio, mediante mecanismos de reprodução adequados, designadamente técnico-mecânicos. Em segundo lugar, uma coisa é a imitação que corresponde a uma normal reacção do mercado e outra, bem diferente, é a imitação sistemática, tipicamente cominaceitáveis efeitos obstrutivos para o normal desenvolvimento da actividade imitada, impedindo a vítima de diferenciar convenientemente a respectiva oferta de bens ou serviços. Em terceiro lugar, também não émera imitação a exploração de conhecimentos reservados comunicados sob reserva ou obtidos com violação de acordos de confidencialidade. Nem, por último, tão-pouco o é aquela que é utilizada como expediente destinado à exploração ou aproveitamento do crédito ou reputação comercial alheios, mesmo que não haja risco de confusão ou de depreciação.

8.2 Liberdade de organização empresarial e concorrência.

- A emergência das empresas em rede de base contratual e das relações contratuais de clientela trouxe, designadamente, o problema da protecção contra novas formas de desorganização como a incitação à ruptura contratual e consequente aproveitamento dessa ruptura. Alição do direito comparado e do direito europeu mostra que o estabelecimento de umadequado ponto de equilíbrio entre esta protecção e as orientações de política concorrencial pública, ou defesa da concorrência, não é tarefa fácil e consensual1.

9. Direito da concorrência desleal e leis com impacto Concorrencial

Um outro pressuposto fundamental da existência de um sistema concorrencial efectivo, equilibrado e salutar (não distorcido ou falseado), promotor do desenvolvimento de iniciativas económicas socialmente úteis, é, como se salientou 2, o de que as actividades económicas se deverão desenvolver no respeito pela lei, condição necessária para a concorrência se poder desenrolar numplano de igualdademínimo (pressuposto da igualdade concorrencial), cabendo ao Estado assegurar que isso aconteça (cfr. os arts. 13, 61, 86.1, 81b) CRP). O eventual não preenchimento desta condição pode representar umfalseamento da competição económica e comprometer a função social que o sistema concorrencial é suposto cumprir: a de promover o progresso económico como via para a concretização do Estado social (cfr. os arts. 58ss, designadamente 61.1 também 81 a)CRP).

9.1 Este aspecto, não sendo pacífico, mostra- se decisivo. De facto, estando em causa leis reguladoras do próprio mercado concorrencial ou cujo cumprimento ou incumprimento possa ter um impacto significativo nas condições de concorrência, só havendo uma estrita observância das mesmas a competição económicados vários agentes se dará emcondições de igualdade, ou assentará numa plataforma igualitária.

O caso da inobservância das leis fiscais, laborais ou da segurança social é paradigmático. Quem não cumpre as respectivas obrigações e evita desse modo os custos correspondentes, fica numa posição de vantagem na concorrência com os cumpridores capaz de lhe permitir não só fazer negócios que de outro modo seriam realizados pelos concorrentes, como, inclusive, conquistar ou melhorar a respectiva posição demercado à custa deles.

Acresce - como também já se observou3 - que, havendo umincumprimento significativo, por parte de alguns competidores, dos direitos privativos alheios, das leis fiscais, laborais, etc., que torne insustentável ou não compensadora a situação dos que cumprem, o resultado será o desaparecimento de iniciativas meritórias ou o acatamento de uma outra regra básica do jogo concorrencial: a imitação do comportamento incumpridor dos outros...

Quer dizer, se, entre outros, este pressuposto da competição económica não for garantido, a própria lógica da concorrência, emvez de ter efeitos socialmente úteis, funcionará como um importante factor de desagregação económica, social e, até, política. E, encarando o direito da concorrência desleal no seu todo, a conclusão vai no mesmo sentido: pela própria lógica do fenómeno regulado, se o direito não for eficaz, vencidos os escrúpulos iniciais, o desrespeito de regras de comportamento básicas poderá vir a tornar-se a norma.

9.2 Compreende-se, assim, amaismoderna orientação no sentido de incorporar no direito geral da concorrência - ou direito da concorrência desleal - o ilícito da violação das normas reguladoras das actividades económicas e/ou com impacto competitivo. Em face da cláusula geral do art. 317 CPI - que considera desleais os actos contrários não apenas aos usos honestos, mas também às normas -, o seu reconhecimento no direito português não deveria suscitar dúvidas especiais quanto ao seu acolhimento, sobretudo tendo em conta o actual contexto jurídico-constitucional. Nessa medida, afigura-se injustificada a subsistente orientação emsentido contrário.

10. O direito da concorrência desleal não se circunscreve ao CPI. Relações de consume

O breve panorama acabado de traçar não reflecte, por si só, o estado actual do direito da concorrência desleal. Por um lado, ele precisa de ver-se em estreita ligação com o direito de defesa da concorrência, quer nos aspectos em que ambos vão nomesmo sentido ou direcção, quer nas zonas de fricção, em que importa encontrar uma solução de equilíbrio, sem prejuízo de o critério de fundo ser o de que o direito de concorrência desleal - como direito geral -, podendo completar ou reforçar subsistemas regulatórios especiais, como o da lei de defesa da concorrência, dos direitos privativos, etc., não pode ir contra o respectivo regime ou comprometer a realização dos seus objectivos. Neste contexto, para além da Lei de defesa da concorrência, merece menção expressa o DL 370/93, cuja função pró-concorrencial e, simultaneamente, pró-lealdade da concorrência, numâmbitomais alargado do que aquele que corresponde à concepção tradicional do direito da concorrência desleal, o próprio legislador salienta.

Por outro lado, no âmbito das relações de consumo, dando concretização às directrizes constitucionais de protecção do consumidor e, em particular, de disciplina da publicidade, a par do CPI, existem diversos diplomas legais a ter emconta, nos quais se destaca o Código da Publicidade. O direito da concorrência desleal terá que ser reconstruído com base em todos eles.

E, até Junho de 2007, haverá de estar transposta para o direito interno aDirectiva relativa às práticas comerciais desleais (2005/29/CE, 11 de Maio 2005), que de certa forma funciona como directiva-quadro, proibindo tais práticas e procurando assegurar a existência de mecanismos eficazes de controlo e sancionamento das mesmas, nas relações com os consumidores. Por conseguinte, nessa altura teremos harmonizada, a nível comunitário, uma parte do direito da concorrência desleal, nesse segmento das relações de consumo.

A Directiva acolhe, designadamente, o critério do consumidormédiocomo padrão de aferição da existência ou não de uma prática enganosa juridicamente relevante, conciliando desse modo os objectivos de tutela do consumidor, da lealdade e da liberdade/efectividade da concorrência. Igual atitude conciliadora se verifica, por exemplo, a respeito do actual regime da publicidade comparativa.

10.1 Publicidade comparativa e concorrência desleal.

-Dada a extensão que a presente nota já assumiu, a exposição destes tópicos, inicialmente prevista, terá que ficar para outra ocasião. Apublicidade comparativa pode,emtodo o caso, servir para ilustrar o equilíbrio de valores e interesses, nemsempre homogéneos, que o direito da concorrência desleal é chamado a realizar. Aposição tradicional do direito da concorrência desleal (do CPI), centrada nos empresários e respectivas ofertas, era-lhe claramente adversa, fundamentalmente por envolver o risco de deslocação da luta concorrencial do confronto das ofertas ou prestações para o do ataque depreciativo, causando danos irreparáveis ou de muito difícil reparação (óptica pró-empresarial, não raro confundida comdefesa de posições demercado adquiridas).Onovo direito da publicidade, constante do CódPub, adoptou uma perspectivamais alargada, fazendo intervir também: (i) o interesse dos consumidores numa melhor informação (óptica pró-consumidor); (ii) e o interesse geral numa maior transparência e na atenuação de existentes barreiras à entrada ou penetração nosmercados por parte de novos concorrentes ou concorrentes secundários (óptica filo-concorrencial).

O recorte do instituto feito na primeira parte deste trabalho reflecte de forma sintética essa ideia, ainda hoje plenamente válida. Todavia, o texto actual do art. 16 do CódPub [na redacção que lhe deu a lei de transposição da Directiva existente nesta matéria (o DL 275/98)] explicita melhor os limites do instituto (acima traçados sem, por lapso, se indicar que a referência era relativa à anterior versão condensada do preceito4) e, aomesmo tempo, tornamais claro o próprio sentido do direito da concorrência desleal na actualidade.

Com efeito, a respeito desta figura, o legislador reafirma alguns dos principais princípios do direito da concorrência desleal, estabelecendo umnovo equilíbrio destinado a ter emconta todos os interesses envolvidos - dos empresários (concorrentes), dos clientes destes ou destinatários das respectivas ofertas e comunicações comerciais (consumidores) e da colectividade em geral (quanto à existência de um regular e eficiente funcionamento dos mercados, com níveis de competitividade, actual e potencial, adequados). Assim, ela será proibida se ocorrer alguma das seguintes circunstâncias:

a) Não for rigorosamente objectiva e pertinente;

b) Criar umrisco sério de indução em erro do consumidormédio visado, comou sem adicional prejuízo para umconcorrente;

c) Criar, em especial, um risco de confusão no mercado entre o anunciante e um concorrente, os respectivos sinais distintivos, produtos ou serviços;

d) Provocar um aproveitamento indevido do renome de sinais distintivos de um concorrente ouque o anunciante nãoestá autorizado ausar, designadamente marcas e denominações de origem; e, em especial, apresentar a respectiva oferta como uma imitação ou reprodução de marca ou «designação comercial» protegida (note-se que, neste caso, havendo uma referência não necessária a essa marca, o problema pode também ser de violação do respectivo direito privativo);

e)Tiver, em geral, umefeito inutilmente nocivo para um ou mais concorrentes, desacreditando- os a eles próprios, às suas actividades, estabelecimentos, produtos ou serviços, ou afectando o carácter distintivo das respectivas marcas ou outros sinais distintivos.

10.2 Acção inibitória.

- Salienta-se, ainda, que, no quadro de uma relação de consumo, existe um direito de acção inibitória sumária e isenta de custas destinada, designadamente, a prevenir, corrigir ou fazer cessar quaisquer práticas comerciais lesivas dos direitos dos consumidores que a lei expressamente proíba [arts. 10.1 1 11.1/2 da Lei de defesa do consumidor (Lei 24/96), abreviadamente, LDCons], sendo a sentença inibitória publicada (art. 11.3 LDCons) e podendo ser acompanhada de sanção pecuniária compulsória, independente de eventual indemnização devida (art. 10.2 LDCons). A acção pode ser proposta pelos consumidores lesados, associações de consumidores e, estando em causa interesses colectivos ou difusos (ou individuais mas homogéneos), pelo Ministério Público e o Instituto do Consumidor (art. 13 LDCons).

Paralelamente, o Código da Publicidade - em caso de publicidade enganosa, publicidade comparativa ilícita ou de publicidade especialmente perigosa - confere à entidade administrativa competente para aplicar as coimas o poder de ordenar medidas cautelares de suspensão, cessação ou proibição de tal publicidade, independentemente de ela ser culposa ou não e da prova de qualquer perda ou prejuízo real (art. 41). Adecisão pode ser publicada e, em casos graves, determinar a emissão de publicidade correctora.

1 Cfr. «supra», 4.2 9), in Jornal de Negócios de 15 de Dezembro, coluna «Concorrência&Regulação».

2 Ver Jornal de Negócios de 22 de Dezembro, coluna «Concorrência&Regulação».

3 Ver Jornal de Negócios de 22 de Dezembro, coluna «Concorrência&Regulação».

4 Ver Jornal deNegócios de 17 deNovembro de 2005, coluna «Concorrência&Regulação». Esta série de cinco artigos sobre Concorrência, que hoje termina, foi publicada, respectivamente, nas edições do Jornal de Negócios de: (I) 17 deNovembro; (II) 15 deDezembro; (III) 22 de Dezembro; (IV) 26 deDezembro

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