Notícia
Nótula sobre a concorrência desleal
O Código da Propriedade Industrial (2003, abreviadamente, CPI) dispõe no art. 331 que os actos de concorrência desleal «definidos nos artigos 317 e 318» constituem ilícitos contra-ordenacionais, passíveis de coima que pode ir de 750 a 7.000 € para as pess
1. Actos de concorrência desleal
O Código da Propriedade Industrial (2003, abreviadamente, CPI) dispõe no art. 331 que os actos de concorrência desleal «definidos nos artigos 317 e 318» constituem ilícitos contra-ordenacionais, passíveis de coima que pode ir de 750 a 7.000 € para as pessas singulares, e de 3.000 a 30.000 € para as pessoas colectivas. Por sua vez, no art. 24.1d), considera-se motivo de recusa do registo de um sinal distintivo, patente, modelo ou topografia o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente dessa intenção. Em parte, os ilícitos concorrenciais do art. 317 respeitam a informações, mensagens ou declarações de carácter publicitário.
O Código da Publicidade qualifica, igualmente, como contra-ordenações a publicidade enganosa e a publicidade comparativa ilícita, embora as sanções variem de montante (art. 34.1, als a) e d)). A publicidade enganosa encontra-se caracterizada no art. 11, que, designadamente, dispõe no nº 1: «É proibida toda a publicidade que, por qualquer forma, e devido ao seu carácter enganador, induza ou seja susceptível de induzir em erro os seus destinatários ou possa prejudicar um concorrente». A publicidade comparativa ilícita surge regulada no art. 16, que determina: «1. É proibida a publicidade qua utilize comparações que não se apoiem em características essenciais, afins e objectivamente demonstráveis dos bens ou serviços ou que os contraponha com outros não similares ou desconhecidos. 2. O ónus da prova sobre a verdade da publicidade comparativa recai sobre o anunciante».
Várias leis especiais esclarecem que o respectivo regime não prejudica a aplicação das normas da concorrência desleal ou manda-as observar. Exemplos disso são o Código do Direito de Autor (CDADC, art. 212) e a lei dos programas de computador (art. 15).
Um caso clássico de concorrência desleal é aquele que se traduz em comportamentos obstrutivos. Actualmente, o art. 327 CPI autonomiza como ilícito «a se», punível com pena de prisão até 3 anos ou multa, o requerimento do registo de sinal distintivo que reproduza ou imite um outro pertencente a nacional de qualquer país da União de Paris (instituída pela convenção geral sobre propriedade industrial, abreviadamente, CUP), com a finalidade comprovada de constranger essa pessoa a uma disposição patrimonial que acarrete para ela um prejuízo ou para dela obter uma ilegítima vantagem económica.
No art. 10bis da CUP, impõe-se aos Estados membros da União a protecção efectiva de todos os nacionais de qualquer deles contra a concorrência desleal e, no nº 2, considera-se acto de concorrência desleal «qualquer acto de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial». O art. 317 CPI contém preceito análogo, mas estende essa contrariedade às «normas» de qualquer ramo de actividade económica.
2. O que são actos «contrários aos usos honestos em matéria industrial ou comercial?»
2.1. Antecedentes históricos. Esta cláusula geral foi introduzida no direito interno português pelo CPI de 1940 que contém uma tipificação exemplificativa dos actos de concorrência desleal. Antes deste Código de 1940 vigorava a Lei da Propriedade Industrial de 1896, que, designadamente, punia como actos de concorrência desleal, sem prejuízo da reparação dos danos causados, os a seguir indicados:
- os actos tendentes a acreditar ou fazer sobressair falsamente a oferta do agente, mediante indução em erro ou engano dos respectivos destinatários, mais concretamente, consistentes em fazer passar, falsamente, os produtos por si comercializados ou destinados ao comércio: como provenientes de certo território, localidade ou zona geográfica «conhecida pelos seus produtos»; como sendo de certo fabricante (diferente do verdadeiro, salvo autorização); como sendo produtos «depositados» ou «registados» no estrangeiro; ou como sendo produtos de certa marca, havendo-se eliminado, para o efeito, uma marca não registada neles aposta. A eles acrescia a indicação de que certo produto era fabricado segundo certa fórmula ou processo de determinada fábrica (não do domínio público), sem o comprovativo escrito de autorização concedida para o efeito;
- os actos ou expedientes de industrial ou comerciante consistentes em fazer confundir o seu estabelecimento com um outro da mesma natureza, contíguo ou muito próximo (por meio do uso de tabuletas, pintura da fachada, modo de instalação ou disposição);
- actos de aproveitamento ou exploração do crédito de mercado ou reputação comercial de «concorrente», mais especificamente, aqueles em que o comerciante ou industrial – para acreditar os seus produtos – invoca, por qualquer forma ou maneira, o nome, a marca ou o estabelecimento de outro comerciante ou industrial que fabrique ou comercialize produtos análogos, sem este ter autorizado (nº 6º);
- a utilização ou divulgação por certo industrial de segredo de fábrica de outrem, com suborno, espionagem, compra de empregados ou operários, ou outro meio criminoso, era também considerada desleal.
A tipologia acabada de enunciar – abrangendo actos geradores de confusão, engano ou indução em erro, acreditamento por colagem não autorizada e violação de segredos – seria retomada e desenvolvida pelo CPI de 1940 e, com tais desenvolvimentos, viria a passar para o actual Código.
2.2. O Código de Propriedade Industrial vigente. Assim, no actual art. 317, aparecem identificados como actos de concorrência desleal:
- os actos que geram ou criam um risco de confusão (com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes), qualquer que seja o meio utilizado (al. a); cfr. o art. 10bis, nº 3, 1º CUP);
- os actos que visam em geral obter um benefício ou vantagem concorrencial indevida, por meios diferentes do anterior (recondutíveis a um conceito geral de publicidade). Distinguem-se aqui duas sub-modalidades: (i) as falsas indicações sobre o crédito ou reputação próprios, bem como sobre os seus produtos ou serviços, seja qual for o meio adoptado [als. d) e e)); cfr., ainda, o art. 10bis, nº 3, 3º CUP, onde se referem as indicações ou afirmações cuja utilização seja susceptível de induzir em erro sobre a natureza, características, etc., das mercadorias]; (ii) as invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou reputação comercial de nome, estabelecimento ou marca alheios (al. c));
- os actos perpetrados por vendedor (ou intermediário) de supressão, ocultação ou alteração de denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos, bem como de marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda sem serem modificados (al. f)).
- os actos denegritórios ou de descrédito, traduzidos na emissão de falsas afirmações, no exercício de uma actividade económica (máxime, comércio ou indústria), com o fim de desacreditar os concorrentes, em especial, a respectiva reputação comercial, o estabelecimento ou a oferta de bens ou serviços, como se especificava anteriormente (al. b); cfr. o art. 10bis, nº 3, 2º CUP). Estes actos são uma novidade relativa do CPI de 1940, também acolhida pelo actual.
- a divulgação ou exploração de segredos, agora já sem a restrição aos segredos de fábrica ou indústria, que passaram a constar de um artigo à parte, o art. 318, salientando-se, desse modo, por um lado, a importância da matéria e, por outro lado, que ela sofreu uma importante remodelação ou actualização, relativamente aos textos precedentes. Está em causa a tutela dos conhecimentos ou informações reservados (know-how).
Com efeito, dispõe-se neste art. 318 que, «nos termos do artigo anterior, constitui acto ilícito, nomeadamente, a divulgação, a aquisição ou a utilização de segredos de negócios de um concorrente, sem o consentimento do mesmo», desde que tais informações cumpram três requisitos:
a) serem secretas – no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis (na sua globalidade ou na configuração e ligação exactas dos respectivos elementos constitutivos) a pessoas dos círculos que lidam normalmente com esse tipo de informações;
b) terem valor comercial em virtude desse carácter secreto; e
c) terem sido objecto de diligências consideráveis (atendendo às circunstâncias) para se manterem secretas, por parte de quem detém o seu controlo.
O preceito vem na sequência de um dos acordos concluídos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (abreviadamente OMC), conhecido pelas siglas ADPIC/TRIPS, que no nº 1 do art. 39 dispõe que, ao assegurar uma protecção efectiva contra a concorrência desleal, conforme previsto no art. 10bis da CUP, os membros protegerão as informações não divulgadas em conformidade com o nº 2 (e protegerão também certos dados fornecidos a organismos públicos no sector farmacêutico e dos produtos químicos para a agricultura nos termos do nº 3). Consigna-se aí que as pessoas singulares ou colectivas terão a possibilidade de impedir que informações legalmente sob o seu controlo sejam divulgadas, adquiridas ou utilizadas por terceiros sem o seu consentimento de uma forma contrária às práticas comerciais leais, desde que cumpram os mesmos três requisitos reproduzidos na lei nacional. Esclarece-se, ainda, que, no mínimo, deverão considerar-se desleais as seguintes práticas: a ruptura de contrato, o abuso de confiança e a incitação à infracção; equipara-se a aquisição por terceiro que conhecia ou devia conhecer a existência de tais práticas. Observe-se, finalmente, que a violação do segredo pode ser punida como crime (arts. 195 e 196 Código Penal), dependendo a acção de queixa.
3. Nota final.
Em suma, se exceptuarmos o novo regime do know-how, o CPI, apesar de datar de 2003, não acrescentou nada, nesta matéria da concorrência desleal. O art. 317 apresenta praticamente o mesmo conteúdo e redacção do CPI de 1940, concebido para uma economia fechada e pouco desenvolvida, enquadrada numa ordem corporativa acentuadamente proteccionista, e, portanto, instituindo um sistema de normas repressivas da concorrência desleal de matriz profissional e corporativa, destinadas a disciplinar as relações entre concorrentes em conformidade com as normas emanadas das Corporações e os padrões de comportamento sectoriais aceitáveis (normas e usos honestos de qualquer ramo ou sector de actividade económica), isto é, protegendo cada um dos membros das várias profissões económicas contra actos ou comportamentos de concorrentes seus reprovados pela ordem corporativa ou contrários às práticas usuais na respectiva profissão socialmente aceitáveis por um profissional honesto.
Assim, o nosso direito nem reflecte as novas concepções do direito da concorrência desleal acolhidas por exemplo no direito alemão e nas excelentes leis suíça de 1986 e espanhola de 1991, nem cumpre os objectivos constitucionais de instituição de um sistema de concorrência efectiva, equilibrada e salutar, apenas realizados quanto ao primeiro aspecto, pela Lei de defesa da concorrência, objecto dos artigos que precederam o presente.
(O texto tem continuação)