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José de Matos: um percurso na Caixa cheio de percalços

José de Matos deverá deixar a liderança da CGD nos próximos meses. Para trás ficam mais de quatro anos aos comandos do banco do Estado, marcados pelas exigências da troika, prejuízos recorde, terramotos na banca portuguesa e profundas alterações ao nível da supervisão.

27 de Janeiro de 2016 às 16:00
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José de Matos chegou à liderança da Caixa Geral de Depósitos no verão de 2011. José Sócrates havia anunciado o pedido de ajuda externa uns meses antes e Pedro Passos Coelho acabava de substituir o socialista em São Bento. Os desafios eram muitos, e os riscos ainda maiores.

 

O antigo vice-governador do Banco de Portugal assume os comandos do banco estatal em substituição de Faria de Oliveira que fica, nessa fase, como presidente não-executivo.

 

E José de Matos chega com uma missão: cumprir os desígnios da troika num contexto de forte ajustamento no país e, ao mesmo tempo, continuar a cumprir o plano estratégico do banco público, apoiando a economia e apostando no tecido empresarial.

 

Os mais de quatro anos do economista e gestor à frente dos destinos da Caixa Geral de Depósitos ficam marcados, no plano interno, pelo programa de ajustamento, pelas ajudas estatais à banca, pelos terramotos que abalaram o sector: a queda do BES e a resolução aplicada ao Banif; no plano externo, pelas marcas que a crise do euro crava nas economias, pelo aumento do escrutínio e das exigências ao sector bancário, e por alterações ao nível da supervisão.

 

Ajustar e apoiar a economia: o desafio

 

Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), José de Matos, nascido em 1953, chegou aos comandos da instituição com a difícil tarefa de ajustar, como ditava a troika e, ao mesmo tempo, manter os compromissos para com a economia e as empresas nacionais.

 

Da lista de objectivos do banqueiro fazia parte um processo de concentração na actividade bancária, que implicava a venda de activos não estratégicos avaliados em 600 milhões de euros, um compromisso firmado com a Autoridade Bancária Europeia para reforçar os seus rácios de capital. Em dois anos, contudo, a CGD teria de alienar todas as suas participações em empresas cotadas e não cotadas.

Essas operações - que incluíram a venda da participação na Zon, na Portugal Telecom, EDP e BCP - acabaram por mudar o retrato empresarial do país, precipitando mudanças accionistas em algumas das maiores companhias nacionais. 

Por outro lado, era necessário vender os negócios dos seguros e saúde do banco, processos cujo timing teria de ser avaliado pelo gestor para maximizar o encaixe das operações. O negócio de saúde, concentrado nos Hospitais Privados de Portugal (HPP), foi vendido aos brasileiros da Amil no final de 2012 e, 80% da Caixa Seguros (que inclui as companhias de seguros Fidelidade, Multicare e Cares) à Fosun em Janeiro de 2014. 

 

Independentemente destas operações, a CGD teria de tomar medidas para elevar o seu rácio de capital mais exigente ("core tier one") para 9% até ao final do ano e para 10% a 31 de Dezembro de 2012.

Ao mesmo tempo, o programa do Governo de Passos Coelho era claro: a CGD tinha de redireccionar o seu esforço de financiamento para as empresas de bens e serviços transaccionáveis, assim como para os projectos exportadores e de internacionalização da economia portuguesa.

 

Prejuízos históricos, fecho de balcões e redução do pessoal

 

Sob a liderança de José de Matos, o banco público estreou-se nos resultados anuais negativos. Em 2011, a Caixa Geral de Depósitos registou prejuízos de 488,4 milhões de euros, devido a imparidades relativas às participações detidas pela CGD na PT, BCP, Brisa e Zon, e à exposição à dívida grega (133 milhões).

 

"Não temos orgulho em comunicar estes prejuízos", afirmou, na altura, José de Matos.

 

No ano seguinte, os prejuízos desceram para 394,7 milhões de euros, voltando a subir, em 2013, para a marca histórica de 576 milhões de euros.

A Caixa Geral de Depósitos reduziu o quadro de pessoal doméstico em 500 pessoas e fechou 60 balcões em 2013.
A Caixa Geral de Depósitos reduziu o quadro de pessoal doméstico em 500 pessoas e fechou 60 balcões em 2013. Miguel Baltazar/Negócios
Nesse ano, o banco reduziu o quadro de pessoal doméstico em 500 pessoas e fechou 60 balcões, uma medida que fazia parte das imposições de Bruxelas no âmbito do plano de reestruturação do banco.

Em 2014, os resultados da Caixa melhoraram 40% face a 2013, com os prejuízos a recuarem para 348 milhões de euros. 

 

Os primeiros nove meses de 2015 traduziram um saldo positivo para o banco do Estado, que fechou o período entre Janeiro e Setembro com lucros de 3,4 milhões de euros.  

No mesmo período, saíram da CGD 117 colaboradores de forma natural. O plano de reformas antecipadas previa a saída de mais de 300 trabalhadores até ao final do ano, uma redução da estrutura que será reforçada este ano. 

A ajuda estatal e o puxão de orelhas de Passos Coelho

 

Tal como os restantes grandes bancos portugueses, como o BPI e o BCP, a Caixa Geral de Depósitos foi alvo de uma injecção de capital em 2012, tendo recebido um total de 1,65 mil milhões de euros: 900 milhões dos quais através de instrumentos híbridos, os chamados CoCos (que ajudam aos rácios de capital dos bancos mas que pesam nas contas dos bancos); 750 milhões através de acções.

 

Com o prazo para a devolução da ajuda estatal marcado para Junho de 2017, os bancos privados anteciparam-se e começaram a devolver o empréstimo muito antes. Mas a CGD não. Um "atraso" face aos restantes que fez Passos Coelho, então primeiro-ministro (PM), demonstrar publicamente o seu desagrado e "preocupação" com a administração do banco público.

 

"Causa [preocupação] porque era suposto que a Caixa Geral de Depósitos tivesse podido já obter resultados que permitissem fazer uma parte desse reembolso", afirmou Passos Coelho em Julho de 2015, na Redacção Aberta do Negócios.  

 

"Preocupa-me e espero que a administração da Caixa não deixe de executar as operações que forem necessárias e que permitirão fazer o reembolso desse valor que foi investido na capitalização da Caixa e que o foi apenas na circunstância de o devolver com os juros que foram estabelecidos e que foram estabelecidos para todos os bancos nos quais o Estado entrou", reforçou.


Passos: "Espero que a administração da Caixa não deixe de executar as operações que forem necessárias" para reembolsar o Estado
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A Caixa Geral de Depósitos ainda não reembolsou a ajuda pública que recebeu. É o único banco que não o fez. Passos Coelho diz que isso o preocupa e que espera que a "administração da Caixa" execute as medidas necessárias para que o pagamento seja possível.

"José de Matos não comenta" foi a única declaração que a Caixa Geral de Depósitos fez em resposta à "preocupação" do primeiro-ministro. 

As declarações de Passos Coelho mereceram as críticas de António Costa, candidato a chefe do Governo, que considerou "inqualificáveis" as palavras do então primeiro-ministro sobre a devolução da ajuda do Estado.

 

"Acho inqualificável que, sendo a CGD 100% pública, o PM enquanto responsável máximo pelo Executivo, se permita fazer críticas públicas ao banco do estado e sua administração", afirmou António Costa na Redacção Aberta do Negócios, em Agosto de 2015. "Não é forma de o accionista se relacionar com a administração, nem do primeiro-ministro, com uma instituição que tem de merecer toda a cautela e prudência nas afirmações que se fazem a seu respeito", rematou.
 

cotacao A CGD tem "capacidade para suportar critérios de valorização de activos muito rigorosos". BCE No relatório dos testes de stress de 2014

CGD com nota positiva nos testes de stress do BCE

 

Foi sob a liderança do ainda presidente da CGD, que deverá sair do cargo nos próximos meses, que a supervisão do banco estatal passou, no final de 2014, para a alçada do Banco Central Europeu (BCE) juntamente com 120 instituições financeiras, que concentram mais de 80% dos activos do euro.

 

Para o Mecanismo Único de Supervisão iniciar funções, foi essencial a realização dos testes de stress pelo BCE, que confirmaram que a CGD tem "capacidade para suportar critérios de valorização de activos muito rigorosos". A Caixa Geral de Depósitos passou a avaliação completa feita pela autoridade monetária tanto na análise à qualidade dos seus activos como nos dois cenários dos testes de stress: o cenário base e o adverso. 

Banif na CGD? Comissão não deixou

 

Poucas semanas após a tomada de posse de António Costa, o Banif foi alvo de uma medida de resolução e vendido ao Santander. Mas esta não era a solução pretendida pelo Governo de António Costa, como o ministro das Finanças, Mário Centeno viria a confirmar. O objectivo do Executivo era integrar o banco madeirense na Caixa Geral de Depósitos.  


Centeno: Governo queria integrar Banif na Caixa, mas Bruxelas não deixou
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Centeno: Governo queria integrar Banif na Caixa, mas Bruxelas não deixou

"O governo preferia uma outra solução, mas por restrições legais não foi implementada", afirmou Mário Centeno, explicando que "essa alternativa passava por uma recapitalização do Banif pelo Estado seguida de uma fusão com CGD".

 

No entanto, essa solução foi inviabilizada pela Comissão Europeia, devido às ajudas de Estado concedidas ao Banif e à CGD durante o programa de ajustamento. 

É num contexto em que o banco público é chamado ao auxílio das instituições financeiras que foram alvo de intervenção, através do Fundo de Resolução (a CGD por ter a maior quota é a maior contribuinte para o fundo), que José de Matos deverá estar de saída, conforme o Negócios noticia. No entanto, o primeiro-ministro, António Costa, e o ministro das Finanças, Mário Centeno, deverão esperar pelo fim da elaboração do Orçamento do Estado para 2016 para tomar uma decisão.

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