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Há 15 anos o Lehman Brothers caía com estrondo. E o mundo financeiro estremeceu

O dia 15 de setembro prometia ser mais um normal domingo de descanso. Não foi o que aconteceu. O Lehman Brothers não foi considerado "demasiado grande para falir" e colapsou.

15 de Setembro de 2023 às 07:45
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Estávamos a dia 15 de setembro de 2008. Esse domingo viria a ser um dos grandes símbolos da crise financeira mundial – a maior desde a Grande Depressão, com origem no "crash" bolsista de 1929 –, com o anúncio da queda do quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos, Lehman Brothers, após 158 anos de existência.

 

Há algum tempo que a crise vinha a anunciar-se, nomeadamente com os apuros do banco Bear Stearns e as dificuldades de muitas famílias em pagarem as suas prestações do crédito à habitação devido à subida dos juros e a terem de entregar as suas casas – com o final do ano de 2007 a ser já testemunha de elevados níveis de malparado e com a Reserva Federal a iniciar um ciclo de descida dos juros diretores que só parou em dezembro de 2008, nos mínimos históricos entre 0% e 0,25%, onde permaneceu durante mais sete anos, até dezembro de 2015.

 
A crise do "subprime"

A concessão de empréstimos a clientes com fraca qualidade creditícia (o chamado "subprime"), que deixaram de poder pagar os créditos hipotecários quando se deu a bolha do imobiliário, foi o principal fator para a queda do Lehman.

O mercado imobiliário tinha vivido uma época dourada. Só entre 2003 e 2007, os empréstimos hipotecários "subprime" nos EUA tinham aumentado 292%, devido sobretudo ao facto de o setor privado ter entrado no mercado das obrigações hipotecárias, que tinha sido um domínio quase exclusivo de empresas de concessão de crédito patrocinadas pelo governo, como a Fannie Mae e a Freddie Mac.

 

Antes da bolha imobiliária, os bancos financiavam – por norma – as suas concessões de empréstimos através dos depósitos que recebiam dos seus clientes. Isso também limitava o volume de crédito à habitação que era concedido. Com a queda dos juros e a expansão do mercado imobiliário, os bancos transitaram para um novo modelo, em que passaram a vender as hipotecas nos mercados de obrigações. Com isso, tornou-se muito mais fácil financiar novos empréstimos. No entanto, a situação também levou a abusos, pois os bancos deixaram de ter o incentivo de analisar cuidadosamente as hipotecas emitidas. Daí à crise foi um passo.

 

A Fed viria mais tarde a ser alvo de acesas críticas pelo facto de não ter sido capaz de exercer a sua autoridade de supervisão e regulação sobre os bancos, intermediários financeiros e outras entidades de concessão de crédito, tendo estes deixado de se reger pelos habituais padrões para a atribuição de empréstimos, como o historial profissional, o rendimento, os ativos ou o dinheiro de entrada pela casa.

Criatividade financeira. MBS, CDS, ABS e CDO entraram no vocabulário de todos

 

Além do "subprime", também a critividade financeira ficou fortemente associada a este período. Muitas instituições financeiras emitiam grandes quantidades de dívida e financiavam-se através de títulos garantidos por hipotecas, os chamados MBS (Mortgage-Backed Securities). Ou seja, vendiam pacotes de créditos dos seus clientes a terceiros, permitindo assim que os compradores pudessem cobrar esses mesmos empréstimos a quem os tinha contraído. Como muitos compradores pediam crédito para adquirir estes produtos, quando a crise estalou o contágio deu-se a todos os níveis da cadeia de financiamento.

 

Além disso, também essas próprias instituições investiam neste tipo de títulos, especialmente os grandes bancos. O investimento em MBS estava a florescer porque era convicção geral que os preços dos imóveis continuariam a subir e que as famílias continuariam a honrar o pagamento das suas prestações. Não aconteceu.

 

Nesta altura, muitos novos instrumentos de dívida começaram a fazer parte do quotidiano dos mercados. Termos como MBS, CDS, ABS ou CDO começaram a ser bem conhecidos, todos eles tipos básicos de instrumentos titularizados.

 

E como funciona a titularização (securitização)? Trata-se dacombinação de ativos, agregados em pacotes, que dão origem a produtos financeiros. Os créditos, depois de agregados, são transmitidos a uma entidade especialmente constituída para o efeito (Special Purpose Vehicle), a que se dá o nome de veículo de securitização. Por sua vez, esse veículo procede à emissão de valores mobiliários (títulos), colateralizados (garantidos) por esses créditos, que são então negociados no mercado.

 

Uma das maiores vantagens da titularização de créditos, para os bancos, decorre da possível imediata desafectação dos capitais próprios regulamentares obrigatórios a que as referidas instituições se encontram sujeitas sobre o volume do crédito concedido. Isto na parte referente à carteira de crédito que é removida do balanço dos bancos para efeitos de titularização. Além de não serem obrigados a deter no capital próprio o montante exato do crédito que atribuem, ao venderem estes produtos os bancos estavam também a transferir o risco associado a esses empréstimos.

 

Assim, muitos instrumentos financeiros, alguns bastante complexos, começaram a disseminar-se e a ganhar maior popularidade. Todos estes instrumentos registaram uma procura explosiva e o aumento de especulação no mercado devia-se ao facto de serem considerados seguros. Ninguém imaginava que poderiam vir a sofrer uma derrocada, na sequência do estoiro da bolha imobiliária.

As críticas às agências de "rating"

 

As agências de rating assumiram também um papel importante nos processos de titularização, já que atribuíam as suas notações aos novos produtos financeiros – classificações que tinham reflexo no estabelecimento do preço de emissão. E foi precisamente o facto de as agências terem atribuído notação máxima a muitos destes produtos, que agregavam hipotecas "subprime", que levou a que fossem fortemente criticadas e acusadas de terem tido um papel preponderante no início da crise. Cerca de 60% de todos os títulos garantidos por hipotecas residenciais (MBS) tinham um rating AAA durante a fase de expansão da concessão de empréstimos.

 

O facto de tantos bancos nos Estados Unidos estarem expostos às mesmas carteiras diversificadas de títulos aumentou a probabilidade de correlação entre incumprimentos. E essa probabilidade tornou-se real. Com o crédito malparado a disparar, por força da subida dos juros da Fed antes do início da crise, os títulos que agregavam hipotecas "subprime" começaram a ser responsáveis por fortes perdas entre quem os tinha em mãos. Muitos bancos que detinham elevadas quantidades destes produtos financeiros nos seus balanços entraram, já em 2007, em derrapagem. Os ativos outrora dourados passaram a ser considerados ativos tóxicos.

 

Em setembro de 2008, apesar de os Estados Unidos terem já resgatado algumas instituições financeiras [Bear Stearns, Freddie Mac e Fannie Mae], consideradas ‘demasiado grandes para falir’ [o termo ‘to big to fail’ foi imortalizado durante a crise], não o fizeram com o Lehman Brothers – que nesse dia apresentou falência, depois de goradas as tentativas de venda do banco a outras empresas.

 

No dia seguinte, as bolsas mundiais reagiram com um forte movimento de queda. O pânico estava instalado. Já não era um problema só dos Estados Unidos. Na Europa, por exemplo, muitos bancos e fundos europeus tinham uma forte exposição a esses produtos das instituições norte-americanas, já que também tinham investido neles.

 

A crise de liquidez, que acabou por também afectar o Velho Continente, intensificou a onda de acesas críticas às agências de "rating" e às entidades reguladoras dos mercados de capitais, que não tinham sabido percecionar o risco nem antecipar a crise.

 

Seguiu-se um período de "pulso forte" em matéria de regulação. Desde então até aos dias de hoje, muita água correu, com a crise de 2008 e o seu efeito dominó a fazerem-se sentir durante muito tempo e a desencadearem mais tarde na crise da dívida soberana na Zona Euro.

Nova agitação este ano

 

Este ano, um novo abalo na banca recordou a muitos a queda do Lehman. Em março, três bancos regionais norte-americanos colapsaram, com o "crash" do Silicon Valley Bank a motivar os maiores receios e a gerar grande turbulência no setor financeiro, à conta de um movimento de pânico dos depositantes, tendo a instabilidade chegado à Europa com os desaires do Credit Suisse – que acabou por ser comprado pelo seu conterrâneo UBS.

 

Faz hoje 15 anos que o Lehman caiu. O mundo financeiro não esquece - nem os seus ex-funcionários, que detinham 30% das ações. Os ativos do banco norte-americano estavam avaliados em 639 mil milhões de dólares e a sua dívida ascendia a 613 mil milhões. Até então, as duas maiores falências dos Estados Unidos pertenciam à Worldcom e à Enron, com ativos de 103,9 e 63,4 mil milhões de dólares, respetivamente, quando fecharam portas.

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