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Diga adeus à banca tal como a conhecemos
Embora possa começar em pequena escala, o yuan digital pode abalar tanto bancos tradicionais, e não só.
Então a China está a preparar a sua própria bitcoin? Elimine esse pensamento.
É muito mais do que isso. Sim, como qualquer outra criptomoeda - ou, neste caso, cigarros em campos de prisioneiros de guerra -, o yuan digital será dinheiro "tokenizado". Mas a semelhança acaba aí. O cripto-yuan, que pode entrar em circulação ainda este ano, será totalmente garantido pelo banco central da segunda maior economia do mundo, obtendo o seu valor da capacidade do Estado chinês de impor impostos em perpetuidade. Outras autoridades nacionais deverão abraçar esta ideia poderosa.
Pouco se sabe sobre o yuan digital, exceto que a moeda está em desenvolvimento há cinco anos e que Pequim está quase pronta para lançá-la. O consenso é que o token será uma blockchain privada, uma rede "peer to peer" para compartilhar informações e validar transações. O Banco Popular da China teria o controlo de quem poderia participar. Para começar, a moeda será oferecida através do sistema bancário e substituirá parte do dinheiro físico. Isso não vai ser difícil, dada a presença ubíqua de carteiras digitais chinesas com código QR, como o Alipay e WeChat Pay.
Embora possa começar em pequena escala, o yuan digital pode abalar tanto bancos tradicionais como o sistema pós-Bretton Woods de taxas de câmbio flutuantes com o qual o mundo convive desde 1973. Não é de admirar que, para a China, "blockchain e o yuan digital sejam uma prioridade de estratégica nacional - quase ao nível da internet", diz o analista de fintech Gautam Chhugani, do Sanford C. Bernstein & Co.
Desde o advento do banqueiro de ourives do século XVII em Londres, o mais crucial no setor bancário tem sido o livro razão, um repositório de registos irrefutáveis para estabelecer confiança em situações em que ela não existe. Quando Peter, em Vancouver, concorda em enviar dinheiro para Paul, em Singapura, eles são obrigados a usar uma cadeia de intermediários interligados porque não há livro razão no mundo que contenha os dois.
Os registos da blockchain tornam a confiança irrelevante. Paul cria um código secreto e compartilha a sua versão criptografada com Peter, que o usa para criar um contrato digital para pagar a Paul. Uma rede complicada e cara de bancos correspondentes torna-se redundante, especialmente quando se trata dos 124 biliões de dólares que as empresas movimentam entre fronteiras anualmente. Imagine o ganho de produtividade; imagine a ameaça para os bancos.
A China não é a única a experimentar. A liquidação de pagamentos transfronteiriça rápida e barata é uma aplicação da Quorum, do JPMorgan Chase, uma plataforma baseada em Ethereum na qual a Autoridade Monetária de Singapura está a operacionalizar o Projeto Ubin, que estuda o dinheiro digital em bancos centrais. Isso é apenas o começo, mas se a tecnologia blockchain se mostrar promissora ao lidar com um grande número de transações simultaneamente, as moedas digitais poderão tornar-se substitutas não apenas do dinheiro físico, mas também de reservas bancárias.
É aqui que o jogo muda. As reservas de um banco central são mantidas por instituições financeiras que recebem depósitos. Um yuan digital - ou dólar de Singapura ou rupia indiana - poderia contornar esse sistema e permitir que qualquer detentor da moeda fizesse um depósito no banco central, potencialmente dando ao estado o monopólio na oferta de dinheiro para clientes de retalho. Como Agustin Carstens, gerente-geral do Banco de Compensações Internacionais, destacou recentemente, "se o banco central se tornar o recetor de depósito de todos, poderá tornar-se o credor de todos também".
Mas por que é que os bancos centrais querem rebaixar seus próprios sistemas bancários? Uma resposta, olhando para a Europa e para o Japão, é que as taxas de juro negativas estão a fazer isso de qualquer maneira. As instituições estão famintas de lucro porque, embora o banco central cobre os depósitos que nele são feitos, não lhes é possível repassar com a mesma facilidade essas taxas de juro negativas para seus próprios clientes. Se a economia global ficar mergulhada em estagnação no longo prazo, as moedas digitais oficiais serão pelo menos uma maneira eficiente de alívio monetário (monetary easing) sem envolver bancos.
A outra razão, mais concreta, pode ser que o progresso tecnológico esteja tornando o status quo insustentável. Não foi por acaso que a China acelerou a sua criptomoeda nacional depois de o Facebook ter anunciado o projeto Libra, que foi apresentado como um dólar alternativo. Talvez isso tenha sido fantasioso, e a Libra tenha esbarrado num muro de preocupações regulatórias. Mas se essas moedas forem oferecidas como vale-presente do Spotify numa loja da 7-Eleven, haverá procura por tokens aceites além-fronteiras, com valor estável em relação às carteiras de moedas nacionais e que possam ser usadas em trading e investimentos globais.
Alguém em Sillicon Valley acabará por ter sucesso, destruindo a soberania monetária oculta nos mercados emergentes no processo.
As mudanças não terminarão com acordos bancários e monetários. As transações de tokens funcionam como pseudónimos: se o banco central quiser ver quem está a gastar e onde, pode. O anonimato desaparece quando o dinheiro desaparece.
Embora isso dificulte a vida de branqueadores de capitais e terroristas, também pode tornar-se uma ferramenta para punir o ativismo político. No entretanto, a moeda como arma de política externa perde alguma força. Os Estados-pária cobiçarão uma criptomoeda a que possam aceder ao desviar-se de bancos com receio de desrespeitar sanções ocidentais. Como o economista da Universidade Harvard Kenneth Rogoff destacou, a tecnologia "está prestes a abalar a capacidade dos EUA de alavancarem a fé na sua moeda para perseguir os seus interesses nacionais mais amplos".
Uma década de montanhas-russas - não apenas para serviços bancários e dinheiro, mas também no que toca à privacidade e política - pode estar apenas a começar.
(Texto original: Say Goodbye to Banking as We Know It)