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CFP alerta que plano de emergência para SNS pode ter riscos orçamentais

Sem detalhes para avaliar custos das medidas, organismo avisa que novos investimentos previstos não podem comprometer estabilidade orçamental. Análise a 2023 mostra défice menor, mas gastos correntes persistem em desvio.

Retoma da assistência e inflação agravaram contas no final de 2022.
Ricardo Castelo
26 de Junho de 2024 às 12:03
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O plano de emergência para a saúde apresentado pelo Governo no final de maio pode trazer riscos orçamentais neste ano, alerta o Conselho das Finanças Públicas (CFP), numa análise ao desempenho orçamental do Serviço Nacional de Saúde no ano passado, divulgada esta quarta-feira.

No documento, o CFP salienta que ainda "não dispõe de detalhes sobre o custo das medidas anunciadas, que serão cruciais para uma melhor avaliação do seu impacto nas finanças públicas", mas lembra que o Programa de Emergência e Transformação na Saúde inclui "um aumento de contratações e requalificação e expansão da infraestrutura", que pode "colocar alguma pressão orçamental adicional".

Os riscos são identificados "para 2024", num momento em que as contas públicas seguem com o registo de um défice orçamental de 0,2% do PIB no primeiro trimestre. Apesar de o Governo manter a perspetiva de um excedente anual de 0,2% a 0,3% do PIB, há já alertas para uma possível maior degradação do saldo em face das medidas a adotar ainda neste ano. O CFP avisa que "é crucial encontrar um equilíbrio entre a melhoria dos serviços de saúde e a sustentabilidade das finanças públicas, garantindo que os investimentos necessários não comprometem a estabilidade orçamental a longo prazo".

No plano com 54 medidas dado a conhecer pela ministra da Saúde, Ana Paula Martins, está prevista a abertura de 900 vagas para medicina familiar em todo o país, embora as necessidades identificadas estejam sobretudo concentradas na área da Grande Lisboa, o recurso a uma bolsa de médicos convencionados e também o reforço de protocolos com instituições particulares de solidariedade social no âmbito dos chamados projetos Bata Branca e similares. Avançarão ainda unidades de saúde familiar de gestão privada.

Já no que diz respeito a infraestruturas, o Governo anunciou a intenção de abrir uma linha de financiamento para a requalificação de urgências, com prioridade para as urgências psiquiátricas, e de avançar com a criação de centros clínicos para respostas de urgência em proximidade.

As novas medidas de investimento do programa vão somar-se aos investimentos já previstos no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, que em 2023 tiveram menos de metade da execução prevista, acabando por favorecer uma redução do défice do SNS.

Défice mais curto, mas subfinanciamento mantém-se

A análise do CFP indica que no ano passado o défice do SNS atingiu 435,1 milhões de euros, ficando 62,4 milhões abaixo do previsto no Orçamento do Estado para 2023. Para este valor, adianta, contribuiu tanto a execução da despesa como da receita.

No caso da despesa, esta ficou 385,4 milhões de euros abaixo do previsto devido "essencialmente " a "uma menor execução da despesa de capital em 460,2 milhões de euros face ao estimado no documento de programação orçamental (grau de execução de 44%)".

"De acordo com a Conta Geral do Estado de 2023, não se efetivaram os pagamentos associados ao plano de investimento com financiamento do PRR exemplo, à transição digital na saúde, aos cuidados de saúde primários e equipamentos hospitalares", destaca o CFP. Ficaram ainda por realizar outros investimentos na recuperação de edifícios e aquisição de equipamentos básicos que estavam previstos.

A baixa execução dos investimentos contribuiu também para desvios do lado da receita, com o organismo a dar conta de que a "receita de capital situou-se 198,5 milhões de euros abaixo do orçamentado inicialmente, em parte resultante da menor execução da despesa de capital financiada por fundos europeus". O desvio total na receita face ao previsto foi de 323 milhões de euros.

Apesar de a baixa execução de investimentos ter mantido a despesa abaixo do previsto, o Conselho das Finanças Públicas assinala que os gastos correntes continuaram a superar o orçamentado, com mais 74,8 milhões de euros que o previsto.

Para essa evolução contribuíram as horas extra, que apesar de terem diminuído 9,8% face a 2022 ficaram mais caras: representaram um encargo 12,7% superior ao do ano anterior, para um total de 474,9 milhões de euros.

os gastos com medicamentos, que estavam em forte aceleração no ano passado (mais 10,9%), abrandaram desta vez, com o crescimento a cair para 3,7%. O CFP assinala que os genéricos aumentaram no ano passado o peso na despesa com medicamentos em ambulatório, para 26,9%.

A despesa do SNS atingiu no ano passado 14.061 milhões de euros, subindo em 893 milhões, mas perdendo peso na relação das contas públicas expressa em percentagem do PIB devido à forte expansão nominal do produto no ano passado. Os gastos com o SNS recuaram de 5,4% para 5,3% do PIB.

Ao mesmo tempo, o SNS passou a representar uma fatia ligeiramente maior da despesa pública, aumentando de 12,3% para 12,5% do total.

Novamente, as receitas do SNS (95,3% das quais provenientes de transferências do Orçamento do Estado) voltaram a ficar aquém das despesas, o que resulta no referido défice de 435,1 milhões de euros. Mas o CFP recorda que tal já estava previsto, com a situação de subfinanciamento do SNS a manter-se. "Como em anos anteriores, o défice estava já refletido na proposta de orçamento", assinala.

"No orçamento do SNS implícito na proposta de Orçamento do Estado (OE/2023), o montante da receita total previsto para 2023 ficou aquém do necessário para financiar as despesas previstas para esse ano", refere. Ou seja, para 2023 "já previa um défice de 497,5 milhões de euros, apesar de o valor da receita inscrita no OE/2023 ter sido superior em 780,2 milhões de euros à despesa efetiva do ano anterior (de 2022)".

Ainda assim, percebe-se, a situação de subfinanciamento terá sido maior no ano de 2022, "em que a receita prevista fora inferior à despesa efetiva do ano transato, e sem que tal se justificasse por medidas de política ou de gestão".

Na análise, o CFP indica que a execução média de contratos-programa de entidades do SNS diminuiu, de 97,8% para 96,9%, sendo que as mais baixas taxas de execução foram alcançadas no Hospital de Loures (64,1%), "possivelmente pela sua recente integração no SNS", no Hospital de Vila Franca de Xira (86,9%) e no Hospital Distrital da Figueira da Foz (89,6%).

"No entanto, uma elevada execução destes contratos, indiciadora de uma utilização da maioria dos recursos planeados e afetados às entidades do SNS, não elimina a possibilidade de ocorrerem défices, como se tem verificado nos últimos anos", explica o CFP. Segundo o organismo, "os défices persistentes podem ocorrer por outras razões como o subfinanciamento, receitas insuficientes, despesas não previstas, aumento dos custos operacionais ou uma menor eficiência operacional".
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