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"Corremos o risco de, a prazo, atrair os menos talentosos para a política"
António Ramalho e Gonçalo Moura Martins concordam com a eliminação no imediato do corte de 5% nos salários dos titulares de cargos políticos, mas também defendem a definição para o futuro de melhores condições remuneratórias. Novo episódio do podcast Partida de Xadrez vai para o ar esta segunda-feira.
"A remuneração dos políticos portugueses está numa trajetória contrária à valorização da função", lamenta António Ramalho no 21.º episódio do podcast Partida de Xadrez que vai para o ar esta segunda-feira no site do Negócios e nas principais plataformas. Em seu entender, essa remuneração é cada vez mais baixa em termos relativos, compara mal com as práticas internacionais e está afastada da do setor privado.
Como exemplo, recorda que "um deputado sem exclusividade ganhava em 1990 11,48 vezes o salário mínimo nacional, quando neste momento ganha 4,75 vezes". Acrescenta que a diferença salarial entre o Presidente da República e a média dos CEO do PSI é de 1 para 10. E sublinha que na comparação internacional o primeiro-ministro português ganha 151% do PIB per capita, quando o espanhol chega a 170%, o francês a 243% e o de Singapura atinge os 1.154%.
Em seu entender, com a atual remuneração dos políticos portugueses "corre-se o risco de afastar os melhores, mas, pior do que isso, de a prazo atrair os menos talentosos para esta função".
Também Gonçalo Moura Martins avisa que, "tal como em todas as atividades, a qualidade paga-se". Em sua opinião, "os constrangimentos crescentes no exercício de funções públicas - quer os baixíssimos salários, quer as regras de incompatibilidades e de regresso à vida profissional - são altamente desencorajadoras do ingresso de muitos quadros que poderiam contribuir para a sociedade, agravando, por sua vez, o envolvimento de pessoas de baixa capacidade e sem alternativas pessoais válidas", alerta.
Os dois gestores concordam que o fim do corte de 5% nas remunerações dos titulares de cargos políticos que está em vigor desde 2010 deve acontecer no imediato, mas vão mais longe ao defender a valorização dos salários destes responsáveis no futuro, sugerindo formas de o fazer que não envolvam os próprios.
António Ramalho explica que são quatro as grandes bases da remuneração de qualquer profissão: atratividade, mérito exigido, nível de risco e visibilidade social. "Um jogador de futebol que ganhe uma fortuna é muito bem aceite pela sociedade, mas um político não é", diz, frisando que "esta reação social é, no fundo, a razão da baixa remuneração dos políticos".
Chamando a atenção de que outras funções no Estado auferem já mais do que o Presidente da República, Gonçalo Moura Martins não tem dúvidas que os salários dos políticos em Portugal são baixos, o que, "conjugado com o intrincado de incompatibilidades que se criaram", faz com que estejamos "não só a afastar os melhores da política, mas a convidar os piores".
António Ramalho recorda, por seu lado, que a função política tem hoje "um escrutínio extraordinariamente elevado, um princípio de incompatibilidades avassalador e até uma classificação de PEP - pessoa politicamente exposta".
Para Moura Martins, tem havido "falta de coragem" e "um complexo da classe política" no ajustamento das suas remunerações, o qual considera necessário ser feito pela "dignificação da atividade política, das instituições e dos cargos que ocupam". "No fim do dia o principal beneficiário é a própria sociedade", afirma.