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Ana Santos Pinto: No futuro, os EUA irão considerar quais as batalhas em que vale a pena lutar

Ana Santos Pinto tem um percurso académico dedicado a temas como as identidades dos Estados e dos cidadãos, a política de segurança da União Europeia e a geopolítica do Médio Oriente. Este conhecimento é articulado com o capital ganho como secretária de Estado da Defesa entre 2017 e 2019, Numa reflexão sobre os 20 anos do 11 de setembro, a investigadora e docente da Universidade Nova mostra preocupação com o domínio do discurso identitário do medo e a polarização nas sociedades liberais.
José Vegar e Vítor Mota - Fotografia 10 de Setembro de 2021 às 20:26

Vinte anos depois, o que importa pensar do 11 de setembro?

O atentado terrorista do 11 de setembro teve como alvo o centro político e económico de uma civilização e o seu impacto continua a ser muito importante no espetro político global. No entanto, 20 anos depois, temos de ter em atenção outras consequências estruturais do atentado. O terrorismo ganhou centralidade na narrativa política gerando um discurso do medo que atinge todas as áreas. Por outras palavras, o 11 de setembro abre a porta a um discurso identitário que promove o medo e condiciona de modo decisivo as sociedades desenvolvidas.

 

Como é que se manifesta esse discurso do medo?

Para começar, o outro passou a ser alguém que me pode causar insegurança e tudo aquilo que desconheço é uma potencial ameaça. Este discurso identitário, e a identidade, é muito importante porque é o que nos define e define o nosso lugar no mundo, interfere desde logo naquilo que pensamos sobre os refugiados e os fluxos migratórios. Por outro lado, a manipulação do discurso do medo, num número elevado de campos políticos, económicos e sociais, levou a uma alteração dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos das sociedades liberais.

 

Qual é a importância dessa alteração?

A noção de segurança foi muito alterada pelo discurso identitário do medo que surgiu do 11 de setembro e a maioria dos cidadãos abdicaram voluntariamente de direitos, liberdades e garantias para se sentirem mais seguros. Aliás, o discurso do medo chega a muitos mais lados do que pensamos. Leva-nos a esquecer que nunca conseguiremos prever e eliminar a 100% atentados terroristas. É também o discurso identitário do medo que nos impede de pensar que não resulta uma "guerra contra o terror". O terrorismo não é eliminado por uma guerra convencional em que há uma intervenção militar não contra um estado, mas contra um movimento. Esta é uma lição que tem sido pouco discutida nas sociedades desenvolvidas. Uma intervenção militar não resolve um problema estrutural. Mas esta narrativa interfere também em outras áreas, em sociedades democráticas como as que temos, porque o principal medo dos cidadãos destas sociedades é a perda do bem-estar. O medo de vermos reduzido ou de perdermos o modelo de desenvolvimento económico e social em que assentam as nossas sociedades é o que permite a difusão do discurso do medo.

 

A uma escala global, quais foram, para si, os direitos, liberdades e garantias mais afetados pelo discurso identitário do medo?

Ao longo dos últimos 20 anos assistimos ao desenvolvimento de políticas discriminatórias em relação a grupos, em função da sua etnia, território de origem, religião e convicções políticas ou ideológicas. Já a igualdade perante a lei foi posta em causa com a aprovação de legislação de exceção aplicável a suspeitos de terrorismo, em que temos como exemplo casos de detidos na base de Guantánamo, muitos condicionados ou mesmo impedidos de aceder ao sistema judicial norte-americano. Finalmente, em matéria de privacidade, considero que as concessões dos cidadãos são mais generalizadas e sem debate público informado, tal como é possível verificar com a utilização de dados biométricos, vídeo vigilância em espaços públicos e reconhecimento facial.

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