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Maria Lúcia Amaral: quem é a nova Provedora de Justiça?

Pela primeira vez o cargo é ocupado por uma mulher. É jurista, professora na Faculdade de Direito da Nova e especialista em Direito Constitucional. Foi juíza no Palácio Ratton durante os anos da crise e destacou-se ao não apoiar algumas das decisões que consideraram inconstitucionais várias medidas de austeridade.

Miguel Baltazar
04 de Novembro de 2017 às 17:00
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Tem uma longa carreira no Direito, primeiro na Universidade depois no Tribunal Constitucional (TC) e agora na liderança da Provedoria de Justiça, um cargo que é pela primeira vez ocupado por uma mulher. Maria Lúcia Amaral foi eleita esta quinta-feira, 2 de Novembro, pela Assembleia da República e substitui, assim, José de Faria Costa, que ocupou o cargo desde 2013, mas que não foi reconduzido num segundo mandato. No seu discurso de tomada de posse prometeu "independência perante o poder", "vigilância constante" e "obediência firme aos direitos fundamentais das pessoas". 

 

A nova Provedora de Justiça nasceu em Angola, no Huambo, há 60 anos. Aos 23 licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa com a classificação final de "bom com distinção" e 16 valores. Iniciou aí um percurso académico que a levaria, alguns anos depois, a concluir um doutoramento em Direito Constitucional, no qual foi aprovada com "distinção e louvor por unanimidade", de acordo com o seu extenso Currículo.

 

Dedicou-se a dar aulas, publicou uma vasta bibliografia e em 2007 chegou ao Tribunal Constitucional, depois de uma eleição na Assembleia da República por indicação do PSD. Aí ficaria durante dez anos, atravessando todo o período da troika, durante o qual o TC assumiria um particular destaque ao avaliar e declarar inconstitucionais algumas das medidas de austeridade do então Governo de Pedro Passos Coelho.

 

Votos de vencida nos cortes de subsídios e de vencimentos

Nessa altura, e por isso mesmo, o nome da discreta professora universitária acabaria por saltar para os jornais. Sem medos ou meias palavras, Maria Lúcia Amaral várias vezes se destacou nos acórdãos emitidos pelos juízes do Palácio Ratton chegando a votar isolada quando a decisão era a da inconstitucionalidade das medidas. Nas suas declarações de voto explicava porquê, confrontando directamente as posições do tribunal.

 

Aconteceu, por exemplo, quando sobre a mesa estava a suspensão dos subsídios de Natal e de férias da função pública e pensionistas. A medida acabaria por ser declarada inconstitucional e admitida apenas durante um ano, mas a decisão não teve o aval de Maria Lúcia Amaral, que nesse ano acabaria  então já vice-presidente do colectivo de juízes que foi a única a votar contra a declaração de inconstitucionalidade que considerou não estar "solidamente ancorada em razões jurídico-constitucionais".

 

Isolada na sua decisão, juntou ao acórdão uma declaração de voto na qual explicava a sua opção. "Não pode dizer -se que o direito à não diminuição do montante da retribuição do trabalho que em cada momento se aufira tenha o estatuto de direito fundamental", considerou. E, se é certo que as pessoas têm o direito a não verem "diminuídos os seus rendimentos" através "da ablação, pelo Estado, de uma percentagem significativa do seu montante", o país atravessava um momento em que o interesse público o justificava.

 

Apesar de o TC ter entendido que haveria outras pedidas alternativas ao corte dos subsídios, a magistrada foi de opinião de que o tribunal não dispunha "de nenhuma evidência que lhe permitisse comparar o grau de sacrifício exigido" à função pública e aos pensionistas "e o grau de sacrifício efectivamente sofrido por outros (nomeadamente os trabalhadores do sector privado) com a conjuntura económica existente". E votou pela não inconstitucionalidade.

 

Maria Lúcia Amaral voltara a votar vencida quando, em 2014, o TC avaliou o Orçamento do Estado para esse ano que alargou os cortes salariais dos funcionários públicos aplicando-os a partir dos de 675 euros brutos em diante. Os juízes consideraram que foi violado o princípio constitucional da igualdade, mas a então vice-presidente do tribunal optou por votar parcialmente vencida.

 

E foi dura na argumentação: "Com esta decisão o Tribunal invadiu um campo que pertencia ao legislador" e, "por ter agido à margem das exigências metódicas que são próprias da argumentação jurídico-constitucional, não deixa para o futuro qualquer bússola orientadora sobre o conteúdo da sua própria jurisprudência, e sobre o entendimento que tem quanto aos limites do seu próprio poder", escreveu na sua declaração de voto.

 

"Independência perante o poder" e "vigilância constante"

Maria Lúcia Amaral saiu do TC já 2017 e foi agora o nome indicado – mais uma vez pelo PSD – para o cargo de Provedora de Justiça. No seu discurso de tomada de posse afirmou que "o provedor não exerce nenhuma das funções soberanas do Estado. Todavia dele se exige que actue de tal forma que na actuação se reúnam qualidades de todas e cada uma dessas funções", sublinhou.

 

Para além disso, acrescentou, "o Provedor não julga", mas "dele se exige o que também se exige a quem julga": "Independência perante o poder", perante as partes e perante a popularidade. Da mesma forma que, não legislando, "dele se exige o que também se exige a quem legisla, como "obediência firme aos direitos fundamentais das pessoas", salientou.

 

A nova Provedora prometeu "vigilância constante face ao que concretamente vai acontecendo" e "eficácia na resposta às demandas dos cidadãos, informação necessária para prevenir, precaver, e uma vez o mal já feito, para ser capaz de suprir".

 

No final do discurso, Maria Lúcia Amaral desejou, citada pela Lusa, que não lhe falte "a capacidade para ser a provedora que todos os portugueses merecem".

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