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BES/GES: Eventual substituição de Ivo Rosa na instrução não implica novo sorteio

"Aquando da promoção de um Juiz de Primeira Instância a um Tribunal da Relação, este deixa de poder despachar os processos que lhe estavam distribuídos, os quais passarão a ser tramitados pelo juiz que for colocado nesse mesmo juízo, em virtude do movimento judicial normal, ou pelo substituto legal", refere o Conselho Superior da Magistratura.

Mário Cruz
06 de Abril de 2022 às 22:13
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A instrução do caso BES/GES será redistribuída sem sorteio ao juiz que substituir Ivo Rosa (na foto) no Tribunal Central de Instrução Criminal, se concretizada a mudança deste para a Relação em setembro, confirmou o Conselho Superior da Magistratura à Lusa.

"Aquando da promoção de um Juiz de Primeira Instância a um Tribunal da Relação, este deixa de poder despachar os processos que lhe estavam distribuídos, os quais passarão a ser tramitados pelo juiz que for colocado nesse mesmo juízo, em virtude do movimento judicial normal, ou pelo substituto legal", refere o Conselho Superior da Magistratura (CSM), em resposta à Lusa.

Este entendimento do CSM pressupõe que uma vez que a instrução deste processo foi atribuída por sorteio a um lugar de juiz e não a um juiz especificamente - no caso concreto ao lugar de Juiz 2 do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), ocupado pelo juiz Ivo Rosa -, a instrução é entregue ao juiz que ocupar esse lugar - seja por colocação ou por substituição legal - na passagem de Ivo Rosa para o Tribunal da Relação.

A efetivação da mudança de tribunal está, no entanto, pendente do resultado do processo disciplinar que recai sobre Ivo Rosa, em análise no CSM, no qual o juiz foi acusado de interferir indevidamente em decisões de colegas, nomeadamente do juiz, seu colega no TCIC, Carlos Alexandre.

Contudo, se não houver sanção ou se a sanção não impedir nem suspender a mudança para o Tribunal da Relação, a transferência deve ocorrer em setembro, o que pode levar a instrução do processo a mudar de mãos já depois de iniciada, exceto se o juiz já tiver nessa altura dado início ao debate instrutório, a fase final do processo de instrução.

É no debate instrutório que Ministério Público, arguidos e assistentes são chamados perante o juiz para uma discussão de avaliação de indícios que determinam se há fundamentos para a ida a julgamento.

"É necessário ter ainda em conta que o Juiz de Instrução que seja promovido ao Tribunal da Relação mantém a competência relativamente aos processos/fase de instrução em que já tenha iniciado o respetivo debate instrutório", refere o CSM em resposta à Lusa.

A entrada em funções na Relação pode também ficar suspensa a pedido do próprio juiz, caso este pretenda levar o processo de instrução até ao fim, uma hipótese avançada pelo advogado de defesa dos lesados do BES, Nuno Silva Vieira, que disse à Lusa que o juiz, depois de iniciada a instrução, pode requerer a suspensão da sua promoção a desembargador até concluir o processo.

O advogado afirma acreditar que Ivo Rosa pode concluir a instrução até setembro, uma vez que o magistrado já tinha indicado que só iria "admitir prova nova" nesta fase processual.

Acredita também que não será possível proferir uma decisão instrutória num prazo inferior a seis meses.

"Acredito que [o juiz] pode ouvir todas as pessoas até setembro, outra história é produzir o despacho. Admito que faça a instrução e depois peça a suspensão da subida à Relação, enquanto não produzir a decisão. Conto, depois de setembro, seis a oito meses só para o despacho. É impossível fazer algo em condições em menos de seis meses só para a decisão", explicou Nuno Silva Vieira.

Outra fonte ligada à defesa entende que "é absolutamente irrealista achar que a instrução termina até setembro", considerando o processo "quase ingerível", e criticando que possa haver uma mudança de juiz de instrução já com esta fase processual iniciada, e sobretudo, que essa mudança aconteça sem sorteio de redistribuição do processo.

"Será normal um juiz que não fez a instrução ir depois fazer o debate e a decisão instrutória? No maior e mais complexo caso da justiça portuguesa? Não faz muito sentido. Deveria haver um sorteio", disse.

Também Nuno Silva Vieira defende a realização de sorteio "por uma questão de verdade e de transparência".

"A questão do sorteio tem gerado muitas divergências entre Ivo Rosa e Carlos Alexandre. Era estranho agora não haver sorteio. Num cenário hipotético, ainda poderia voltar o juiz Carlos Alexandre", disse.

Uma outra fonte jurídica ouvida pela Lusa considerou que o CSM não pode impor o mês de setembro como data-limite para o juiz Ivo Rosa iniciar o debate instrutório sob pena de ser substituído por outro juiz, "pois nesse caso estaria a exorbitar os poderes e a anunciar a prática de um ato ilegal e inconstitucional, por violação do princípio do juiz natural".

"Um juiz de instrução só pode ser substituído por morte, impedimento definitivo" ou por motivos que originem uma ultrapassagem alargada dos prazos da instrução, acrescentou.

Quanto ao entendimento do CSM de que uma eventual substituição de Ivo Rosa por outro juiz de instrução não necessita de sorteio, a mesma fonte referiu que se fosse um dos advogados do processo "exigiria sempre um novo sorteio".

O início da instrução do processo BES/GES foi, no final de março, adiado pela segunda vez devido ao prolongamento da baixa médica do juiz Ivo Rosa, estando o arranque da instrução agendado para 26 de abril, no TCIC.

O processo conta com 30 arguidos (23 pessoas e sete empresas), num total de 361 crimes.

O mais mediático arguido deste caso é o antigo presidente do Grupo Espírito Santo (GES) Ricardo Salgado, acusado de 65 crimes, entre os quais associação criminosa (um), burla qualificada (29), corrupção ativa (12), branqueamento de capitais (sete), falsificação de documento (nove), infidelidade (cinco) e manipulação de mercado (dois).

Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro. Segundo o Ministério Público (MP), cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
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