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Finanças podem multar se quiserem. Falta saber se o farão
Com a alteração da Lei em Janeiro, as Finanças entendem ter suporte legal para multar os consumidores finais que não se asseguram que recebem factura. Falta saber se usarão esta arma.
"Pode ser mais uma lei com letra morta, com baixo nível de cumprimento e fiscalização diminuta, mas o certo é que desde o início deste ano todos os consumidores finais estão obrigados a garantir que a generalidade dos comerciantes e prestadores de serviços lhes passam uma factura. Se fizerem um consumo e saírem de mãos vazias, podem ser multados pelos inspectores do Fisco".
Assim começava o artigo do Negócios publicado a 13 de Fevereiro, que acabou por fazer correr muita tinta e dar lugar a declarações controversas, e nem sempre sintonizadas, por parte de membros do Governo.
Até 2012, a lei obrigava um comprador a pedir factura naqueles casos em que o vendedor ou prestador de serviços era colectado na categoria B do IRS, ou seja, fosse um empresário em nome individual ou um profissional liberal.
Agora, com a publicação do decreto-lei 197/2012, a obrigação de exigir os recibos ou facturas num acto de compra foi estendida também aos casos em que o vendedor é uma empresa colectada em IRC, ou seja, a praticamente todas as situações (ficam por exemplo excepcionados os casos e que o prestador de serviços está no regime de isenção de IVA, por não chegar a facturar 10.000 euros por ano).
Depois da publicação da notícia pelo Negócios, houve fiscalistas que consideraram que, pela forma como a norma está redigida, o Fisco não pode multar. Mas o facto é que essa é a interpretação que as autoridades públicas fazem da Lei, como confirmou na altura ao Negócios Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), ao garantir que "decorre destes regimes que um consumidor final está sempre obrigado a pedir factura".
Fisco multa ou não multa? Eis a questão
A questão está agora em saber se o Fisco vai ou não usar desta sua prerrogativa legal e multar consumidores. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que começou por dizer que já havia inspectores tributários na rua com este intuito, acabou por reconhecer tratar-se de acções preventivas com o objectivo de sensibilizar os agentes económicos. Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça, lembraria mais tarde em entrevista à Rádio Renascença que "se eu for a sair de um estabelecimento, ninguém pode chegar ao pé de mim e revistar-me até encontrar a factura", na tentativa de tentar "desmistificar" as reacções alarmadas que se sucederam.
De facto, tal como o Negócios escreveu logo na altura, a nova lei exige que o consumidor se certifique de que lhe foi passada uma factura na generalidade das compras que fizer, mas já não o obriga a conservar essa mesma factura. Pelo que, se for interpelado na rua pelos inspectores tributários, pode sempre responder que deitou a factura fora. Contudo, se for apanhado em flagrante delito, no acto do pagamento, já não há justificação que o salve.
Como indicador sobre o zelo com que os inspectores vigiarão a aplicação desta norma, há ainda a experiência passada. E nos últimos anos não há memória de alguém alguma vez ter sido multado por não ter exigido a factura (embora até 2012 fossem reduzidas as situações em que o consumidor era obrigado a garantir a emissão do documento).
Pelo sim, pelo não, convém ter presente as penalizações potenciais. O regime das infracções tributárias prevê que quem viole a obrigação de pedir factura, nos termos da lei, possa ser sujeito a uma coima que varia entre os 75 e os 2.000 euros.
Alargamento: Lei foi alterada no início deste ano
- O Decreto-lei 197/2012 altera o nº 132º do Código do IRC, dizendo que "o disposto no número 4 do artigo 115º do Código do IRS é aplicável, com as necessárias adaptações, aos rendimentos sujeitos a IRC".
- O nº 4 do artº 115º do IRS diz que "as pessoas que paguem rendimentos previstos no artigo 3º [categoria B] são obrigadas a exigir os respectivos recibos ou facturas". Da conjugação destas duas normas resulta que quem faça negócio com empresas ou trabalhadores por conta própria fica obrigado a exigir a factura.
- O artº 123º do Regime Geral das Infracções Tributárias diz que "a não exigência, nos termos da lei, de passagem ou emissão de facturas ou recibos (...) é punível com coima de 75 a 2.000 euros".