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Inquilino com renda antiga recupera casa junto do Constitucional
Os juízes deram razão a um arrendatário que tinha sido despejado porque, no processo de renegociação da nova renda, não juntou logo de início documentos a comprovar que era idoso e que, por isso, beneficiaria do regime de transição. O caso chegou ao TC que agora lhe deu razão.
Passaram mais de três anos desde que, no início de 2013, Manuel Alves e a sua mulher receberam uma carta do senhorio a avisar que pretendia aumentar-lhes a renda da casa e que o contrato de arrendamento transitaria para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, passando a ter um prazo fixo. O contrato era verbal, celebrado há mais de 50 anos, e a renda, de 13 euros, iria passar para 163 euros, passando o contrato a ser de cinco anos.
Quem respondeu ao senhorio foi a Associação de Inquilinos do Norte de Portugal (AINP), que invocou a baixa situação financeira do inquilino, o facto de este ser octogenário e de a sua mulher sofrer de uma incapacidade. Estariam, assim, reunidas as condições para que o casal beneficiasse do regime de excepção previsto na Lei que lhe asseguraria, por um lado, um tecto máximo no aumento da renda, de acordo com os seus rendimentos e, por outro, que o contrato se manteria por prazo indeterminado. No entanto, na resposta ao senhorio não foram enviados os documentos comprovativos das circunstâncias invocadas. E, assim sendo, estas não poderiam ser tidas em conta.
Além disso, como na resposta a AINP até contrapusera com o valor de renda que considerava justo, tendo em conta a situação financeira do inquilino, o senhorio considerou que estava aberto um processo negocial, no âmbito da nova lei das rendas e tudo culminaria num processo de despejo, com o proprietário do imóvel a solicitar a resolução do contrato de arrendamento.
Basicamente, estava em causa o artigo da Lei das Rendas que, na sua versão original, determinava que os inquilinos que não enviassem os documentos comprovativos dos regimes de excepção que invocassem – fosse quanto aos rendimentos, fosse quanto à idade ou ao grau de deficiência – ficariam "automaticamente impedidos de beneficiar" dessas circunstâncias.
O inquilino ainda invocou o desconhecimento da Lei, por esta ter entrado em vigor pouco tempo antes, mas o tribunal remeteu para o princípio geral segundo qual a ignorância da Lei não justifica a falta do seu cumprimento.
O tribunal da comarca do Porto deu razão ao senhorio e, posteriormente, também ao Tribunal da Relação optaria por uma decisão idêntica. O inquilino não se conformou e recorreu para o Tribunal Constitucional e agora, mais de três anos depois de ter recebido a primeira carta a aumentar-lhe a renda, os juízes do Palácio Ratton vieram dar razão ao arrendatário.. Entretanto, a Lei até já foi alterada, mas, pelo meio, muitos inquilinos com menos conhecimentos e apoio legal viram mesmo as suas rendas actualizadas para valores incomportáveis e os seus contratos passarem a ter um prazo definido, findo o qual podem ser despejados.
Lei violava o princípio da proporcionalidade
O Tribunal Constitucional considerou, num Acórdão de 5 de Maio e agora publicado em Diário da República, que o artigo da Lei das Rendas que estava em causa era inconstitucional por violar o princípio da proporcionalidade. Deu assim provimento ao recurso, e determinou a "reformulação da decisão recorrida", ou seja, que o contrato se mantivesse, sem que o despejo fosse efectivado.
O Acórdão não tem força obrigatória geral, o que significa que se aplica apenas a este caso concreto, mas poderá ter influência em processos que estejam ainda pendentes em tribunal.
Entretanto, refira-se, o artigo em causa já foi alterado, por lei de 2014. Agora, na sua comunicação inicial ao inquilino sempre que pretenda iniciai um processo de aumento de renda, o senhorio tem de o informar, nomeadamente, dos documentos comprovativos que terá de entregar e das consequências que arrisca caso não o faça.