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Portugal faz torcer narizes, mas não tira o sono a Berlim

Nos próximos meses, muita coisa pode correr mal para a coesão da UE e do euro. Além da incerteza política reinstalada em Itália, há eleições em países centrais, caso da Alemanha. Visto de Berlim, Portugal parece ser a menor das dores de cabeça.

06 de Dezembro de 2016 às 09:00
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Brexit, Trump, presidenciais austríacas, reforma política chumbada em Itália. Com maior ou menor fundamento, os resultados das mais recentes chamadas  às urnas têm sido interpretados como um voto sobre a (des)confiança e o desejo de (des)continuidade do projecto europeu. À medida que as páginas do calendário de 2017 forem folheadas, mais "referendos" à União Europeia (UE) irão genuinamente ocorrer. 

Além da incerteza política agora reinstalada em Itália, há eleições marcadas em três outros países fundadores – Holanda (Março), França (Maio) e Alemanha (Setembro) – e todas elas prometerem ficar marcadas por resultados inéditos ou vitórias  inapeláveis de forças políticas que querem seguir o caminho britânico do "Exit". A menos de um ano das eleições nas quais Angela Merkel tentará igualar o recorde de longevidade de Helmut Kohl, o Negócios esteve em Berlim, capital do país por onde há muito passa, e cada vez mais, o essencial da política europeia. Visto por olhos lusos, a primeira constatação é que Portugal não existe: só se fala do país se os jornalistas indagarem. A solução de Governo e a situação económica e financeira ainda fazem torcer alguns  narizes, mas Portugal não tirará hoje o sono  a nenhum alto funcionário ou governante alemão.

Uma nova crise da dívida na Zona Euro não é uma hipótese posta de parte, e, nesse cenário, Atenas e Lisboa continuam a ser vistos como os elos mais frágeis. Mas no Ministério alemão das Finanças, por exemplo, considera-se que Portugal tem uma "história positiva para contar". É verdade que a dívida pública continua a subir, que as perdas da banca parecem não ter fundo, mas "o fundamental" – respondem-nos – passa por o governo apresentar no fim deste ano um défice orçamental inferior ao limite de 3% do PIB e garantir que esse limite máximo não será ultrapassado nos anos vindouros. "Se os dados fundamentais [da economia] forem positivos e se perspectivar uma descida do rácio da dívida, podemos facilmente recomendar a quem nos procura que financie um pequeno país do euro", diz-nos um alto funcionário acostumado a receber gestores de fundos.

Foi esse percurso "positivo" que levou o ministro Wolfgang Schäuble a mostrar-se contra a possibilidade de Portugal, a par de Espanha, ser sancionado com multas por não ter cumprido as metas orçamentais nos últimos três anos. Já quanto aos fundos estruturais, a conversa é outra: Berlim acha que a Comissão Europeia pisou feio no risco, ao pura e simplesmente ignorar os regulamentos comunitários quando decidiu pela não-suspensão.

Mas essas são contas que a Alemanha tenciona acertar a partir de Março. Quando a Comissão puser à discussão o "livro branco" sobre a reforma da governação económica, Berlim defenderá uma condicionalidade "sistemática" entre os financiamentos da Política de Coesão (que absorve hoje 40% do Orçamento comunitário)  e o cumprimento não só das metas orçamentais como das inscritas nos programas nacionais de reforma das economias.

No imediato, porém, o que mais preocupa Berlim é Itália, desde logo devido à fragilidade da banca num país hiper-endividado, que cresce há décadas  em torno do zero. Preocupa também a Grécia, porque, tal como Itália, é hoje uma das principais portas de entrada de imigrantes e de refugiados que querem chegar e viver na Alemanha. E porque sobre a mesa está uma renegociação das condições de pagamento da dívida que pode significar uma poupança de 50 mil milhões de euros para Atenas - e perdas equivalentes para quem lhe emprestou. "Isto é um quarto resgate", avisa-se. E resgates têm de ser aprovados pelo parlamento. Da última vez que Merkel pediu autorização aos eleitos pelo alemães para emprestar à Grécia mais de uma centena de deputados votou contra – metade eram do seu partido, a CDU, e, sobretudo, da CSU, os conservadores da Baviera. "Também temos populistas aqui, não é só em Atenas", alerta-se.

Desde esse Verão de 2015, o AfD – partido agora liderado  por  Frauke Petry, que não quer mais financiar resgates, nem receber refugiados e que acena com a possibilidade de fazer um referendo para tirar a Alemanha da UE – conseguiu eleger deputados em todas as eleições estaduais, sendo provável que, em Setembro de 2017, entre pela primeira vez no Bundestag com uma votação superior a 10%. Resultado? "Vai derrubar o sistema tradicional de formação de governos, ao impedir a CDU de fazer coligações à direita e pode tornar aritmeticamente insuficiente uma reedição da actual grande coligação CDU-SPD", prevê o analista político Frank Burgdörfer. 

A maior dor de cabeça em Berlim tem também nome de mulher mas diz-se em francês. "Se Marine vencer em França e tirar a França da UE, acabou UE e acaba uma das ‘raison d’Etat’ da Alemanha. Entraremos num novo paradigma", antecipa Eckart D. Stratenschulte. Para o director da Academia Europeia de Berlim, "2017 será o ano de todos os perigos".


* Em Berlim, a convite da Academia Europeia de Berlim

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