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O almoço de António Costa

Razão tinha Mário Soares: em tempos de crises nada como uma boa sesta sem ninguém a chatear. Sentiu só um fogo no estômago.

Correio da Manhã
31 de Maio de 2016 às 14:00
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Enquanto devora um hambúrguer duplo-cheese, António Costa folheia um velho número da revista "Tintin". Ri-se com uma das aventuras de Astérix em que os membros da aldeia amordaçam Cacofonix, o bardo, depois de  desfazerem uma coluna de romanos. Cacofonix, não sabe porquê, lembra-lhe Jeroen Dijsselbloem, o presidente do Eurogrupo. Que emite uns ruídos cada vez que lhe colocam um microfone e uma câmara de televisão defronte dos olhos.

Dijsselbloem estivera em Lisboa e andara a passear pela cidade. Esperava que os lisboetas lhe pedissem autógrafos mas só encontrou pessoas que não falavam português e o ignoravam. Tinha elaborado uma lista com medidas para o Governo com base no que vira. Propunha uma taxa especial sobre cada cidadão que demorasse mais de meia hora a almoçar. Parecia-lhe um exagero o tempo que os portugueses perdiam a comer bitoques. Vira uns seres a arrumar carros e achava que ali também estava uma excelente fonte de receita para o Estado. Como vislumbrou muitos centros comerciais propunha também que fossem colocados torniquetes à entrada para que cada consumidor pagasse 50 cêntimos para entrar. 50% da receita iria para o Estado e 50% para ajudar as despesas do Eurogrupo com assessores.

António Costa, que mandou o chefe de gabinete pôr o euromilhões, porque já tonha chegado à conclusão de que só com a bênção da sorte era possível ultrapassar qualquer dificuldade, sentiu que a dor de cabeça não desaparecia. Tinha estado ao telefone meia-hora com Catarina Martins.

Quando desligou pensou que tinha sido um abuso terem considerado que António Guterres era uma "picareta falante". Mas tudo tinha começado durante o pequeno-almoço. Tinha-se cruzado com Mário Nogueira, que estava com olheiras. Quando Costa lhe perguntou o que se passava, o líder da Fenprof disse-lhe que estava deprimido porque o PCP estava a pensar eleger Arménio Carlos para suceder a Jerónimo de Sousa e não a ele. Disse-lhe que, para combater a depressão, ia marcar uma greve geral de professores. Depois arranja um motivo. Naquele instante tinha entrado Ana Avoila para beber o seu galão escuro e comer uma bola de Berlim, que disse logo que o seu sindicato ia marcar uma greve de solidariedade com qualquer uma que Nogueira decidisse. Quando Costa saiu ficaram os dois a combinar os pormenores.

As coisas não corriam muito bem. Mário Centeno, sempre a rir, tinha-lhe dito que o défice tinha aumentado, o desemprego também e havia mais um banco à espera de intervenção. Para ajudar o BCE já tinha cortado todas as hipóteses de apoio ao banco, limitando as opções a mais uma resolução. Costa ainda pensou telefonar a Vítor Constâncio, mas este da última vez tinha dado o recado à sua secretária que não estava a jogar um jogo de computador qualquer e não o podia atender. Para mais a secretária só falava alemão, língua que Costa não entendia. Centeno estava, no entanto, optimista. O anúncio de um gigantesco investimento indiano numa fábrica de automóveis perto de Sines, depois da viagem de Costa à Índia, era uma lufada de ar fresco.

Angola também voltava a comprar produtos a Portugal, apesar do BCE ter achado que era perigoso para a economia portuguesa vender o que quer que fosse a Luanda. Ainda se fossem empresas alemãs ou francesas a fazê-lo não haveria tantos riscos, dissera-lhe Mario Draghi. Costa apetecera-lhe na altura convidá-lo, não para uma reunião do Conselho de Ministro, mas para a noite de São João no Porto. Poderia ser que a sua cabeça ficasse dorida com os alhos-porros. Rui Moreira., a rir, prometera-lhe uma brigada municipal capaz de levar a cabo o desafio. O que vale é que havia momentos de descontracção. Na noite anterior Costa tinha ido jantar com Boris Johnson, que estivera em Lisboa para o o convidar para a grande conspiração europeia contra Bruxelas. Johnson, depois de beber uma garrafa de Barca Velha e de ter ficado fã de chouriço assado, prometera-lha que, se alinhasse no projecto, assim que fosse eleito para o nº10 de Downing Street após o golpe que tinha preparado contra David Cameron, a Grã-Bretanha criaria uma linha de investimento para Portugal. E que para isso Portugal também Portugal poderia contar co os amigos americanos que estavam fartos de Angela Merkel. Quando brindaram com um Porto Vintage à Velha Aliança, Costa e Johnson acreditaram por momentos que o Tratado Orçamental já não existia e que Portugal podia decidir o que queria.

António Costa comeu a última batata frita com o que restava de ketchup. Recostou-se na cadeira. Olhou para a última sondagem eleitoral. Não era má. O PS continuava à frente do PSD. O CDS crescia, comendo votos a Passos Coelho. O BE continuava forte e o PCP parecia perder força. No terreno já estavam os candidatos para as autárquicas, que Marcelo tinha colocado como data para ver que decisões sobre o Governo tomaria a seguir. O Porto não preocupava Costa. Rui Moreira venceria a candidatura surpresa do PSD: Vítor Baía. Passos Coelho apostara forte em nomes conhecidos do futebol e da televisão para candidatos a presidentes de Câmara.

Em Lisboa, Fernando Medina iria ter mais dificuldades, porque depois de demasiadas mudanças ao mesmo tempo o trânsito estava ingovernável na capital. Deixara também de ser possível alugar um T0 em Lisboa por menos de mil euros. Havia agora menos eleitores na capital, devido à fuga para os concelhos limítrofes. Pedro Santana Lopes decidira avançar. Ia ser uma luta dura. Costa acreditava que o PS ia ganhar as autárquicas. Que Passos Coelho ia cair, para prazer de Marcelo. E que um nome mais conciliador ia surgir no seio do aparelho do PSD. Com o CDS a subir se existissem eleições antecipadas todas as coligações seriam possíveis. Espreguiçou-se quando ouviu o bater na porta. O chefe de gabinete entregou-lhe o boletim do euromilhões. Beijou-o. Estava ali a sua hipótese de libertação. De Marcelo. Do BE. Do PCP. Da União Europeia. Dos estivadores. Dos donos dos colégios privados. Do Passos. Da Assunção. Do Álvaro Beleza. Do Sócrates. Lembrou-se de uma canção da sua juventude: "I’m Free" dos Who.

Acabou de ler a história de Astérix. Cacofonix continuava calado. Estava livre. Nisto tocou o telefone. A secretária informou-o que era de Bruxelas. Um tal de Juncker. Mas tinha dito que Costa não podia atender. Como era nova a secretária, que tinha vindo da JS, pensou que era da fábrica de uns esquentadores e tinha respondido que isso era com a Direcção-Geral das Obras Públicas. E tinha despachado o tal de Juncker para lá. Costa agradeceu. Tinha de promover a rapariga. Talvez a assessora de comunicação. Fechou os olhos. Razão tinha Mário Soares: em tempos de crises nada como uma boa sesta sem ninguém a chatear. Sentiu só um fogo no estômago. Tinha de deixar de comer hambúrgueres. Deveriam ser feitos de carne picada alemã. O que não era nada bom para a saúde.
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