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Miguel Faria e Castro: "Os nómadas digitais são uma grande oportunidade para Portugal"

Jovem, altamente qualificado, Miguel Faria e Castro vê Portugal a partir dos Estados Unidos. Confia na capacidade do país para dar a volta à crise e critica a Europa por não fazer mais.

Cortesia do próprio
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Como avalia a atual situação económica em Portugal?
Portugal foi dos países da Europa mais afetados pela crise pandémica, o que é normal porque é muito exposto a atividades que se baseiam em elevado contacto físico – turismo, lazer, etc. Mas se caímos mais, agora recuperamos mais. A vacinação em Portugal estava um bocado lenta no início, como no resto da Europa, mas parece que está a acelerar. Extrapolando com base nos Estados Unidos, assim que se começa a atingir uma massa crítica de população vacinada, a economia recupera muito rapidamente porque as pessoas estão inquietas para voltar aos restaurantes, aos cinemas e às estâncias balneares.

A economia vai recuperar bem?
Em princípio vai recuperar bem em virtude da procura acumulada. A crise teve efeitos muito desiguais na sociedade. Houve pessoas muito afetadas e houve outras cujos rendimentos se mantiveram e o consumo diminuiu porque deixaram de viajar, de ir a restaurantes, etc. E portanto têm agora essas poupanças acumuladas e muitas estão inquietas para gastar.

O grande peso dos serviços e atividades de proximidade pode forçar o país a mudanças estruturais?
Não é claro se a covid vai ser uma coisa que aconteceu uma vez, como a gripe espanhola em 1917, ou se será recorrente. Mas é possível que mesmo que se torne recorrente, se desenvolva todos os anos um booster, ou uma nova vacina, que é eficaz contra as variantes daquele ano. Nesse caso, acho que vamos regressar um pouco para a economia que tínhamos pré-covid. Nesse caso não há fragilidades estruturais para a economia portuguesa, porque em princípio a indústria do turismo recupera. Há outros pontos  interessantes e que até podem ser uma vantagem para a economia portuguesa, que é a tendência do teletrabalho, que foi acelerada pela pandemia. Penso que veio para ficar e pode ser uma vantagem para a economia portuguesa.

Porquê?
Fala-se muito nos nómadas digitais que são pessoas que estão em constante teletrabalho, e que em princípio podem-se mudar para Portugal. Podem trabalhar para empresas de Nova Iorque, Londres, Berlim, e estão a receber rendimentos proporcionais ao nível de vida dessas cidades, mas se calhar vivem em Vila Real, ou em Beja. É uma oportunidade bastante grande para Portugal. Há mudanças estruturais que podem ser más, mas há outras boas.

O Governo português fez o que devia para amparar a economia?
Houve programas que no curto prazo funcionaram muito bem. O lay-off foi um dos grandes sucessos em termos de política pública na pandemia. A taxa de desemprego em Portugal aumentou relativamente pouco, comparado com outros países da Europa e fora da Europa. E mais importante do que isso ainda, o rendimento disponível das famílias em Portugal não caiu em 2020, o que é incrível. Caiu na maior parte dos países europeus. Isso é apontado como uma das grandes diferenças na recuperação dos EUA e da Europa.

Como?
Nos EUA tivemos o Governo a atirar dinheiro às pessoas, de várias formas, a enviar cheques para casa, a aumentar imenso os subsídios de desemprego. E como consequência disso, tivemos um crescimento do rendimento disponível em 2020 completamente sem precedentes. Muitos analistas apontam o grande aumento do rendimento disponível nos EUA como um dos fatores que vai potenciar e facilitar muito a recuperação. No agregado da União Europeia, o rendimento disponível caiu em 2020. O que em princípio aponta para uma recuperação muito mais fraca.

E em termos da política de recuperação? O Governo português está a decidir bem?
É claro que a Europa está a ser demasiado modesta. Mas em termos percentuais Portugal até está melhor do que o agregado da Europa. O NextGeneration EU corresponde a cerca de 5% do PIB da UE. Em Portugal o Plano de Recuperação e Resiliência [PRR] corresponde a quase 8%.

Portugal devia usar na totalidade os empréstimos disponibilizados pela UE?
É uma questão muito complicada. É preso por ter cão e preso por não ter. Na UE a resposta está a ser muito mais modesta do que devia ser. A resposta portuguesa, o PRR, mesmo contando só com as subvenções, já é melhor do que a média europeia. E temos a questão da sustentabilidade da dívida, que é muito importante. O Governo está a ser cauteloso e eu compreendo a posição do Governo. Acho que a falha é ao nível das instituições europeias. O Governo não tem incentivos para pedir esses fundos emprestados se daqui a dois anos a Comissão Europeia vem culpá-lo e dizer que não está a cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Ou os critérios são reformados e repensados, ou a Comissão está a gerar os incentivos errados para estes programas. Tem estes programas todos disponíveis, mas os Estados-membros acabam por não utilizá-los na totalidade porque sabem que daqui a dois três anos vão gerar problemas políticos. Coloco a culpa mais nas instituições europeias do que no Governo.

Comparando com Itália, o poder que Portugal tem para enfrentar essa eventual pressão europeia também é diferente.
Sem dúvida. A Itália em termos práticos tem muito mais espaço para violar regras do que Portugal. Mas a comparação interessante até é mais com a Grécia. A Grécia também está a usar uma componente elevada dos empréstimos, aliás, o estímulo total será de cerca de 16% do PIB, que é mais do dobro do plano português. Parte deste programa também vão ser empréstimos. A Grécia está numa situação em termos de fundamentais muito parecida com a portuguesa: é uma economia muito exposta ao turismo, sobre-endividada, que ainda estava a recuperar da crise da dívida soberana. Mas está a adotar uma postura muito mais ambiciosa em termos de política de recuperação.

Olhando para a frente, há a intenção de rever as regras orçamentais. Mas será inevitável consolidar as contas e ter novamente austeridade?
Por enquanto há apoio monetário do Banco Central Europeu. Com os programas de compra de ativos e de dívida pública, apesar de termos um rácio de dívida pública no PIB elevado, os custos de financiamento são muito baixos. Enquanto não houver crescimento e, ou, inflação sustentados na zona euro, o BCE vai continuar com a postura de acomodação. O problema é o que acontece quando houver inflação ou crescimento. Se for ao mesmo tempo, não é muito mau porque ambos ajudam a reduzir o rácio de dívida pública no PIB. O problema é se tivermos inflação sem crescimento. O BCE está muito mais enviesado em relação à inflação do que ao crescimento. Mesmo que a zona euro ainda tenha o desemprego alto e o crescimento real do produto não seja muito elevado, se houver inflação o BCE vai começar imediatamente a retirar estímulos. E aí será uma situação complicada.

O jovem que saiu quando a troika chegou Miguel Faria e Castro saiu do país em 2011 para estudar nos Estados Unidos. "Estava a troika a chegar a Portugal e eu a sair", recorda. Doutorou-se em Economia na Universidade de Nova Iorque e acabou por ficar. Continua a acompanhar de perto o país, mas surpreende-se quando vem a casa e vê o "boom do turismo", revela. "Para o bem e para o mal, tanto Lisboa como o Porto são cidades muito mais bonitas hoje do que quando saí de Portugal", diz. No curto prazo, não se imagina a regressar, mas não coloca a hipótese de lado. Portugal tem oportunidades para os jovens, assegura.


Muitas pessoas têm poupanças acumuladas e estão inquietas para gastar


A Grécia está a ser muito mais ambiciosa na política de recuperação da crise
 
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