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Merkel assume que perdeu reputação em Portugal, Grécia e Itália na crise do euro

A antiga chanceler recorda nas suas memórias como em momentos decisivos do verão de 2015, pouco antes de ser decidido o terceiro resgate à Grécia, a sua relação com o primeiro-ministro grego, o esquerdista Alexis Tsipras, era boa.

2016
Fabrizio Bensch
26 de Novembro de 2024 às 08:57
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A ex-chanceler alemã Angela Merkel reconhece que perdeu totalmente a sua reputação em países como Portugal, Espanha, Grécia e Itália pela sua política baseada em resgates a economias e bancos europeus em troca de austeridade rigorosa e duras reformas.

"Haverá sempre a questão de saber se eu deveria simplesmente ter cedido e desistido de todas as exigências de duras medidas de austeridade e reformas económicas na Grécia, Portugal, Espanha e Itália. A minha reputação nestes países foi completamente arruinada", escreve Merkel na sua autobiografia publicada esta terça-feira com o título "Liberdade".

Sobretudo a Grécia, mas também a Irlanda, Portugal e, em menor medida, Espanha e Itália, foram países que beneficiaram das ferramentas anticrise de que a União Europeia se dotou nos oito anos que durou a crise do euro, entre 2008 e 2016.

Merkel, no entanto, manteve-se firme quando se tratou de aumentar as condições de acesso ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) ou ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), do qual a Irlanda e Portugal e, em 2012, a Espanha beneficiaram para "financiar os seus bancos".

No livro da ex-chanceler, a crise do euro ocupa um capítulo em que a antiga chefe do Governo alemão revê os momentos-chave daqueles momentos de dúvidas existenciais, em geral, sobre o euro e, em particular, relacionadas com a continuidade da Grécia na zona euro.

Wolfgang Schäuble, que morreu há um ano e que foi ministro das Finanças de Merkel entre 2009 e 2017, propôs à então chanceler no verão de 2015, após uma cimeira mal sucedida, que "a melhor solução para todos seria a Grécia sair temporariamente da zona euro", algo que a chefe do Governo rejeitou.

"Continuei a trabalhar para que a Grécia continuasse a ser membro da zona euro" porque "o euro era mais do que apenas uma moeda, simbolizava a irreversibilidade do processo de unificação europeia, e a Grécia fez parte de tudo isto", escreveu Merkel, que revelou que pensou muito sobre a continuidade da Grécia na zona euro, algo muito debatido na Alemanha naquela altura, desde o verão de 2012.

A antiga chanceler recorda também nas suas memórias como em momentos decisivos do verão de 2015, pouco antes de ser decidido o terceiro resgate à Grécia, a sua relação com o primeiro-ministro grego, o esquerdista Alexis Tsipras, era boa.

Ambos, segundo Merkel, assinaram uma "obra de arte da comunicação" quando em junho desse ano realizaram uma conferência de imprensa na qual, "com um tom amigável e próximo", e apesar de "grandes diferenças", falaram com "disposição para encontrar uma solução".

Isto não impediu Tsipras de fazer campanha pelo "não" no referendo sobre o terceiro programa de resgate e no qual foi imposta a recusa dos gregos.

A conversa telefónica em que Tsipras telefonou a Merkel e ao então presidente francês, François Hollande, para os informar que iria convocar o referendo, "foi talvez o momento mais surpreendente de todos os telefonemas" que a ex-chanceler teve na sua carreira.

A antiga chanceler recordou ainda nas suas memórias como, para tentar suavizar as condições de acesso ao fundo de resgate, o então primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, uma vez lhe telefonou a meio da noite, mas a líder alemã "manteve-se firme".

"Se eu tivesse desistido de exigir uma melhor disciplina orçamental e competitividade nos países que necessitam de um resgate, para além do facto de nunca ter obtido a aprovação do meu próprio partido e da coligação, não teria agido de acordo com as minhas convicções", contou Merkel.

"A alternativa eram garantias sem condições, o que gradualmente teria levado a que todos tivéssemos de assumir a responsabilidade pela dívida da zona euro", e isso teria acabado por "minar a confiança na moeda única", escreve ainda a antiga chanceler.
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