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Luís Campos e Cunha - Brilhante na teoria, uma incógnita na prática
«Académico brilhante», «disciplinado», «liberal». A competência técnica de Luís Campos e Cunha é unanimemente reconhecida por quem o conhece e de perto trabalhou com ele. As grandes dúvidas estão na capacidade e rapidez de decisão enquanto ministro das Fi
É possível que a disciplina que lhe apontam no carácter venha do pai, o tenente-coronel Ferreira da Silva, que foi secretário de Estado da Comunicação Social e Chefe de gabinete de Costa Gomes logo após o 25 de Abril.
«Disciplinado», «íntegro», «rigoroso», «cordato», «civilizado» são palavras frequentes quando se pedem os traços essenciais de Luís Campos e Cunha a quem o conhece e já trabalhou próximo dele.
Para quem o conhece apenas fora dos gabinetes, o novo ministro das Finanças tem «cara fechada», é tímido, reservado. «É tímido mas tem sentido de humor», diz um dirigente socialista que o conhece bem. «Sim, tem algum sentido de humor», confirma um ex-colaborador.
Ninguém tem dúvidas sobre as suas capacidades e brilhantismo técnico, enquanto economista. «Estuda muito, lê muito antes de formar uma opinião», ouve-se com frequência. «É muito ponderado, muito reflectido. É um verdadeiro académico», confirma outra fonte contactada pelo Jornal de Negócios.
Apontam-lhe a clara tendência liberal e dizem que «é um defensor das virtudes do mercado». Este é um dos traços que marca aquilo que, para muitos, é um posicionamento económico situado mais à direita. Outros sintomas: «É um ortodoxo em termos de finanças públicas. Fez comentários sempre mais à direita, dizendo que nos últimos anos se fez pouco em termos de consolidação orçamental». E, numa linha semelhante à de Teodora Cardoso, sempre apontou a falta de estratégia para a redução estrutural da despesa do Estado.
Estado que tem sobretudo um papel de redistribuição de riqueza. O dirigente socialista cita o próprio Campos e Cunha para definir o seu posicionamento económico em duas palavras: «É um liberal com consciência social». Ou seja, muito pouco o distinguirá nesta matéria de toda a área que vai do centro-esquerda à direita. O facto de ser, até agora, o director da faculdade de Economia da Universidade Nova, talvez a escola mais liberal do país, ajuda a compôr este retrato e a construir a fama que também é proveito.
Sobre a capacidade de decisão política já há mais dúvidas do que certezas. Não sendo um militante socialista, sem peso político reconhecido pelas bases do partido e pelos colegas do Conselho de Ministros, há quem coloque em causa a capacidade e autoridade para dizer «não». «Os académicos não dizem ‘não’. Dizem ‘sim, mas?’, depois vão estudar o assunto e voltam a estudar. Não me parece muito firme nessa capacidade de decidir contra a corrente», afirma o ex-colaborador contactado.
«Vamos ver qual a sua capacidade de decisão. Essa é a grande incógnita. A vida académica é sempre mais fácil», afirma um economista. Se o académico passa com distinção e louvor, o verdadeiro exame ao ministro começa hoje. O novo ministro das Finanças vem directamente da Universidade Nova, onde dirigia o curso de economia e onde era professor catedrático desde 1985, após o doutoramento na Universidade de Columbia (Nova Iorque). Com 51 anos, esteve na primeira licenciatura em economia da Universidade Católica. Foi colega de António de Sousa (que esteve no Banco de Portugal e, recentemente, na CGD), de Pedro Teixeira Duarte (da construtora com o mesmo nome) e de Manuel Faria Blanc (director financeiro da Cimpor e ex-BCP). Receberam o diploma em 1977.
A sua aproximação à política aconteceu, discretamente, nos Estados Gerais do PS que levaram António Guterres ao poder em 1995. Nos primeiros dois meses de governação socialista chegou a chefiar o gabinete de assessores económicos do então recém-empossado primeiro-ministro e seu amigo pessoal e em Fevereiro de 1996 foi chamado para o cargo de vice-governador do Banco de Portugal. O governador era, então, António de Sousa.
Em 2000 dá-se a troca de cadeiras e Vítor Constâncio torna-se o homem-forte do banco central, onde os mandatos do Conselho de Administração têm prazos desencontrados. O de Campos e Cunha havia de terminar em 2003, já com Manuela Ferreira Leite no Governo, que opta por não o reconduzir, mesmo contra a vontade de Constâncio.
Uma das fontes contactadas diz que o actual ministro das Finanças «nunca perdoou isso» a Ferreira Leite e refere que as críticas de Campos e Cunha ao trabalho da ministra, além de tecnicamente sustentadas, podem também ter sido um pouco motivadas por esse episódio pessoal.
No Banco de Portugal, durante o mandato de Constâncio, tinha o pelouro do Departamento de Estudos Económicos. As tarefas executivas e de decisão são, ainda hoje, quase todas tomadas pelo próprio governador, tido como muito centralizador.
Enquanto esteve na instituição, Campos e Cunha foi sempre o suplente do governador no Conselho de Governadores do Banco Central Europeu e, na instituição sediada em Frankfurt, participava ainda no importante Comité de Relações Internacionais. Saído do banco central, regressou então à Universidade Nova, onde José Sócrates o foi agora buscar. Casado, católico, com três filhos, com residência no Areeiro, Luís Campos e Cunha é dono de um perfeito inglês, o esperanto dos economistas.
O seu grande hobbie é a pintura. Vê, aprecia, compra. Mas também pinta, tal como a mulher, com quem partilha ainda a formação em economia. Já chegou a participar em exposições colectivas.
É um apaixonado, sobretudo, pela arte contemporânea. É também um apreciador de música.
Ficou famoso um quadro moderno que tinha na parede que estava nas suas costas no gabinete do Banco de Portugal, com facas e ratos. Houve quem o relacionasse com o retrato de S. Sebastião, tradicionalmente cravado de flechas, que estava no gabinete de um ex-governador do Banco de Itália.
Dizia na altura este responsável italiano que essa pintura simbolizava bem os martírios por que passavam os responsáveis de um banco central responsáveis pela política monetária, criticados quando a inflação sobe mas também quando aumentam as taxas de juro.
Luís Campos e Cunha não vai ter essa tarefa. Os seus dilemas vão ser outros nos próximos tempos e não necessariamente mais fáceis.
Entre subir impostos e/ou cortar na despesa ou deixar o défice subir e o país mais pobre vão estar as grandes decisões do novo ministro das Finanças. Deste, dos que o antecederam e, muito provavelmente dos que se seguirão.