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Gomes Cravinho: assembleia geral da ONU marcada por crise "sombria" do multilateralismo

O ministro identifica a assinatura, na quarta-feira, do Tratado do Alto Mar por mais de 40 países, entre eles Portugal, como o ponto alto da semana da Assembleia Geral da ONU,

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Lusa 23 de Setembro de 2023 às 11:06
O ministro dos Negócios Estrangeiros considerou que a "crise" do multilateralismo e a "situação sombria" que o mundo atravessa marcaram a 78.ª Assembleia Geral (AG) da ONU, apesar de avanços como a assinatura do Tratado do Alto Mar.

Em entrevista à Lusa em Nova Iorque, na sexta-feira na conclusão de uma semana de participação no debate anual da AG, o ministro João Gomes Cravinho qualificou o momento de "um pouco paradoxal".

"A situação é evidentemente sombria. O multilateralismo está em crise. Isto é: está em crise a ideia de que nós podemos, através dos nossos compromissos em instâncias multilaterais, particularmente nas Nações Unidas, resolver os problemas com que nos confrontamos. Mas, por outro lado, ninguém tem outra solução. As outras soluções que aparecem são todas muito piores. E aquilo que se verifica é que, apesar da crise do multilateralismo, vai-se avançando em alguns dossiês", disse Cravinho.

Nesse sentido, o ministro identificou a assinatura, na quarta-feira, do Tratado do Alto Mar por mais de 40 países, entre eles Portugal, como o ponto alto da semana da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), assim como "o mais importante avanço do multilateralismo" da última década.

"Tem a ver com a sobrevivência do planeta, tem a ver com os nossos compromissos em relação às alterações climáticas, tem a ver com o nosso compromisso em relação à espécie humana, além de tudo aquilo que está no mar. Foi possível avançar, portanto, num tema que representa talvez o mais importante avanço do multilateralismo desde há uma década", afirmou.

No lado oposto a este progresso alcançado, Cravinho apontou a paralisação do Conselho de Segurança da ONU devido ao facto de um dos seus membros permanentes ter violado de forma flagrante a Carta das Nações Unidas: "estou a referir-me, naturalmente, à invasão da Ucrânia pela Rússia", disse.

"Portanto, são momentos paradoxais que se vão vivendo. E eu creio que aquilo que é fundamental é que, num quadro em que vivemos tempos difíceis, (...) confiar no futuro. Temos de confiar na nossa capacidade de raciocinar e avançar coletivamente. Felizmente, é isso que o secretário-geral da ONU [António Guterres] faz todos os dias. E creio que merece todo o nosso respeito por continuar a manter viva a chama do multilateralismo", acrescentou o ministro.

Tal como no ano passado, a Assembleia Geral da ONU voltou a ser marcada pela guerra na Ucrânia e pelos vários problemas a ela associados, como o abandono por parte de Moscovo do Acordo dos Cereais do Mar Negro - que possibilitava a exportação de alimentos a partir dos portos ucranianos.

Questionado pela Lusa sobre se vê a possibilidade de esse acordo ser reatado, o ministro negou, advogando que a Rússia tem interesse em manter a paralisação dessa iniciativa.

"Por um lado, a Rússia tem um interesse nisso, na medida em que é ela própria um grande exportador de cereais e, portanto, vê com algum agrado a subida dos preços de cereais nos mercados internacionais. Por outro lado, considera que deve fazer tudo para evitar qualquer receita para os ucranianos e naturalmente que não está minimamente preocupada com os efeitos sobre outras partes do mundo, nomeadamente no continente africano, muito dependente de cereais da Rússia e da Ucrânia", afirmou.

"Não tivemos da parte da Rússia qualquer postura de abertura ou de maior ativismo num sentido de procura de soluções internacionais. O que tivemos foi a presença de um país (...) reconhecido por todo o mundo como violador da Carta da ONU e do direito internacional, a produzir argumentos absolutamente falaciosos sobre a sua invasão da Ucrânia", criticou Gomes Cravinho.

À margem do debate anual da ONU, o líder da diplomacia portuguesa manteve uma reunião bilateral com Yván Gil, o seu homólogo da Venezuela, país com o qual Portugal tem tido vários diferendos.

"Temos vários temas a trabalhar em comum. Temos uma comunidade portuguesa muitíssimo importante na Venezuela. Temos preocupações em relação à normalização da situação política interna. E, nessa medida, naturalmente nós não podemos estar de acordo com tudo aquilo que acontece na Venezuela", disse.

"Vejo o meu colega venezuelano como um interlocutor com quem trabalho com respeito - mesmo discordando - na procura de soluções, particularmente que sejam boas para a nossa comunidade", acrescentou o governante.

Ainda na última semana, Portugal integrou a lista de 32 países costeiros do Atlântico - de quatro continentes - que adotaram uma Declaração sobre a Cooperação Atlântica. Entre os subscritores estão também Angola, Brasil, Espanha, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos.

Em comunicado, o Governo norte-americano informou que os países signatários partilharam o compromisso de "uma região atlântica pacífica, próspera, aberta e cooperante", abordando conjuntamente "desafios como pirataria, crime organizado transnacional, pesca ilegal, alterações climáticas, poluição e a degradação ambiental". Como exemplo do espírito de cooperação atlântica, o Governo dos Estados Unidos indicou, entre outros, o 'Atlantic Center' nos Açores, como uma "plataforma central para análise de políticas inovadoras e pan-atlânticas, diálogo político e capacitação".

De acordo com Cravinho, esta Declaração do Atlântico, com uma forte liderança dos Estados Unidos, representa "um alargamento para o âmbito científico do trabalho que está a ser feito no quadro do Atlântico", acrescentando que Estados Unidos têm uma afetação de 10 milhões de dólares (9,37 milhões de euros) para o trabalho neste quadro.
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