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Discurso integral de Sócrates no Parlamento sobre plano para desfazer a burocracia

O primeiro-ministro está a anunciar hoje um vasto pacote de medidas tendo em vista a modernização administrativa e simplificação legislativa, aproveitando o debate mensal na Assembleia da República. Veja aqui o discurso na íntegra.

27 de Janeiro de 2006 às 10:52
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O primeiro-ministro está a anunciar hoje um vasto pacote de medidas tendo em vista a modernização administrativa e simplificação legislativa, aproveitando o debate mensal na Assembleia da República. Veja aqui o discurso na íntegra.

«Simplificação administrativa e desenvolvimento da Economia»

1. O Governo mantém-se fiel ao rumo que traçou

O Governo mantém-se fiel, inteiramente fiel, ao rumo que traçou.

O desafio central que o País tem pela frente é o desafio do crescimento económico – e é nele que continuamos a concentrar o essencial das nossas atenções.

Quando aqui apresentei o Programa do Governo anunciei, com clareza, aqueles que são os três pilares da nossa política económica: o Plano Tecnológico, que estamos já a executar em todas as frentes; o Compromisso de consolidação das contas públicas, que estamos a cumprir; e o Contrato para a confiança, orientado para um renovado impulso ao investimento, e que começa agora a dar frutos visíveis.

Com o lançamento, nas últimas semanas, de vários projectos de investimento privado, está em desenvolvimento um novo ciclo de investimento modernizador na economia portuguesa. Estão a arrancar, finalmente, projectos de tecnologia avançada, que apostam na inovação e em recursos humanos altamente qualificados, para melhor competir no mercado global; anunciam-se projectos industriais orientados para as exportações; confirmam-se investimentos que apontam não apenas para a consolidação do "cluster" automóvel mas para a sua expansão e qualificação; e avançam, finalmente, projectos para reforçar a oferta turística de alta qualidade em Portugal.

Em suma, dão-se os passos que permitirão colocar a economia portuguesa a competir no mercado global em patamares de maior exigência tecnológica e de superior valor acrescentado. Este é o caminho certo para Portugal.

2. Superar a burocracia, ajudar as empresas

Mas há ainda muito a fazer para consolidar este caminho.

Uma das apostas do Contrato para a Confiança é a criação de um bom ambiente para os negócios, que passa pelo combate à burocracia, que asfixia a vida empresarial. Todos os estudos mostram que este é um dos principais obstáculos à modernização e à competitividade da nossa economia.

O nosso objectivo deve ser este: superar obstáculos burocráticos inúteis; simplificar os procedimentos administrativos; reduzir os prazos de resposta; eliminar as formalidades dispensáveis, os requisitos absurdos, os falsos instrumentos de controlo que verdadeiramente ninguém utiliza. Este é um contributo fundamental para libertar recursos das empresas, dar mais dinamismo à economia e eliminar custos públicos de contexto, ao mesmo tempo que se permite que o Estado se possa concentrar naquelas que são as suas tarefas essenciais.

O Governo tem adoptado neste domínio medidas de uma ambição sem precedentes, como é o caso do procedimento de constituição de "empresas na hora" – que já permitiu a criação de 2622 empresas, com um tempo médio de constituição de apenas uma hora e sete minutos.

Mas é preciso fazer mais. Muito mais. Por isso, quero aqui anunciar que o Governo resolveu lançar um novo programa, um ambicioso "Programa de simplificação administrativa e legislativa", cujo objectivo é facilitar a vida dos cidadãos e das empresas.

Este Programa integrará dois eixos distintos e fundamentais: um de prevenção, para melhorar a produção legislativa e assegurar a prévia avaliação dos custos administrativos de cada nova regulamentação, sob a direcção da Presidência do Conselho de Ministros; outro virado para a simplificação administrativa na vida dos cidadãos e das empresas, coordenado e dinamizado pela Unidade de Coordenação da Modernização Administrativa.

Este Programa será apresentado já no próximo mês de Março e identificará centenas de medidas de eliminação, simplificação e desmaterialização de actos e procedimentos administrativos, que serão executadas ainda durante o corrente ano de 2006.

Mas, para se perceber o alcance do que está em causa, quero aqui apresentar 10 medidas que já decidimos adoptar e que considero de especial importância para as empresas portuguesas e que, estou certo, em muito poderão contribuir para o dinamismo da vida económica.

Primeira medida – O Governo vai tornar facultativas todas as escrituras públicas sobre actos relativos à vida das empresas.

Hoje, para constituir uma sociedade comercial, alterar os seus estatutos, aumentar ou reduzir o capital social, operar a fusão ou a cisão de sociedades, modificar a firma, alterar o objecto ou até simplesmente mudar a sede de uma empresa é sempre obrigatória a escritura pública, a celebrar no notário, sendo que depois o mesmíssimo acto tem de ser ainda registado na Conservatória do Registo Comercial. Temos, portanto, um duplo controlo de legalidade, que se paga a dobrar.

Ora, isto vai acabar: o Governo decidiu tornar facultativas todas as escrituras públicas relativas á vida das empresas (que não envolvam bens imóveis), de modo a poupar aos agentes económicos o custo inerente a cerca de 65.000 escrituras públicas por ano. Doravante, ao investidor bastará praticar o acto pretendido junto da Conservatória de Registo Comercial, a quem caberá garantir a segurança jurídica através de um único acto de controlo público.

Segunda medida – Vamos simplificar todo o regime da fusão e da cisão de sociedades.

Hoje, para fazer uma fusão ou cisão de uma sociedade são necessários 3 actos de registo nas Conservatórias, 4 publicações em papel na III Série do Diário da República, uma escritura pública no notário e duas publicações em jornais locais. Dez actos e procedimentos. Para quê tanto acto administrativo e tanta burocracia? Ninguém sabe. Mas é tempo de isto mudar.

No processo de fusão e cisão de sociedades bastará registar o projecto num site web, publicar também num site web a convocatória da Assembleia Geral e proceder a um único registo na Conservatória, a publicitar também por via electrónica. O processo será muito mais rápido, mais barato e muito mais amigo de quem quer investir.

Terceira medida – Vamos criar uma modalidade de "dissolução e liquidação na hora" das sociedades.

Hoje em dia, encerrar uma sociedade tornou-se um verdadeiro calvário: tem de celebrar-se uma escritura pública no notário, tem de se registar a dissolução e a liquidação na Conservatória e, até há poucos dias, também era necessário publicitar estes actos na III Série do Diário da República.

Também isto vai deixar de ser assim. O empresário passará a poder dirigir-se simplesmente a uma Conservatória e, num único momento, dissolver e liquidar a sociedade, procedendo de imediato ao registo desse acto. A publicação passará a fazer-se por via electrónica, com recurso a um site que já está disponível.

Quarta medida – Vamos acabar com todos os livros de escrituração mercantil, excepto o livro de actas

Os empresários conhecem bem as exigências que permanecem na legislação actual. Hoje, de acordo com a lei, as empresas ainda são obrigadas a manter os livros de Inventário, os livros de Balanço, os livros de Razão, embora sem razão, e – chamo a atenção especial para este – o livro Copiador, aquele onde é suposto anotar-se, na íntegra, cronológica e sucessivamente, de preferência sem rasuras, toda a correspondência expedida. Mais: todos estes livros têm de ser obrigatoriamente legalizados na Conservatória de Registo Comercial, que deve carimbar todos e cada um dos livros na sua abertura, rubricar todas as suas folhas e lavrar os termos de fecho.

Isto vai deixar de ser assim. Todos estes livros comerciais vão deixar de ser obrigatórios pela simples razão que são hoje desnecessários e obsoletos. E mesmo o livro de Actas, o único que se mantém, deixará de ser certificado na Conservatória. Com esta medida, para além de uma imensa economia de tempo e dinheiro, há meio milhão de actos que agora se exigem desnecessariamente às empresas e que vão deixar de existir.

Quinta medida – simplificar a autenticação de documentos e reconhecimento presencial de assinaturas

Todos sabemos que hoje estes actos têm obrigatoriamente de ser praticados nos notários. De futuro, o reconhecimento presencial, por semelhança e na qualidade, de assinaturas passará a poder ser feito também por Conservatórias, advogados, solicitadores e câmaras de comércio e indústria.

Sexta medida – Vamos criar, para as empresas, um novo regime de Prestação Única de Contas.

Actualmente, e ao longo do ano, as empresas estão obrigadas a praticar numerosos actos perante diferentes serviços do Estado, em que se repete muita informação, sempre em formulários diferentes: a declaração do modelo 22 para as Finanças; o depósito da prestação de contas e respectivos anexos nas Conservatórias de Registo Comercial e ainda os formulários de informação estatística para o INE e o Banco de Portugal, entre muitos outros.

Vamos agora unificar, num único momento e num único acto, todas estas obrigações. O que o Governo pretende é que haja um único período no ano, por exemplo o mês de Maio, em que as empresas têm de praticar um único acto de prestação de informação e contas, acto esse que será desmaterializado e realizado por via electrónica.

Esta, senhoras e senhores Deputados, é uma medida de extraordinário alcance: vamos com isto eliminar milhões de actos burocráticos isolados, a que estão obrigadas as 350 mil empresas. Poupa-se tempo, reduzem-se custos e simplifica-se o próprio controlo administrativo.

Sétima medida – Prestação única de informação das empresas à Segurança Social.

Presentemente, a lei exige que a maior parte das empresas entreguem ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social vários modelos de declarações (Quadros de pessoal, Declaração de remunerações, Balanço social, etc.). Em Abril, as empresas têm que entregar os Quadros de Pessoal e a Declaração de Remunerações à Segurança Social; em Julho têm que entregar o Balanço Social, o Relatório da Formação Profissional, o Relatório da Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, as Estatísticas de acidentes de trabalho e as Estatísticas de greves; por fim, em Outubro, as empresas têm que entregar os dados para os Inquéritos aos ganhos e ao emprego estruturado.

Já no próximo ano, todas estas declarações serão entregues num único momento, num só formulário e num único ponto de contacto, independentemente do serviço público a que se destinem. Eis outra alteração importante, que vai reduzir radicalmente o peso burocrático na relação das empresas com a Segurança Social.

Oitava medida – Vamos eliminar a obrigatoriedade das certidões de inexistência de dívidas à Segurança Social e às Finanças.

Actualmente, os particulares, mas também as pessoas colectivas que concorrem à concessão de subsídios ou a concursos públicos de contratação de bens e serviços, têm de instruir os seus processos com as conhecidas Declarações de Situação Contributiva Regularizada perante as Finanças e a Segurança Social. Na prática, tem de se pedir ao Estado uma informação que o Estado já tem, para a dar a conhecer ao próprio Estado. Graças a esta imaginação burocrática, só os serviços da Segurança Social emitem mais de 150 mil certidões negativas de dívida todos os anos.

Pois, ainda este ano estas certidões obrigatórias serão eliminadas, instituindo-se em sua substituição um sistema de circulação de informação no interior do próprio Estado, sem prejuízo da salvaguarda dos deveres de confidencialidade.

Nona medida – Vamos criar o procedimento "Marca na Hora".

Este novo mecanismo, á semelhança da "empresa na hora", vai permitir obter imediatamente os títulos de propriedade sobre firmas e marcas, num único balcão. Ficará assim disponível uma nova "Bolsa de Marcas na Hora". Com este novo regime será possível fazer o que muitos julgariam impossível: registar uma Marca de forma praticamente instantânea, quando hoje em dia isso demora, em média, 12 longos meses.

Décima medida – Vamos simplificar a prestação de informação pelas empresas industriais.

Esta medida consiste na eliminação das obrigações de registo e actualização para efeitos de Cadastro Industrial. Essa informação passará a ser recolhida pela Administração no âmbito do próprio processo de licenciamento das actividades industriais.

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Deputados

Estas dez medidas são boas notícias para as empresas e boas notícias para o investimento. Elas eliminam milhões de actos obrigatórios e poupam muitos milhões de euros. Só as medidas respeitantes a livros, escrituras e publicações permitem que as empresas poupem por ano mais de 125 milhões de euros em custos directos e indirectos.

Como já referi, todos os estudos credíveis sobre a economia portuguesa apontam os custos administrativos e os procedimentos burocráticos como um dos entraves à competitividade da nossa economia. E o drama é que estes custos raramente são quantificados, porque compreendem milhares de pequenas parcelas, insignificantes em si mesmas mas que, quando consideradas no seu conjunto, representam um fardo imenso.

A primeira tarefa é, portanto, tornar visíveis estes custos invisíveis. É por isso que, ao nível da Presidência do Conselho de Ministros, instituímos uma nova metodologia: a legislação a aprovar, para além da identificação do seu impacto orçamental, que já é exigida, deverá ser também acompanhada de uma avaliação dos respectivos custos administrativos para as empresas e para os cidadãos.

Tenhamos bem consciência do que está em causa: o que o Governo se propõe fazer é uma revolução no plano das mentalidades e dos hábitos instalados na Administração Pública portuguesa. Trata-se de uma alteração do velho paradigma: o de que o Estado deve exigir ás empresas e aos cidadãos o máximo de informação possível. De forma rotineira, redundante e sistemática, e independentemente do risco, da necessidade e do custo, a Administração quer saber tudo, de todos, e a todo o tempo – mesmo aquilo que já sabe ou já tem obrigação de saber.

O único limite a esta prática não é propriamente o céu - mas a falta de recursos, de capacidade ou então de imaginação burocrática.

Eu sei que há sempre uma lógica sedutora por trás de qualquer regulamento. Há sempre uma boa justificação para mais uma formalidade. Mas o problema é a acumulação de tudo isto: estas boas intenções, não raro, acabam em custos incomportáveis e em efeitos sufocantes para a actividade económica. O que pretendemos é instituir, progressivamente, um sistema inteligente, racional, e simplificado de recolha da informação mínima necessária, em que o princípio implícito seja o da confiança no cidadão e nos agentes económicos, e em que a análise custo-benefício esteja sempre presente nas exigências da Administração, sem perder de vista, como é evidente, a segurança jurídica.

Este é um Programa feito de medidas concretas. Muitas delas consideradas impossíveis, até ao momento em que deixaram de o ser. Este é um Programa contra a mentalidade do «é assim, porque sempre foi assim».

Às vezes é preciso parar para pensar – e verificar se com cada nova legislação e cada nova exigência administrativa não estamos a criar um problema maior do que aquele que se pretende resolver.

É preciso que o princípio político seja claro: nenhum regulamento sem fundamentação, nenhum pedido de informação sem razão de ser, nenhum formulário sem justificação.

Ao propôr este Debate quero trazer para o centro do debate político este problema sério: os custos administrativos excessivos que sobrecarregam a vida dos cidadãos e das empresas. E é também por aqui que passa o nosso projecto reformista e modernizador - a bem de Portugal e a bem dos portugueses.

 

 

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